3. GARANTIA PROVISÓRIA DE EMPREGO À GESTANTE
A despeito de opiniões contrárias, o empregador, em regra, tem o direito potestativo de rescindir o pacto laboral de acordo a sua conveniência, prescindindo da aceitação do empregado, ou seja, é um direito de impor ao trabalhador a sujeição da sua vontade unilateral. Contudo, em alguns casos a lei limita esse direito do empregador através das chamadas estabilidades ou garantias provisórias de emprego, as quais vedam, transitoriamente, a despedida imotivada e, no caso de inobservância da vedação, garante ao trabalhador a reintegração ao posto de trabalho ou indenização equivalente as verbas que seriam devidas até o fim do período protegido.
As garantias provisórias de emprego podem se dar em razão de condições biológicas (como no caso do empregado acidentado e da gestante), em razão do empregado desenvolver uma atividade contrária ao interesse do empregador (como no caso do membro da CIPA ou dirigente sindical), ou até mesmo por liberalidade do empregador ou convenção entre as partes (como no caso de estatutos de empresas ou convenções coletivas que asseguram a estabilidade do empregado após certo lapso de tempo de serviço). Contudo, para o presente estudo, apenas a análise da garantia provisória de emprego à gestante se mostra relevante.
A garantia de emprego à gestante é apenas um dos direitos relativo ao trabalho da mulher e proteção à maternidade, visando proteger as trabalhadoras de um tratamento discriminatório e subalterno no exercício da sua fertilidade, assegurando que a empregada não se veja desempregada e desamparada justamente em um estágio de vida que seu corpo necessita de uma série de cuidados especiais . Tal direito encontra-se previsto no art. 10, inciso II, alínea “b” do Ato das Disposições Constitucionais Provisórias-ADCT, o qual estabelece que é vedada a “dispensa arbitrária ou sem justa causa” da empregada gestante desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto, prazo que a lei entende como razoável para que a trabalhadora tenha recuperado a sua capacidade laboral.
3.1. Requisitos para garantia de emprego e para dispensa da gestante
Em apertada síntese acerca das celeumas suscitadas quanto à dispensa da gestante, a maior parte da doutrina sustenta que a garantia do emprego se inicia com a concepção, independentemente da ciência do empregador (item I da Súmula 244 do TST) ou da própria trabalhadora[16], nem se exige comunicação da trabalhadora acerca da sua gestação, tendo em vista o risco objetivo e social[17], sendo, ainda, irrelevante a data do exame que confirme o estado gravídico. Nessa senda, pode-se asseverar que a garantia de emprego à gestante exige apenas um requisito objetivo: estado gravídico no curso do pacto laboral.
Com efeito, o termo legal “desde a confirmação da gravidez” (alínea “b”, inciso II, art. 10, do ADCT) não impõe a ciência subjetiva da trabalhadora ou do empregador como requisito para exercício do direito, apenas elege o início da gestação como marco da garantia de emprego, ou seja, a partir da confirmação da data de início da gestação é possível verificar se o início da garantia de emprego ocorreu dentro do pacto laboral ou não, e o pronunciamento contrário obstaria a própria finalidade da norma por mera imprecisão literal. De fato, mesmo nos casos em que a gravidez teve início já no curso de aviso-prévio, ou seja, após válida manifestação do empregador em rescindir o contrato, a garantia de emprego ainda se mantém (art. 391-A da CLT), posto que o aviso-prévio integra o contrato de trabalho, tratando-se, portanto, de gestação no curso do contrato, sendo vedada a dispensa arbitrária ou sem justa causa.
Outro entendimento assente na doutrina é a desnecessidade da instauração de inquérito para apuração da falta grave para a dispensa da empregada em gozo de garantia provisória de emprego em razão da gestação, tal qual ocorre na dispensa do dirigente sindical. Com efeito, além de não ser requisito legal, a garantia provisória de emprego da gestante não é absoluta, sendo vedada tão somente a dispensa arbitrária ou sem justa causa. E, nos termos do art. 165 da CLT, a dispensa arbitrária é aquela que não se pauta “em motivo disciplinar, técnico, econômico ou financeiro”. Desse modo, ainda que não cometa falta grave, mas tendo motivo pautado nas razões elencadas no art. 165 da CLT, a trabalhadora poderá ser dispensada desde logo, não requerendo qualquer ratificação para validade do ato. Esse também é o posicionamento das doutrinadoras Vólia B. Cassar[18] e Alice M. de Barros[19], em contraposição ao entendimento de Maurício G. Delgado[20], o qual defende que, diferentemente do membro da Cipa, a dispensa da gestante só pode ocorrer em razão de justa causa.
3.2. Morte do feto ou da criança
Nos casos de morte do bebê após o nascimento ou nascimento sem vida, a doutrina e a jurisprudência tem entendido que prevalece o direito da mãe à fluição da licença maternidade e da garantia de emprego pelo prazo legal, visto que a lei não exige o nascimento com vida, tendo o evento “parto”, antecipado ou não, como critério objetivo. Ademais, a proteção da norma não está exclusivamente voltada para o nascimento do filho, mas também para o estado fisiológico da trabalhadora, uma vez que a gestação imputa à mulher uma série de transformações do seu corpo, além de alterações hormonais e psíquicos.
Seria desumano não conceder a benesse à trabalhadora que já enfrentou todas as dolorosas alterações e complicações da gravidez, parto e pós-parto, mesmo não tendo a compensação da maternidade, qual seja, a alegria de ter o filho nos braços. Assim, além da dor física e emocional, a trabalhadora ainda estaria suscetível a inconveniência de ter que retornar ao posto de trabalho ainda intimamente lacerada/enlutada, ou até mesmo experimentar a angústia da despedida, visto que não estaria mais acobertada pela “estabilidade provisória”.
Por outro lado, nos casos de aborto prevalece a garantia de emprego apenas pelo período compreendido entre a gestação até duas semanas após a interrupção da gravidez, visto que, tendo a trabalhadora direito ao gozo de salário maternidade por duas semanas, conforme art. 93, §5º do Decreto 3.048/99[21], o contrato de trabalho estaria suspenso e não poderia, em regra, ser denunciado (art. 471 CLT). Também nesse sentido se manifestou o TST em recente julgamento do Recurso de Revista nº 1236-86.2011.5.04.0382, com a seguinte ementa:
ESTABILIDADE PROVISÓRIA. GESTANTE. ABORTO ESPONTÂNEO. DEMORA NO AJUIZAMENTO DA RECLAMAÇÃO TRABALHISTA. Segundo se extrai da decisão proferida pelo Tribunal Regional, a reclamante, na época da despedida, em 23/12/2009, já estava grávida e em 30/1/2010, após internação, sofreu aborto espontâneo. Esta Corte, ao interpretar os arts. 10, inc. II, alíneab, da Constituição da República e 395 da CLT, uniformizou o entendimento de que à empregada gestante é garantida a estabilidade provisória no emprego desde a concepção até cinco meses após o parto. Todavia, em caso de interrupção da gravidez por aborto espontâneo, essa garantia persiste desde a concepção até duas semanas após o aborto. O único pressuposto para que a empregada gestante tenha assegurado o seu direito à estabilidade provisória (ADCT, art. 10, inc. II, alínea b)é que esteja grávida, não se cogitando de outro prazo para o ajuizamento da ação, senão o de dois anos a contar da extinção do contrato de trabalho consoante dispõe o art. 7º, inc. XXIX, da Constituição da República. Recurso de Revista de que se conhece e a que se dá provimento[22]. (grifo nosso)
Ainda no que pertine ao aborto, vale ressaltar que, doutrinariamente, a tênue diferença entre o nascimento sem vida e o aborto reside no tempo de gestação. Desse modo, o aborto pode ser entendido como interrupção da gestação antes da viabilidade do feto (condições clínicas para sobrevida), o assim considerado com idade superior a 20 semanas de gestação e peso superior a 500 gramas, uma vez que poucos fetos sobrevivem em condições inferiores as estas[23].
3.3. Prazo para reivindicação judicial da garantia de emprego
A ementa retro citada além de esclarecer acerca da garantia de emprego nos casos de aborto também expressa o atual posicionamento da 5ª Turma do TST acerca do prazo para ajuizamento de ação que verse sobre a garantia provisória de emprego da gestante.
A discussão doutrinária e jurisprudencial da matéria sobre o tema atrela-se ao fato do objetivo legal da lei em resguardar o posto de trabalho da empregada e não em auferir-lhe, diretamente, vantagem econômica, logo, em caso de descumprimento, entende-se que o julgador deve priorizar a reintegração da empregada ao trabalho, sendo devida a indenização apenas quando a reintegração não for viável. Nesse sentido discute-se seria devido a concessão de indenização à empregada que só veio pleitear o direito após o todo o transcurso do período que fazia jus a garantia de emprego, visto que, neste caso, o objetivo da norma (garantia da permanência no emprego) teria perdido o sentindo, além de que a ação denotaria a má-fé da empregada em objetivar o recebimento dos créditos sem o exercício do labor. Sobre o tema, Alice M. de Barros[24] assim dispõe:
Se a empregada deixa transcorrer, injustificadamente, todo o período relativo à estabilidade provisória e ingressa em Juízo, só posteriormente, inviabilizando a reintegração, não há como assegurar-lhe as vantagens pecuniárias correspondentes. A rigor, o que a empregada pretende, agindo dessa forma, não é o emprego, mas as vantagens pecuniárias advindas da estabilidade provisória, privando o empregador da prestação de serviços correspondente. Comportamento dessa natureza vem sendo considerado, com acerto, exercício abusivo do direito de ação, porque desvinculado de sua finalidade. (grifo nosso)
Em que pese o respeitável entendimento da autora, perfilhamos-nos ao entendimento da 5ª Turma do TST. Ora, se a lei não estabeleceu prazo especial para o litígio que verse sobre a garantia de emprego, é de bom alvitre se considerar o prazo geral de dois anos após o fim do contrato (art. 7º, XXIX da Constituição Federal), visto que o entendimento que estreita consideravelmente o prazo para o exercício do direito de ação é prejudicial à trabalhadora, fere princípios do Direito do Trabalho além de inovar em norma processual, quando a competência é exclusiva da União. Ademais, a despedida durante a “estabilidade provisória” é ato ilícito que enseja reparação sob pena da locupletar-se o empregador da própria torpeza.
3.4. Prorrogação da garantia de emprego
Outra situação relevante é o questionamento acerca da prorrogação da garantia de emprego à gestante quando a empresa empregadora for participante do Programa Empresa cidadã, através do qual há prorrogação da licença e salário-maternidade. Embora a lei seja silente, é de bom alvitre que o entendimento neste caso deva ser o mesmo daquele lançado quanto à figura do aborto, ou seja, se a empregada faz jus à licença-maternidade prorrogada, consequentemente, haverá prorrogação da suspensão do contrato de trabalho, não podendo ser rescindido nesta condição, consoante interpretação sistemática do art. 471 da CLT. Em posição convergente, o doutrinador José Cairo Júnior[25] também entende que a prorrogação da licença-maternidade deve ser refletiva sobre o prazo da garantia de emprego.
3.5. Garantia de emprego à trabalhadora adotante
Por fim, impede salientar que, inobstante o tema ser tratado apenas sob o título de garantia de emprego da gestante ou denominações afins, tal direito também é extensivo à trabalhadora adotante, não havendo distinção no prazo da garantia de emprego, nem distinção de qualquer natureza diante da idade da criança adotada. Desse modo, a adoção ou concessão de tutela provisória para fins de adoção será equiparada ao nascimento do filho, de acordo inteligência do parágrafo único, do art. 391-A da CLT.