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A justiça restaurativa e sua normatização no Brasil: a Resolução 225 do CNJ

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22/05/2018 às 14:00
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A resolução do CNJ não trouxe nenhuma metodologia especial ou manifestou-se pela escolha de um em detrimento de outra, mas reforçou a importância de utilizarmos a Justiça Restaurativa como forma de solucionar os nossos conflitos cotidianos.

INTRODUÇÃO

Após recomendações da Organização das Nações Unidas (ONU) para que a temática da Justiça Restaurativa fosse incorporada à legislação dos países, o Conselho Nacional de Justiça elaborou a Resolução 225 de 31 de maio de 2016, pretendendo que esse documento normativo seja um norte para aqueles que desejam aplicar a Justiça Restaurativa no âmbito do Poder Judiciário.

A Resolução nº 225 dispõe sobre a Política Nacional de Justiça Restaurativa no Poder Judiciário, contendo diretrizes para a implementação e difusão da prática da JR. A Resolução é resultado de uma minuta desenvolvida por um grupo de trabalho instituído pelo presidente do CNJ no ano de 2016, ministro Ricardo Lewandowski.

O Grupo de Trabalho responsável pela elaboração da minuta que posteriormente deu origem à Resolução contou com a participação de juízes auxiliares da Presidência do CNJ e de magistrados de diversas regiões brasileiras que já vinham implementando esta prática (2016, s.p).

Segundo Ricardo Lewandowski:

Trata-se de importante marco normativo para o Poder Judiciário que, ao difundir a aplicação coordenada e qualificada dos procedimentos restaurativos em todo o território nacional, assume relevo decisivo para a mudança do atual panorama de nosso sistema de Justiça criminal e infantojuvenil, além de consubstanciar-se como meio de concretização de princípios e direitos constitucionais, como a dignidade da pessoa humana, o acesso à Justiça e o exercício da cidadania, com vistas à pacificação social (2016, s.p.).

Porém, a Justiça Restaurativa não vem à tona neste momento em vão. Ela ganha força no século XXI na medida em que a Justiça Tradicional parece não estar conseguindo, por si só, atingir o objetivo de reduzir a violência e os índices de reincidência com a punição penal estatal. O tratamento penal oferecido hoje nas prisões do país não produz os resultados esperados, apesar dos esforços com ações isoladas na perspectiva de garantia de direitos.

Em tempos de criminalidade exacerbada e valores éticos colocados constantemente em xeque, a sociedade permanece insatisfeita e questiona se as punições e o tratamento penal podem transformar o indivíduo que pratica crimes e adequar o seu comportamento às normas vigentes.

O que vemos diariamente são notícias estampadas na mídia sobre o aumento do delito e da violência, assim como a superlotação carcerária. Por isso, parece necessário repensar a responsabilidade do Estado, tendo em mente a possibilidade de admitir alternativas ao cárcere, refletindo sobre o sistema penal, inclusive modificando-o.

Segundo Ílison Dias dos Santos (2016, s.p.):

Tais movimentos deslegitimadores do Direito Penal tradicional, no todo ou em parte, vêm descambando em uma tendência de política criminal que enxerga o fenômeno jurídico-penal de modo distinto, tomando como ponto de partida as críticas à alta seletividade do sistema penal por fatores socioeconômicos (especialmente nos países chamados periféricos); ou ainda pelas contribuições dos plurais movimentos de reivindicação do papel da vítima no campo penal, já que até então ela, tradicionalmente, havia sofrido uma espécie de “neutralização”.

Assim, faz-se importante compreender o fenômeno da JR em um contexto social complexo e de que forma a Resolução de 2016 pode auxiliar na implementação de uma nova forma de responsabilização em nosso país.


1.A Resolução do CNJ e seus aspectos legais.

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) foi introduzido na Constituição Federal de 1988 por meio de uma Emenda Constitucional de 2004, trazendo diversas Reformas ao Poder Judiciário. Foi implementado para exercer o controle externo do Poder Judiciário, nos termos do Art. 103 da Constituição Federal: “Compete ao Conselho [...]: I – zelar pela autonomia do Poder Judiciário e pelo cumprimento do Estatuto da Magistratura, podendo expedir atos regulamentares, no âmbito de sua competência, ou recomendar providências” (BRASIL, 2013).

É na atribuição de “expedir atos regulamentares” que as Resoluções do CNJ tomam forma. Porém, as resoluções não possuem força de Lei, pois não passam pelo procedimento junto ao Poder Legislativo, tratando-se apenas de uma orientação, de um documento legal onde constam diretrizes para implementação e difusão da prática da Justiça Restaurativa nos Tribunais de Justiça do País.

Portanto, a Resolução 225 do CNJ não possui aplicação obrigatória pelos juízes e Tribunais. Apesar disso, inquestionável é a sua relevância para a difusão e conhecimento da prática restaurativa em nosso país.

Veja-se que, segundo avaliação do CNJ no ano de 2016, “a Justiça Restaurativa foi implementada e vem sendo executada há mais de dez anos no país, mas, atualmente, apenas seis dos 27 Tribunais de Justiça (TJs) possuem normatizações a respeito, seja por meio de resoluções ou de portarias” (2016, s.p.).

Assim, a Resolução, em que pese sua pequena força normativa, tem como nobre função contemplar diferentes metodologias de implementação de práticas restaurativas, além de difundir ainda mais o tema dentro do Poder Judiciário e junto à sociedade.


2. O fenômeno da Justiça Restaurativa

A Justiça Restaurativa é um processo relativamente novo no Brasil, mas muito antigo nas comunidades tribais, as quais se organizavam em grandes círculos para discutir e resolver os seus conflitos. Essa prática também era bastante comum nas famílias mais antigas, quando, nas grandes cozinhas das casas, todos se sentavam ao redor da mesa para conversar sobre os seus problemas. Essa prática milenar conseguia resolver os conflitos internos através do dialogo respeitoso e da auto-responsabilização.

Em obra organizada pelo CNJ, intitulada “Justiça Restaurativa: horizontes a partir da Resolução CNJ 225” (2016, s.p.), leciona-se que:

No Brasil, a Justiça Restaurativa teve seu primeiro surgimento teórico na década de 90, quando o tema passou a ser atraente para os pesquisadores como uma possível alternativa ao sistema penal tradicional. Porém, vários outros países já introduziram a Justiça Restaurativa em sua legislação, como Nova Zelândia, Canadá, Austrália, África do Sul, Reino Unido, Estados Unidos e Argentina.

Inclusive, tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei nº 7006/200622, que visa incluir na justiça criminal brasileira procedimentos de justiça restaurativa, alterando o Código Penal, o Código de Processo Penal e a Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais.

Na Justiça Restaurativa a questão central, diferente da Justiça Tradicional - que versa preponderantemente sobre os culpados -, envolve aquele que foi prejudicado pela conduta, valorizando a autonomia das pessoas e o diálogo entre elas.

Assim, a proposta restaurativa é de inclusão e responsabilidade social. Promove-se o conceito de responsabilidade ativa ao fortalecer as pessoas e as comunidades para que assumam o papel de pacificar seus próprios conflitos.

O objetivo da JR é possibilitar que cada um, por meio das suas próprias ferramentas internas, possa ser capaz de resolver as suas questões e os conflitos gerados por meio da sua conduta ou de outrem. Segundo Kay Pranis e Carolyn Boyes, “nós acreditamos que cada um tem um eu que é bom, sábio, poderoso e sempre presente. [...] nós nos referimos a isto como “o eu verdadeiro” que está em cada um (2011, p. 22).

Propõe-se, portanto, o diálogo para que se consiga transformar a experiência de violência numa experiência de vida, da qual se extraiam os ensinamentos que permitam a reparação do dano produzido através da consciência, da repercussão e transcendência dos atos.

Segundo ílison Dias dos Santos (2016, s.p):

A Justiça Restaurativa, por seu turno, está centrada neste campo teórico de busca de uma nova prática penal. É compreendida como um novo paradigma no direito penal de garantias, que tem em conta os postulados de minimalismo do mesmo, diminuindo assim sua seletividade ante o infrator, também merecedor de atenção por parte da Justiça Restaurativa. Ela se distingue profundamente do modelo atual de justiça criminal, primordialmente porque “na filosofia restaurativa o crime é uma atitude contra as pessoas e contra as relações”. A vítima sai de uma posição de quase completo esquecimento para um papel destacável na resolução de conflitos jurídico-penais, já que para a Justiça Restaurativa, antes que penal, o conflito é social e, fundamentalmente, intersubjetivo. Por tanto, a vítima, vista como imediatamente afetada pela conduta transgressora do “infrator” à lei penal, tem o direito de participar com voz e escuta desse processo dialogado que se constitui através do chamado “encontro restaurativo” entre vítima-infrator-comunidade, materializado em suas ferramentas restaurativas.


3.A Resolução e suas diretrizes

 De pronto, destaca-se que a Resolução do CNJ levou em consideração para sua elaboração algumas questões importantes e que nortearam todo o texto normativo:

I. Recomendações da ONU para fins de implantação da Justiça Restaurativa nos estados membros, expressas nas Resoluções 1999/26, 2000/14 e 2002/12;

II. Efetivação do Princípio do Acesso à Justiça previsto no art. 5º da CF, com objetivo de obter-se uma efetiva solução aos conflitos;

III. A complexidade dos fenômenos do conflito e da violência;

IV. Necessidade de busca por um conceito uniforme de Justiça Restaurativa;

V. Necessidade de aprimoramento do Poder Judiciário;

VI. Possibilidade de homologação dos acordos de JR nos termos previstos pela Lei do Juizado Especial Criminal (Lei 9.099/95).

Conforme esclarece o Juiz Marcelo Salmaso (2016, s,p,), relator da minuta da resolução do CNJ, integrante do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, “o trabalho tomou como base as poucas normativas existentes nos Tribunais, como o Provimento n. 35/2014, da Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo, e as diversas experiências trazidas pelos juízes, tendo como preocupação fundamental traçar diretrizes que garantam identidade à Justiça Restaurativa”.

Na busca dessas diretrizes basilares, ponto bastante relevante trazido pela Resolução foi a definição e unificação de um conceito sobre Justiça Restaurativa no seu art. 1º:  

Art. 1º. A Justiça Restaurativa constitui-se como um conjunto ordenado e sistêmico de princípios, métodos, técnicas e atividades próprias, que visa à conscientização sobre os fatores relacionais, institucionais e sociais motivadores de conflitos e violência, e por meio do qual os conflitos que geram dano, concreto ou abstrato, são solucionados de modo estruturado na seguinte forma:

I – é necessária a participação do ofensor, e, quando houver, da vítima, bem como, das suas famílias e dos demais envolvidos no fato danoso, com a presença dos representantes da comunidade direta ou indiretamente atingida pelo fato e de um ou mais facilitadores restaurativos;

II – as práticas restaurativas serão coordenadas por facilitadores restaurativos capacitados em técnicas autocompositivas e consensuais de solução de conflitos próprias da Justiça Restaurativa, podendo ser servidor do tribunal, agente público, voluntário ou indicado por entidades parceiras;

III – as práticas restaurativas terão como foco a satisfação das necessidades de todos os envolvidos, a responsabilização ativa daqueles que contribuíram direta ou indiretamente para a ocorrência do fato danoso e o empoderamento da comunidade, destacando a necessidade da reparação do dano e da recomposição do tecido social rompido pelo conflito e as suas implicações para o futuro.

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Segundo Marcelo Salmaso (2016, s.p), foi de fundamental importância “manter o entendimento da Justiça Restaurativa, não como uma técnica de solução de conflito, mas como uma verdadeira mudança dos paradigmas de convivência [...] de forma a envolver todos os integrantes da sociedade como sujeitos protagonistas da transformação rumo a uma sociedade mais justa e humana”.

Na lógica de definir conceitos, a Resolução trouxe no §1º do Art. 1º a definição e o esclarecimento sobre alguns conceitos comumente usados nas práticas restaurativas, quais sejam: Prática restaurativa, procedimento restaurativo, caso, sessão restaurativa e enfoque restaurativo.

§ 1º Para efeitos desta Resolução, considera-se:

I – Prática Restaurativa: forma diferenciada de tratar as situações citadas no caput e incisos deste artigo;

II – Procedimento Restaurativo: conjunto de atividades e etapas a serem promovidas objetivando a composição das situações a que se refere o caput deste artigo;

III – Caso: quaisquer das situações elencadas no caput deste artigo, apresentadas para solução por intermédio de práticas restaurativas;

IV – Sessão Restaurativa: todo e qualquer encontro, inclusive os preparatórios ou de acompanhamento, entre as pessoas diretamente envolvidas nos fatos a que se refere o caput deste artigo;

V – Enfoque Restaurativo: abordagem diferenciada das situações descritas no caput deste artigo, ou dos contextos a elas relacionados, compreendendo os seguintes elementos: a) participação dos envolvidos, das famílias e das comunidades; b) atenção às necessidades legítimas da vítima e do ofensor; c) reparação dos danos sofridos; d) compartilhamento de responsabilidades e obrigações entre ofensor, vítima, famílias e comunidade para superação das causas e consequências do ocorrido.

O parágrafo 2º da Resolução enfatiza que a prática restaurativa não pretende excluir ou extinguir os procedimentos da Justiça Tradicional, mas, pelo contrário, atuar de forma alternativa e concorrente: “A aplicação de procedimento restaurativo pode ocorrer de forma alternativa ou concorrente com o processo convencional, devendo suas implicações ser consideradas, caso a caso, à luz do correspondente sistema processual e objetivando sempre as melhores soluções para as partes envolvidas e a comunidade” (BRASIL, 2016).

Segundo lecionam os autores da Resolução:

Uma das condições fundamentais para que ocorra a prática restaurativa, de acordo com o texto da resolução, é o consentimento livre e espontâneo dos participantes, que têm o direito de solicitar orientação jurídica em qualquer estágio do procedimento. Caso não seja obtido êxito na prática restaurativa, o processo judicial pode ser retomado na fase em que foi suspenso, ficando proibida a utilização desse insucesso como fator para a majoração de eventual sanção penal. Também é vedada a utilização de qualquer informação obtida no âmbito da Justiça Restaurativa como prova processual” (2016, s.p).

O caput do art. 2º consagra os Princípios norteadores da Justiça Restaurativa: a corresponsabilidade, a reparação dos danos, o atendimento às necessidades de todos os envolvidos, a informalidade, a voluntariedade, a imparcialidade, a participação, o empoderamento, a consensualidade, a confidencialidade, a celeridade e a urbanidade.

Em que pese a Resolução não tenha pretendido esgotar os princípios informativos da JR, trouxe alguns de extrema relevância para a prática restaurativa, os quais devem permear todo o procedimento ou sessão que pretenda utilizar-se da Justiça Restaurativa como método de obtenção da paz.

Faz-se importante a leitura dos § 1º, 2º e 3º do art. 2º da Resolução, onde mais uma vez se reitera a importância da voluntariedade, do consentimento e da concorrência com o procedimento tradicional.

§1º: Para que o conflito seja trabalhado no âmbito da Justiça Restaurativa, é necessário que as partes reconheçam, ainda que em ambiente confidencial, incomunicável com a instrução penal, como verdadeiros os fatos essenciais, sem que isso implique admissão de culpa em eventual retorno do conflito ao processo judicial;

§2º: É condição fundamental para que ocorra a prática restaurativa, o prévio consentimento, livre e espontâneo, de todos os seus participantes, assegurada a retratação a qualquer tempo, até a homologação do procedimento restaurativo;

§3º: Os participantes devem ser informados sobre o procedimento e sobre as possíveis consequências de sua participação,bem como do seu direito de solicitar orientação jurídica em qualquer estágio do procedimento.

Posteriormente, o art. 3º da Resolução aborda as atribuições do CNJ diante da Justiça Restaurativa, estabelecendo, especialmente, a competência para “organizar programa com objetivo de promover ações de incentivo à Justiça Restaurativa, pautado pelas seguintes linhas programáticas” (BRASIL, 2016):

a) Caráter universal;

b) Amplo acesso aos usuários do Poder Judiciário;

c) Caráter sistêmico (integração das redes);

d) Caráter interinstitucional (cooperação e promoção em diversas instituições);

 e) Caráter interdisciplinar (conhecimento de diversas áreas);

 f) Caráter formativo (formação de multiplicadores de JR).

Em seguida, o art. 5º leciona sobre a importância de os Tribunais de Justiça dos Estados membros implementarem programas de JR, com a participação de magistrados e equipe técnica competente.

Como não poderia deixar de ser, a Resolução do CNJ traz alguns contornos sobre o procedimento a ser adotado para que a prática restaurativa possa ser incluída em âmbito judicial.

Art. 7º. Para fins de atendimento restaurativo judicial das situações de que trata o caput do art. 1º desta Resolução, poderão ser encaminhados procedimentos e processos judiciais, em qualquer fase de sua tramitação, pelo juiz, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, da Defensoria Pública, das partes, dos seus Advogados e dos Setores Técnicos de Psicologia e Serviço Social.

Parágrafo único.

A autoridade policial poderá sugerir, no Termo Circunstanciado ou no relatório do Inquérito Policial, o encaminhamento do conflito ao procedimento restaurativo (BRASIL, 2016).

Portanto, todos os atores envolvidos com o procedimento judicial estão autorizados a encaminhar situações de conflito para a prática restaurativa, inclusive o juízo, mesmo sem provocação de nenhuma das partes. Até mesmo a autoridade policial, ao se deparar com um termo circunstanciado ou inquérito policial que envolve uma situação conflitiva, poderá sugerir a JR para solução daquele imbróglio, o que confirma o caráter extrajudicial do procedimento restaurativo. 

E a corroborar tal entendimento, o art. 12 assim estabelece: “Quando os procedimentos restaurativos ocorrerem antes da judicialização dos conflitos, fica facultado às partes diretamente interessadas submeterem os acordos e os planos de ação à homologação pelos magistrados responsáveis pela Justiça Restaurativa, na forma da lei” (BRASIL, 2016).

Ponto que chama a atenção é a possibilidade de aplicação da JR também nas hipóteses em que já houver ocorrido a condenação criminal do indivíduo:

A Justiça Restaurativa é uma alternativa ao processo penal, mas sem perder de vista que as suas práticas qualificam, de forma mais humana, a pena e as alternativas penais. Em assim sendo, é possível realizar o processo circular após a condenação, para o cumprimento da medida ou da pena, ou, ainda, para reintegração do egresso na sociedade (2016, s.p.).  

O art. 8º da Resolução estabelece diretrizes para a realização dos procedimentos restaurativos, sendo estes “sessões coordenadas, realizadas com a participação dos envolvidos de forma voluntária, das famílias, juntamente com a Rede de Garantia de Direito local e com a participação da comunidade para que, a partir da solução obtida, possa ser evitada a recidiva do fato danoso, vedada qualquer forma de coação ou a emissão de intimação judicial para as sessões.” (BRASIL, 2016). 

Mais uma vez o documento normativo preocupa-se em asseverar sobre a importância dos princípios da JR nos procedimentos restaurativos, ao estabelecer no §1º:

O facilitador restaurativo coordenará os trabalhos de escuta e diálogo entre os envolvidos, por meio da utilização de métodos consensuais na forma autocompositiva de resolução de conflitos, próprias da Justiça Restaurativa, devendo ressaltar durante os procedimentos restaurativos:

I – o sigilo, a confidencialidade e a voluntariedade da sessão;

II – o entendimento das causas que contribuíram para o conflito;

III – as consequências que o conflito gerou e ainda poderá gerar;

IV – o valor social da norma violada pelo conflito (BRASIL, 2016).

Por fim, a Resolução atenta-se à formação e qualificação dos facilitadores que atuarão nos procedimentos restaurativos, exigindo destes cursos de capacitação e aperfeiçoamento:

Art. 13. Somente serão admitidos, para o desenvolvimento dos trabalhos restaurativos ocorridos no âmbito do Poder Judiciário, facilitadores previamente capacitados, ou em formação, nos termos do Capítulo VI, desta Resolução. Parágrafo único. Os facilitadores deverão submeter-se a curso de aperfeiçoamento permanente, realizado na forma do Capítulo VI, o qual tomará por base o que declinado pelos participantes das sessões restaurativas, ao final destas, em formulários próprios (BRASIL, 2016).

Portanto, fica claro que qualquer indivíduo pode tornar-se um facilitador em JR, não havendo exigência de algum curso superior específico, muito menos um cargo público. O que se exige, isso sim, é a qualificação necessária, o que poderá ser obtida por meio de cursos que devem ser postos à disposição pelo CNJ e pelos Tribunais de Justiça, conforme consagrado pela própria Resolução.

A importância da qualificação do profissional facilitador baseia-se no fato de que é ele o responsável por fazer valer os princípios da JR nas sessões e procedimentos restaurativos, evitando deturpações e afrontas à Resolução.

Nesse sentido, o art. 14 elenca quais são as atribuições do facilitador:

I – preparar e realizar as conversas ou os encontros preliminares com os envolvidos;

II – abrir e conduzir a sessão restaurativa, de forma a propiciar um espaço próprio e qualificado em que o conflito possa ser compreendido em toda sua amplitude, utilizando-se, para tanto, de técnica autocompositiva pelo método consensual de resolução de conflito, própria da Justiça Restaurativa, que estimule o diálogo, a reflexão do grupo e permita desencadear um feixe de atividades coordenadas para que não haja reiteração do ato danoso ou a reprodução das condições que contribuíram para o seu surgimento;

III – atuar com absoluto respeito à dignidade das partes, levando em consideração eventuais situações de hipossuficiência e desequilíbrio social, econômico, intelectual e cultural;

IV – dialogar nas sessões restaurativas com representantes da comunidade em que os fatos que geraram dano ocorreram;

V – considerar os fatores institucionais e os sociais que contribuíram para o surgimento do fato que gerou danos, indicando a necessidade de eliminá-los ou diminuí-los;

VI – apoiar, de modo amplo e coletivo, a solução dos conflitos; VII – redigir o termo de acordo, quando obtido, ou atestar o insucesso;

VIII – incentivar o grupo a promover as adequações e encaminhamentos necessários, tanto no aspecto social quanto comunitário, com as devidas articulações com a Rede de Garantia de Direito local  (BRASIL, 2016).

Por outro lado, o art. 15 aborda as condutas que são vedadas ao facilitador, sob pena de responsabilização:

I– impor determinada decisão, antecipar decisão de magistrado, julgar, aconselhar, diagnosticar ou simpatizar durante os trabalhos restaurativos;

II – prestar testemunho em juízo acerca das informações obtidas no procedimento restaurativo;

III – relatar ao juiz, ao promotor de justiça, aos advogados ou a qualquer autoridade do Sistema de Justiça, sem motivação legal, o conteúdo das declarações prestadas por qualquer dos envolvidos nos trabalhos restaurativos, sob as penas previstas no art. 154 do Código Penal (BRASIL, 2016).

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Sobre a autora
Ana Carolina Mezzalira

Acadêmica do curso de Direito do Centro Universitário Franciscano (UNIFRA) e estagiária da Justiça Militar do RS.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MEZZALIRA, Ana Carolina. A justiça restaurativa e sua normatização no Brasil: a Resolução 225 do CNJ. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5438, 22 mai. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/65804. Acesso em: 21 nov. 2024.

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