O princípio da indisponibilidade do interesse público diz que a Administração deve realizar suas condutas sempre velando pelos interesses da sociedade, mas nunca dispondo deles, uma vez que o administrador não goza de livre disposição dos bens que administra, pois o titular desses bens é o povo. Isto significa que a Administração Pública não tem competência para desfazer-se da coisa pública, bem como, não pode desvencilhar-se da sua atribuição de guarda e conservação do bem. A Administração também não pode transferir a terceiros a sua tarefa de zelar, proteger e vigiar o bem. Ademais a disponibilidade dos interesses públicos somente pode ser feita pelo legislador (VIEGAS, 2011).
Respeitando o princípio em questão, a utilização de métodos alternativos de solução de conflitos, quando o bem jurídico prejudicado é pertencente a administração pública se torna inviável, como bem diz a lei se busca analisar: “É vedada a transação, acordo ou conciliação nas ações que trata o caput” (art. 17, §1º, lei nº 8429/92). Porém, trata-se de temática altamente discutida, vez que já foi alvo de várias mudanças legislativas, ora sendo liberado, ora sendo vetado, e hoje, no ano em que se escreve, de acordo com a letra de lei não está autorizada a aplicação de métodos alternativos de solução de conflitos nos casos de improbidade administrativa.
Passado isso, deve-se lembrar, primeiramente, que os institutos jurídicos comunicam-se entre si, e que os princípios aplicados estão todos pautados na Constituição Federal, que por força própria também é mudada sem alteração da letra da lei, sendo apenas vista sobre nova ótica, fenômeno esse conhecido como mutação constitucional. Dessa forma, se na própria Constituição Federal é aplicada a mutação, por que não dentro dos princípios que esta abarca? É necessário ressaltar a possibilidade de relativização do princípio da indisponibilidade:
Existem atividades e bens que, em vista de sua absoluta essência pública, não podem ser abdicados ou alienados, ainda que mediante alguma contrapartida e nem mesmo com expressa autorização legal. Por exemplo, não se concebe que sequer por meio de lei o Poder Público possa renunciar, ainda que parcial ou pontualmente, ao seu poder de legislar ou à titularidade do poder de polícia. Do mesmo modo, não se admite que o Poder Público possa desfazer-se de uma parte do território nacional, ainda que autorizado por lei.
Já em outros casos, embora o bem jurídico seja indisponível, outros valores constitucionais podem justificar que, mediante lei, o Estado renuncie a determinadas decorrências ou derivações do bem indisponível. Assim, a potestade tributária é indisponível, mas é possível lei autorizando à remissão, a anistia, do critério fiscal (TALAMANI, 2017).
Tal princípio deve ser interpretado sobre nova ótica, uma vez que, o sistema jurídico atual busca celeridade processual, mas, sempre se esquece de que as leis devem ser aplicadas em tempo hábil para que seu efeito sancionatório seja sentido, aumentando seu caráter repressivo perante os demais indivíduos da sociedade. A indisponibilidade do interesse público é uma manta curta, que muitas vezes faz com que não se abra mão de algo no início, para que seja resolvido logo, ou seja, vedando uma conciliação, acordo ou transação, como diz a letra da lei, mas, ao final, deixando descobertas as pernas da administração pública por ter que passar por um processo judicial tão longo, onde ao seu término a sanção pode ser desproporcional com o dano causado a administração na data do fato.
Portanto, se deve repensar o conceito de indisponibilidade, uma vez que, medidas alternativas de resolução de conflitos tem como função precípua a busca de uma solução mais célere sem ter que enfrentar a demora que é o processo judicial. Dessa forma, entende-se que a transação, a conciliação e o acordo estão em consonância com a definição de indisponibilidade que é a administração pública velar pelos interesses da sociedade, nunca dispondo deles, e, não há forma melhor de cuidado com os interesses sociais do que o uso de métodos alternativos, pois, a sociedade estará vendo o que ela está mais descrente: resolução de casos por meio do poder judiciário, uma vez que, os processos são tão demorados, que caem em esquecimento, dando-lhes a sensação de impunidade, que, por sua vez, é a maior causadora de descrença social no Poder Judiciário.
Notas
VIEGAS, Cláudia Mara de Almeida Rabelo. O princípio da supremacia do interesse público: Uma visão crítica da sua devida conformação e aplicação. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XIV, n. 86, mar 2011. Disponível em: <https://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=9092&revista_caderno=4>. Acesso em 11 abr. 2018.
TALAMANI, Eduardo. Justiça multiportas: a indisponibilidade do interesse público. p. 277. Editora JusPodivm. 2017.