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A terceirização de presídios a partir do estudo de uma penitenciária do Ceará

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8.PENITENCIÁRIA INDUSTRIAL REGIONAL DO CARIRI – PIRC

Seguindo a proposta de nossa pesquisa, buscamos conhecer a execução da pena privativa de liberdade na Penitenciária Industrial Regional do Cariri, estabelecimento prisional localizado em Juazeiro do Norte, Ceará e que funciona dentro do sistema de terceirização.

Funcionando desde 2001, a PIRC é resultado de uma parceria entre o Estado do Ceará, através da Secretaria de Justiça, e a empresa Companhia Nacional de Administração Prisional – CONAP. De acordo com o item II, da cláusula quarta do contrato de gestão, é da competência da contratada: "selecionar, recrutar, contratar sob sua inteira responsabilidade, observadas as regras de seleção da Superintendência do Sistema Penal – SUSIPE, preferencialmente da Região do Cariri, os recursos humanos necessários para o pleno desenvolvimento da Penitenciária Industrial do Cariri, assumindo os encargos administrativos dos mesmos, e cumprindo com todas as obrigações trabalhistas, fiscais, previdenciárias e outras, em decorrência de sua condição de empregadora/contratante."

Da análise dos termos do contrato firmado entre o Estado e a empresa privada gerenciadora do estabelecimento, conclui-se que ao primeiro remanesce a indelegável função de acompanhar a aplicação da pena, fazer a progressão dos regimes fechado para o semi-aberto, e deste para o aberto. Nas palavras do juiz da execução penal da Comarca de Juazeiro do Norte, José Josival da Silva: "[...] nossa penitenciária é terceirizada. Então, essa questão de limpeza, alimentação e outros serviços que englobam a chama atividade-meio, é uma empresa que cuida. A parte referente à administração da pena, à execução mesma da pena, é da nossa competência." Logo, compreende-se que ao Estado, através de seus órgãos encarregados da execução penal, incumbe o cumprimento da lei de execução penal, inclusive no que concerne à concessão de benefícios previstos naquela lei, tais como a suspensão condicional da pena e o livramento condicional.

As palavras de Marcos Prado, diretor de recursos humanos da CONAP, são bem elucidativas no sentido de demonstrar a forma como é feita a execução da pena na PIRC, quando se expressa nos seguintes termos: "[...] você não pode comparar o que estamos fazendo aqui com uma simples detenção, uma simples cadeia. Aqui existe toda uma infra-estrutura visando ao atendimento da lei de execução penal, e obviamente, à ressocialização do preso. O nosso maior desafio é provar tanto para o governo quanto para a sociedade, que essa experiência dá certo."

No presídio existe toda uma infra-estrutura no sentido de dar efetividade ao princípio da ressocialização do preso. A maior ênfase ocorre no aspecto do trabalho executado na própria prisão. Isto existe graças a uma parceria efetuada entre a CONAP e algumas empresas da região. Através do trabalho, os internos ganham dignidade e obtém o benefício da remição, ou seja, para cada três dias trabalhados diminui-se um dia no tempo do cumprimento da pena. Nas palavras do próprio juiz José Josival: "[...] a importância central aqui é recuperar o homem pelo trabalho." E, nesse sentido até os próprios presos reconhecem, como se pode depreender das palavras do interno José Clementino da Silva: "[...] para quem tem uma pena longa como eu tenho, é melhor cumprir essa pena trabalhando. Por que eu trabalhando não passo o tempo ocioso; e a gente não estando na ociosidade não tem tempo para ficar pensando besteira..."

O sistema de gerenciamento prisional adotado na PIRC também é eficiente sob o aspecto da corrupção e do tráfico de drogas entre os presos, pois conforme anuncia o gerente da unidade, Sérgio Luiz Correia: "[...] para se evitar a intimidade dos internos com os agentes de disciplina é realizado um rodízio de funcionários por hora e setor. Em qualquer suspeita de intimidade do agente de disciplina com os internos, aquele (o agente) é desligado, para não se deixar nenhuma suspeita..." Nesse mesmo sentido o próprio promotor da execução penal da Comarca de Juazeiro do Norte, Davi da Silva, atesta a eficiência do sistema dizendo:

[...] nesse sistema a fiscalização do comportamento dos internos se dá de maneira mais satisfatória, e o índice de corrupção entre os internos e os agentes penitenciários se encontra em níveis aceitáveis. Se algum destes tem algum envolvimento em atos de corrupção no relacionamento com os presos, ele pode ser simplesmente demitido sem a necessidade de se instaurar um processo administrativo; isto por que a empresa privada é quem contrata diretamente esse agentes e os demais funcionários do estabelecimento; e é também quem arca com o ônus trabalhista e previdenciário decorrente dessa dispensa.

Buscando dar o máximo de efetividade à Lei de Execução Penal - LEP, a PIRC direciona sua atenção para os seguintes aspectos: individualização da pena, assistência jurídica, assistência religiosa, assistência à saúde, assistência educacional, trabalho prisional e assistência ao egresso.

A individualização da pena, princípio insculpido no art.5º, XLVI e XLVIII, da constituição Federal, é atendido na PIRC, na medida em que os serviços de assistência psicológica, de orientação social e sexual, tanto ao interno quanto ao egresso, são efetuados por um quadro de funcionários próprio da CONAP, levando-se em consideração as especificidades de cada preso.

A assistência jurídica, regra constante dos artigos 15 e16 da Lei 7.210/84 – LEP, é prestada na PIRC por um quadro composto por 04 (quatro) advogados contratados e auxiliados por estagiários que prestam assitência jurídica aos internos que não possuem defensores, ou que não reúnem condições financeiras para contatar advogados particulares.

Assistência religiosa, concebida como o direito de acesso à religião, bem como liberdade de culto em local apropriado (art.24, da LEP), é considerado como o mais poderoso, senão o único fator de reforma do recluso. Em geral a assistência religiosa é prestada de forma satisfatória em todas as penitenciárias brasileiras, e na PIRC é efetivada através de diferentes cultos religiosos que lá são praticados em dias previamente determinados.

A assistência à saúde, sem dúvida se constitui num drama que aflige a imensa maioria das penitenciárias brasileiras. O art.14 da LEP garante que o atendimento à saúde do preso compreenderá atendimento médico, farmacêutico e odontológico, devendo o estabelecimento dispor de tais serviços. Na PIRC, tal atendimento é prestado por uma equipe composta de um médico, um psiquiatra, dois psicólogos, um dentista, dois enfermeiros e três assistentes sociais. A infra-estrutura física é dotada de um núcleo de saúde, em que são prestados atendimentos ambulatoriais, uma enfermaria e um centro cirúrgico no qual são feitos procedimentos cirúrgicos de baixa e média complexidade.

A assistência educacional do preso, segundo a LEP, deve compreender a instrução escolar e a formação profissional (art.17 da LEP). Sua relevância reside no fato de ser a educação a base de todo plano de desenvolvimento social, e sua carência implica a exclusão do preso do universo sócio-econômico e cultural. Na PIRC existe uma escola de ensino fundamental e médio na qual os internos recebem a instrução escolar.

O trabalho prisional, interno e externo, possui inegável valor social e de administração interna. Seu escopo social reside na inserção do apenado no contexto sócio-econômico da comunidade; já sua função interna fundamenta-se na total inviabilidade da administração penitenciária cujos internos não exerçam qualquer atividade laboral. Nesse sentido estabelece o art.28 da LEP que o trabalho é condição de dignidade humana e dever social do preso, sendo sua responsabilidade pessoal. Na PIRC o trabalho prisional é exercido internamente, englobando serviços de manutenção do próprio presídio, como limpeza, pintura e jardinagem, até trabalhos manufaturados, como confecções, folheados e produtos de limpeza. A cada preso que trabalha é garantido a remuneração mínima de três quartos do salário-mínimo (art.29 da LEP), bem como a empresa empregadora fica isenta das obrigações previdenciárias, trabalhistas e fiscais. O preso que trabalha tem direito ao benefício da remição, na proporção de um dia de pena por cada três dias trabalhados(art.126 da LEP).

A supelotação prisional é outro grave problema que atinge o sistema penitenciário nacional e se constitui num violador do direito à integridade física e moral do preso (art.40 da LEP). Na PIRC inexiste o problema da supelotação, já que o número de vagas oferecidas é de 550, sendo que o número de presos nunca ultrapassou o total de 520.

O serviço de assistência ao preso egresso é de fundamental importância na sua reabilitação pois é após sua liberação e retorno ao convívio social que voltará a viver todas as condições que influenciam na reincidência. O serviço de assistência aos egressos na PIRC é feito por uma equipe de assistentes sociais dos quadros da própria CONAP.

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9. CONCLUSÃO

No desenrolar do presente trabalho de pesquisa, buscamos analisar as razões e consequências das falhas no sistema penitenciário brasileiro, voltando o foco do debate para a questão da terceirização do serviço carcerário. Observou-se que tal proposta ainda é objeto de muita discussão, tanto no meio acadêmico, quanto nas searas jurídica, profissional e política.

Porém, em que pesem os posicionamentos em contrário, alicerçados em argumentos até bem fundamentados, entendemos que a sociedade não poderá manter uma postura de resistência à implementação das parcerias público-privadas no gerenciamento de estabelecimentos prisionais. Basta se fazer uma análise perfunctória do modo pelo qual a execução da pena privativa de liberdade vem sendo efetivada na Penitenciária Industrial Regional do Cariri, para se chegar a uma rápida conclusão sobre quão eficiente é esse sistema.

Em consonância com a moderna linha adotada pela doutrina do Direito Criminal, deve-se compreender que o homem segregado somente pode perder sua liberdade e nada mais. O Estado é o responsável por aquele que se encontra preso, de tal sorte que todas as atrocidades por ele sofridas são da responsabilidade direta do Estado.

De forma conclusiva podemos atestar que as pessoas e autoridades que têm experiência com o sistema de administração penitenciária terceirizado têm se inclinado no sentido de considerá-lo mais eficiente do que o tradicional, principalmente por que a assistência aos presos é prestada de maneira mais adequada.

Aqueles que defendem e respeitam os direitos humanos devem meditar cuidadosamente antes de se posicionarem contra a proposta de terceirização do sistema carcerário. A sociedade não pode mais quedar-se inerte diante das profundas anomalias existentes no sistema penitenciário nacional, que ora se nos apresenta. Incumbe-nos refletirmos sobre a necessidade da implementação das parcerias público-privadas, principalmente no setor do serviço penitenciário, pois como um dia afirmou Rui Barbosa " o que hoje semeias, colhereis amanhã."


10. BIBLIOGRAFIA

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Sobre os autores
Cosmo Sobral da Silva

bacharelando em Direito pela Universidade Regional do Cariri (URCA), técnico judiciário do TRT da 7ª Região

Everaldo Batista Bezerra

bacharelando em Direito pela Universidade Regional do Cariri (URCA), servidor público

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Cosmo Sobral ; BEZERRA, Everaldo Batista. A terceirização de presídios a partir do estudo de uma penitenciária do Ceará. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 645, 14 abr. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6541. Acesso em: 28 mar. 2024.

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