INTRODUÇÃO
O presente artigo tem como objetivo analisar o instituto da união estável no tocante à ordem de sucessão do convivente sobrevivente, e especificamente identificar qual a forma que se aplica a sucessão ao convivente sobrevivente de acordo com o diploma civil. Há ainda, que observar se o dispositivo do Código Civil de 2002 está em consonância com a norma constitucional, no que diz respeito à sucessão da união estável.
A palavra direito tem o seu significado, como sendo “o que é permitido a um indivíduo ou a um grupo por leis ou costumes” e, “civil”, que é “relativo ao cidadão, ou seja, Direito Civil pode ser entendido como algo que é permitido a pessoas, estando regulamentado por lei ou em respeito a seus costumes".
Entendendo o que seja Direito Civil é possível observar que, como Direito amplo, como foi explanado, rege a vida social do indivíduo e se divide em algumas particularizações. No caso, será discutido o Direito de Família, para que seja possível adentrar ao tema.
Nader (2016) entende como família uma instituição social, constituída por duas pessoas físicas ou mais, que têm como objetivo desenvolver, entre si, a solidariedade nos planos assistenciais e da convivência, ou simplesmente são aqueles que descendem uma da outra.
É possível observar que família é tanto pessoas que descendem umas das outras, aqueles que tenham o mesmo sangue - como também aqueles que escolheram viver juntos, compartilhando planos e se submetendo à dependência recíproca.
Gonçalves (2014) ainda esclarece que as pessoas nascem de um organismo familiar e a ele estão ligadas durante a sua existência, mesmo constituindo nova família pelo casamento ou união estável, sendo assim, o direito de família é, de todos os ramos do direito, o mais fortemente ligado à própria vida, ou seja, a família nasce dessa ligação entre pessoas, mesmo se outra família for constituída através de novas relações.
Compreendendo o Direito Civil de forma mais ampla, como o Direito que regula a vida social do indivíduo e família, como a ligação de pessoas físicas por descendência ou por instituição de casamento ou união estável, percebe-se que o Direito de Família regulamentado pelo Código Civil de 2002, em seu livro IV, vem para estabelecer normas sobre obrigações e direitos decorrentes das relações familiares. A relação familiar proposta no tema diz respeito à ordem de sucessão[1] do convivente sobrevivente em união estável, exposto no livro V do Código Civil.
De acordo com Houaiss (2010), a palavra união significa “junção, ligação, harmonia, qualquer ligação comparável ao casamento”. Já a palavra estável significa “firme, seguro, duradouro”.
Lôbo (2011) define a união estável como a entidade familiar constituída por homem e mulher que convivem em posse do estado de casado ou com aparência de casamento. Seguindo esse entendimento, união estável é a união de duas pessoas que convivem juntas sem as formalidades de um casamento, ou seja, em posse do estado de casamento ou com aparência de casamento, e que apenas mostra como diferença, um documento formalizando o instituto.
A sociedade evoluiu com o passar do tempo e com isso a figura da união estável se tornou cada vez mais presente, já que as pessoas dispensam formalidades como o casamento. Sendo um instituto não oficial, a dúvida recai sobre como ficariam garantidos os direitos dessas pessoas que se unem, em específico, quando uma delas vem a falecer, vez em que o atual diploma civil não regula sobre a vocação hereditária do convivente sobrevivente, como também não aduz a respeito de ser esse um herdeiro necessário.
O artigo 1.790 do Código Civil de 2002, aduz que “a companheira ou companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável (...)”.
Se aplicado, o regime da comunhão parcial de bens[2], na falta de contrato escrito esclarecendo sobre o regime de bens adotado, há de verificar o artigo 1.660 para definir quais os bens que se comunicam na união estável. Porém, o artigo 1. 790 menciona apenas a comunicação dos bens adquiridos de forma onerosa[3] durante a união estável. Assim, verifica-se aqui um ponto de discussão tendo em vista a má redação legal. (VENOSA, 2013). O convivente somente terá direito ao total da herança, se não houver quaisquer parentes para concorrer à sucessão, ou seja, se ainda tiver o tio-avô ou primo-irmão do convivente falecido, estes terão preferência na sucessão. Muitos compreendem que o artigo 1.790 do referido código fere a Constituição Federal, pois coloca os conviventes em situação inferior ao do cônjuge. (VENOSA, 2013).
Em decorrência dessas justificativas, o tema ganhou mais a atenção de juristas e pensadores do direito em relação ao não tratamento devido em relação à sucessão do convivente sobrevivente. Principalmente após recente entendimento da Suprema Corte brasileira, a qual decidiu pela inconstitucionalidade do artigo 1.790 do atual Código Civil brasileiro que trata da sucessão do convivente em união estável.
Partindo de leituras realizadas a respeito de assuntos pertinentes ao tema exposto constatou-se que, apesar de o direito de sucessão do convivente sobrevivente ter sido regulamentado pelo atual Código Civil, é possível perceber uma grande lacuna deixada pelo legislador a esse respeito, lacuna esta, que veio a ser preenchida somente agora, com esse novo entendimento. Além dessas questões, este trabalho também é justificado por ser pré-requisito para obtenção do diploma de Bacharel em Direito, em relação ao curso mencionado acima.
Sendo assim, e diante do que foi exposto, tem-se como problema norteador desta pesquisa as questões a serem discutidas, que são elas: qual a ordem de sucessão do convivente sobrevivente? Como essa sucessão é tratada pelo diploma civil e pela norma constitucional?
Os objetivos propostos na introdução serão atingidos da seguinte forma: primeiramente, será apresentada a fundamentação teórica, a qual posteriormente serão apresentados os métodos adotados para a direção deste artigo; e por fim, serão exibidos os resultados, as considerações finais e as referências bibliográficas utilizadas para a concretização desta pesquisa.
CAPÍTULO I
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
O objetivo deste capítulo é apresentar o conceito de direito, direito civil, direito de família e direito das sucessões, de modo a compreender o instituto da união estável na visão doutrinária, analisando a legislação pátria e cível.
Do Direito Civil
A palavra direito tem o seu significado, como sendo “o que é permitido a um indivíduo ou a um grupo por leis ou costumes”; e civil que é “relativo ao cidadão” (HOUAISS, 2010). Ou seja, Direito Civil pode ser entendido como algo que é permitido a pessoas, estando regulamentado por lei ou em respeito a seus costumes.
No parecer de Lenza (2011, p. 35):
a palavra “direito” é usada, na acepção comum, para designar o conjunto de regras com que se disciplina a vida em sociedade, regras essas que se caracterizam: a) pelo caráter genérico, concernente à indistinta aplicação a todos os indivíduos, e b) jurídico, que as diferencia das demais regras de comportamento social e lhes confere eficácia garantida pelo Estado.
Na visão de Gonçalves (2012), há uma grande diferença entre o “ser” do estado natural do ser humano e o dever ser do mundo jurídico. Os acontecimentos naturais são imutáveis, enquanto o mundo jurídico, os do dever ser, são diferenciados pela liberdade na escolha da conduta. Dessa forma, Direito é a ciência do dever ser.
Diniz (2012, p. 33) esclarece que “o direito civil, regulamenta os direitos e deveres de todas as pessoas, enquanto tais, contendo normas sobre o estado, capacidade e as relações atinentes à família, às coisas, às obrigações e sucessões”.
Venosa (2013, p.59) aduz que:
O direito privado é compartimento ou setor jurídico que, tradicionalmente, regula o ordenamento dos interesses de particulares, sendo o Direito Civil o ramo do direito privado por excelência.
A medida que perguntamos o que devem os membros da sociedade uns aos outros; ou o que é meu e o que é teu; quando estudamos as relações entre os indivíduos e as relações entre esses indivíduos e as associações, as relações de família, estamos perante o ramo do direito privado que se denomina Direito Civil.
Direito Civil é o direito comum que rege as relações da vida habitual, os quais seriam os direitos e deveres das pessoas, na sua qualidade de marido ou esposa, pai ou filho, credor ou devedor, alienante ou adquirente, proprietário ou possuidor, condômino ou vizinho, testador ou herdeiro, ou seja, é ele quem regula as relações entre os particulares, conduzindo a vida das pessoas desde a concepção até a morte, e, depois dela, reconhecendo a eficácia post mortem do testamento (CC, art. 1.857) e exigindo respeito à memória dos mortos (CC, art. 12, parágrafo único). Sendo assim, toda a vida social, está impregnada no direito civil, que regula os eventos do dia a dia. (LENZA, 2011).
O Direito Civil é um campo do direito que estuda as relações genuinamente pessoais, como o poder familiar, e as patrimoniais como, todas as que apresentam um interesse econômico e visam à utilização de determinados bens. Devido à amplitude do desenvolvimento das relações da vida civil que o legislador é chamado a disciplinar, porém, não é possível prender o direito civil no respectivo Código, ou seja, muitos direitos e obrigações atinentes às pessoas, aos bens e suas relações encontram-se acondicionados em leis esparsas, que não deixam de pertencer ao direito civil, bem como à própria Constituição Federal.
Direito de Família
Nader (2016) entende como família uma instituição social, constituída por duas pessoas físicas ou mais, que têm como objetivo o de desenvolver, entre si, a solidariedade nos planos assistenciais e da convivência, ou simplesmente são aqueles que descendem uma da outra.
Lôbo (2011, p. 37) observa que “o direito de família é um conjunto de regras que disciplinam os direitos pessoais e patrimoniais das relações de família”.
Venosa (2013, p. 17-18) disciplina que:
(...) o Direito Civil moderno apresenta uma definição mais restrita, considerando membros da família as pessoas unidas por relação conjugal ou de parentesco. (...). O direito de família estuda, em síntese, as relações das pessoas unidas pelo matrimônio, bem como daqueles que convivem em uniões sem casamento; dos filhos e das relações destes com os pais, da sua proteção por meio da tutela e da proteção dos incapazes por meio da curatela. Dentro do campo legal, há normas que tratam, portanto, das relações pessoais entre os familiares, bem como das relações patrimoniais, bem como de relações assistenciais entre os membros da família. O direito de família possui forte conteúdo moral e ético. (...), O casamento ainda é o centro gravitador do direito de família, embora as uniões sem casamento tenham recebido parcela importante dos julgados nos tribunais, nas últimas décadas, o que se refletiu decididamente na legislação.
Desse modo, importa considerar a família em conceito amplo, como parentesco, ou seja, o conjunto de pessoas unidas por vínculo jurídico de natureza familiar. Nesse sentido, compreende os ascendentes, descendentes e colaterais de uma linhagem, incluindo-se os ascendentes, descendentes e colaterais do cônjuge, que se denominam parentes por afinidade ou afins. Nessa compreensão, inclui-se o cônjuge, que não é considerado parente. Em conceito restrito, família compreende somente o núcleo formado por pais e filhos que vivem sob o pátrio poder ou poder familiar. Nesse particular, a Constituição Federal estendeu sua tutela inclusive para a entidade familiar formada por apenas um dos pais e seus descendentes, a denominada família monoparental, conforme disposto no § 4º do art. 226: "Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes. "
Gonçalves (2014) ainda esclarece que as pessoas nascem de um organismo familiar e a ele estão ligadas durante a sua existência, mesmo constituindo nova família pelo casamento ou união estável. Sendo assim, o direito de família é, de todos os ramos do direito, o mais fortemente ligado à própria vida, ou seja, a família nasce dessa ligação entre pessoas, mesmo se outra família for constituída através de novas relações.
Ainda seguindo essa linha, Gonçalves (2014, p. 15) completa:
Já se disse, com razão, que a família é uma realidade sociológica e constitui a base do Estado, o núcleo fundamental em que repousa toda a organização social. Em qualquer aspecto em que é considerada, aparece a família como uma instituição necessária e sagrada, que vai merecer a mais ampla proteção do Estado. (...). Dentro do próprio direito a sua natureza e a sua extensão variam, conforme o ramo. Lato sensu, o vocábulo família abrange todas as pessoas ligadas por vínculo de sangue e que procedem, portanto, de um tronco ancestral comum, bem como as unidas pela afinidade e pela adoção. (...). Para determinados fins, especialmente sucessórios, o conceito de família limita-se aos parentes consanguíneos em linha reta e aos colaterais até o quarto grau.
Da União Estável
A união estável é uma situação de fato em relação à entidade familiar constituída por homem e mulher como aparência de casamento. (LOBO, 2011).
Com a lei n. 8.971, de 29 de dezembro de 1994, surgiu a primeira regulamentação da norma que trata da união estável. Essa norma definiu como companheiros o homem e a mulher que sendo solteiros, divorciados, viúvos, ou separados judicialmente, mantenham união comprovada, por mais de cinco anos, ou com prole (GONÇALVES, 2014). Já em 10 de maio de 1996, a lei n. 9.278 alterou esse conceito, excluindo esses requisitos. Elucidava o seu art. 1º que se considerava entidade familiar a convivência duradoura, pública e contínua de um homem e de uma mulher, com o objetivo de constituição de família. A expressão conviventes foi usada em substituição a companheiros. (GONÇALVES, 2014).
O Código Civil de 2002, em seu artigo 1.723 explana que “é reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família”.
Seguindo esse raciocínio Ulhoa (2012, p. 285-289) esclarece os requisitos para caracterizar a união estável:
a) Objetivo de constituir família. Esse é o requisito mais importante da união estável, o ânimo de criar uma família (affectio maritalis). É em vista desse objetivo que a ordem jurídica confere ao relacionamento conjugal informal a proteção merecida pelas famílias. (...) Quando homem e mulher passam a compartilhar o mesmo teto, é normalmente indicação de que têm a intenção de constituir família. Veja que a união estável pode-se configurar ainda que não exista coabitação. Há conviventes que preferem manter suas respectivas casas porque consideram essa independência salutar ao relacionamento; e há também aqueles que precisam morar separados, por força do trabalho ou outra razão. A falta de moradia comum não descaracteriza, portanto, necessariamente a união estável. (...) Mas não basta a prova da coabitação para se caracterizar a união estável, se outros elementos demonstram que ela se relaciona a objetivos diversos dos de constituição de família. (...) Outro elemento útil na pesquisa da intenção dos sujeitos de um relacionamento amoroso diz respeito à prole comum. Mais uma vez, não é determinante. Existem uniões estáveis em que os conviventes não desejam filhos, formando-se a família, aqui, tão só pela relação horizontal; assim como existem pessoas com filho comum que não pretendem conviver. A gravidez pode até ter sido intencional: se pai e mãe não tinham o objetivo comum de constituírem entre eles uma família (mas apenas o de fundarem duas famílias monoparentais), não se forma a união estável.
b) Convivência duradoura. A própria designação do vínculo denota que só se caracteriza a união estável quando perdura por tempo considerável. Se homem e mulher declaram, inclusive mediante a assinatura de contrato de convivência, ter a intenção de constituir família, mas não conseguem conviver senão por alguns meses, a união estável não se constituiu. A lei não fixa prazo certo para considerar duradoura a convivência, ficando a questão ao prudente arbítrio do juiz. (...) Com esse requisito, a lei quer apenas descartar os vínculos precários do cenário das uniões estáveis.
c) Convivência contínua(...) relacionado ao tempo de convivência é o da continuidade. Para que se caracterize a união estável, não podem ocorrer interrupções significativas no decurso do prazo do relacionamento destinado à constituição de família. (...)O que a lei quer evitar é a quebra da estabilidade em razão de períodos mais ou menos longos, em que a convivência deixou de existir.
d) Convivência pública. Para configurar-se a união estável, o relacionamento entre os conviventes deve ser público, e não clandestino. (...) Se preferem esconder da família e das pessoas em geral a convivência informal que nutrem, então ela não é merecedora, pela lei, de proteção.
e) Diversidade de sexo. No direito brasileiro, a união estável só existe entre pessoas de sexos opostos, quer dizer,entre homem e mulher. A convivência entre pessoas do mesmo sexo com o objetivo de constituir família ainda não goza de proteção específica da lei;
f) Desimpedimento. Em princípio, somente pessoas desimpedidas podem conviver em união estável. Todos os impedimentos do casamento também impedem a constituição da união estável. Se a ex-nora passa a conviver com o exsogro, o relacionamento deles não é considerado união estável, mas união livre, porque transgride um dos impedimentos do casamento, o relacionado aos parentes afins em linha reta (CC, art. 1.521, II).
Enquanto o casamento passa por um processo de habilitação com inúmeras formalidades, uma das características da união estável é a ausência de formalismo para a sua constituição, ou seja, independe de qualquer solenidade, bastando o fato da vida em comum (GONÇALVES, 2014).
Da Evolução Histórica
Gonçalves (2014, p. 405) esclarece que “a união prolongada entre o homem e a mulher, sem casamento, foi chamada, durante longo período histórico, de concubinato”. “A união não matrimonial no direito romano era comum e considerada como casamento inferior, de segundo grau, sob a denominação de concubinato”. Complementa Lôbo, (2011, p. 168).
Gonçalves, (2014, p. 405) ainda ensina que:
A união livre difere do casamento sobretudo pela liberdade de descumprir os deveres a este inerentes. Por isso, a doutrina clássica esclarece que o estado de concubinato pode ser rompido a qualquer instante, qualquer que seja o tempo de sua duração, sem que ao concubino abandonado assista direito a indenização pelo simples fato da ruptura.
A união estável é o começo de lenta e atribulada trajetória de discriminação e desconsideração legal, emolduradas sob o conceito depreciativo de concubinato, este definido como relações imorais e ilícitas, que desafiavam o sagrado casamento. As tentativas de projetos de lei em se atribuir alguns efeitos jurídicos ao concubinato, foram impedidos por influência da Igreja Católica, em razão do impedimento legal ao divórcio, que apenas em 1977 fez parte da ordem jurídica brasileira. Dessa forma, a ausência do divórcio foi responsável pelo grande crescimento das relações concubinárias. (LÔBO, 2011).
Da Sucessão
Nader (2016, p. 30) observa que “o Direito das Sucessões é parte do Direito Civil que estabelece normas sobre a transmissão causa mortis de acervo patrimonial”. É entendido que a morte não provoca apenas sucessão na esfera patrimonial, pois esta se acontece também em outras esferas, como no político, mas o elemento deste do Direito Civil é apenas o patrimônio do sucedido. (NADER, 2016).
Ulhoa (2012 p.493-495) ainda conclui que:
O direito das sucessões disciplina a destinação do patrimônio da pessoa física após sua morte. (...). Sua matéria, portanto, é a transmissão causa mortis. Os bens se transmitem por variados meios, como negócio jurídico entre vivos (partes de um contrato de compra e venda ou de doação, por exemplo), desapropriação, incorporação ou fusão de pessoas jurídicas etc. O direito das sucessões cuida de um dos meios de transmissão, que é a morte da pessoa física. Como o patrimônio não pode ficar sem titular, morrendo esse, deve ser imediatamente transferido para outras pessoas. (...). Quando se presta atenção aos sujeitos para os quais são transmitidos os bens, esse ramo jurídico aproxima-se de outro capítulo do direito civil, o de família. Como regra, a morte da pessoa física importa a transferência de seus bens para familiares. Destaca-se, nessa abordagem, o caráter assistencial do direito das sucessões. Se para o morto não têm mais nenhuma serventia os bens que amealhou, eles são ainda úteis aos seus familiares (alguns dos quais eram dele dependentes ou haviam contribuído para a construção do patrimônio). São complexas as regras do direito das sucessões, porque a multiplicidade de relações familiares que envolvem a pessoa, na hora da morte, impede um tratamento simples que seja também justo para a maioria dos sucessores. Se falece homem casado em regime de comunhão parcial de bens, deixando, além da viúva, apenas filhos que teve com ela, as relações familiares não apresentam a mesma complexidade das que se encontram no falecimento de homem separado de fato de sua esposa, que mantinha união estável com outra e deixou apenas filhos havidos com uma terceira mulher. No primeiro caso, a destinação dos bens é menos complexa porque os sucessores são parentes uns dos outros; no segundo, por não haver nenhum vínculo de parentesco entre eles, não é tão simples encontrar-se a regra justa para a destinação.
Na ciência jurídica, quando se fala, em direito das sucessões, está se referindo um campo específico do direito civil, qual seja: a transmissão de bens, direitos e obrigações em razão da morte. É o direito hereditário. (VENOSA, 2013).
Dos Tipos de Sucessão
A sucessão pode ser legítima ou testamentária, de acordo com o artigo 1.786 do Código Civil “A sucessão dá-se por lei ou por disposição de última vontade”.
De acordo com Ulhoa (2012) a sucessão legítima transmite-se o patrimônio do morto ou uma quota-parte dele. Sendo assim, se houver a transferência da titularidade do patrimônio como um todo, sem especificação dos bens transferidos, os sucessores são herdeiros e recebem do falecido uma herança. Nesse entendimento, a sucessão é universal.
Ainda nesse sentido Ulhoa (2012) dispõe que se ela acarreta a transmissão da titularidade de um ou alguns bens determinados ou determináveis, são legatários os sucessores. Recebem um legado e a sucessão é singular. Nader (2016, p. 35) ainda complementa que se tem a sucessão singular “quando a determinado legatário cabe um bem definido em testamento, independentemente da dimensão do patrimônio”.
Da Legitimidade para Suceder
Segundo Ulhoa (2012, p. 505) “na maioria das vezes, o sucessor é uma pessoa física, o familiar do morto indicado na lei ou nomeado em testamento”.
Pessoas jurídicas, de direito público ou privado, e pessoas físicas vivas ou já concebidas ao tempo da abertura da sucessão, podem ser herdeiras ou legatárias. As disposições testamentárias não são consideradas válidas se beneficiarem pessoas já falecidas, pois a nomeação testamentária tem caráter pessoal. (GONÇALVES, 2012).
No âmbito das sucessões, Nader (2016) declara que é definida como vocação hereditária a capacidade para herdar. Sendo assim, na capacidade de herdar não deve haver qualquer obstáculo de ordem legal, como por exemplo, quando a pessoa capaz de fato tenha sido declarada indigna. Como exemplo temos o famoso caso da família Richtofen.
O artigo 1.814 do Código Civil declara que:
Art. 1.814. São excluídos da sucessão os herdeiros ou legatários:
I - que houverem sido autores, co-autores ou partícipes de homicídio doloso, ou tentativa deste, contra a pessoa de cuja sucessão se tratar, seu cônjuge, companheiro, ascendente ou descendente;
II - que houverem acusado caluniosamente em juízo o autor da herança ou incorrerem em crime contra a sua honra, ou de seu cônjuge ou companheiro;
III - que, por violência ou meios fraudulentos, inibirem ou obstarem o autor da herança de dispor livremente de seus bens por ato de última vontade.
Art. 1.815. A exclusão do herdeiro ou legatário, em qualquer desses casos de indignidade, será declarada por sentença.
Parágrafo único. O direito de demandar a exclusão do herdeiro ou legatário extingue-se em quatro anos, contados da abertura da sucessão.
Venosa (2013, p.117) afirma que “a ordem de vocação hereditária fixada na lei vem beneficiar os membros da família, pois o legislador presume que aí residam os maiores vínculos afetivos do autor da herança”.
No artigo 1.829 do Código Civil
Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:
I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;
II - aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge;
III - ao cônjuge sobrevivente;
IV - aos colaterais.
Segundo Venosa (2013, p. 117) o cônjuge também está colocado como herdeiro necessário, quando herdeiro for considerado, de acordo com o artigo 1.845 do Código Civil que diz que “são herdeiros necessários os descendentes, os ascendentes e o cônjuge”.
Os demais artigos do diploma Civil, do mesmo capítulo ainda completa:
Art. 1.846. Pertence aos herdeiros necessários, de pleno direito, a metade dos bens da herança, constituindo a legítima.
Art. 1.847. Calcula-se a legítima sobre o valor dos bens existentes na abertura da sucessão, abatidas as dívidas e as despesas do funeral, adicionando-se, em seguida, o valor dos bens sujeitos a colação.
Art. 1.848. Salvo se houver justa causa, declarada no testamento, não pode o testador estabelecer cláusula de inalienabilidade, impenhorabilidade, e de incomunicabilidade, sobre os bens da legítima.
§ 1o Não é permitido ao testador estabelecer a conversão dos bens da legítima em outros de espécie diversa.
§ 2o Mediante autorização judicial e havendo justa causa, podem ser alienados os bens gravados, convertendo-se o produto em outros bens, que ficarão sub-rogados nos ônus dos primeiros.
Art. 1.849. O herdeiro necessário, a quem o testador deixar a sua parte disponível, ou algum legado, não perderá o direito à legítima.
Art. 1.850. Para excluir da sucessão os herdeiros colaterais, basta que o testador disponha de seu patrimônio sem os contemplar.
Existindo esses grupos de herdeiros, fica-lhes assegurada, no mínimo, metade dos bens da herança, ou seja, a legítima dos herdeiros necessários, sendo que a outra metade fica livre para o testador dispor como desejar. Assim, o testador institui herdeiros testamentários, ao lhes atribuir uma porção fracionária ou percentual da herança, este que é sucessor universal, de ordem legal, ou por vontade do testador. E aos legatários, ao lhes atribuir bens certos e determinados do patrimônio. O legatário é sucessor singular, que só virá a existir por meio do testamento. (VENOSA, 2013).
Do Direito de Sucessão do Convivente Sobrevivente
De acordo com Venosa (2013, p. 143) “até a promulgação da Constituição de 1988, dúvidas não havia de que o companheiro ou companheira não eram herdeiros”.
No entanto um grande progresso, foi dado pela atual Constituição Federal, fazendo com que fosse considerada união estável, a relação familiar fora do casamento ao proclamar, no art. 226, § 3º: “Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento”. (GONÇALVES, 2012).
De acordo com Gonçalves (2012, p. 135):
A Lei n. 8.971, de 29 de dezembro de 1994, que regulou o direito dos companheiros a alimentos e a sucessão, e a Lei n. 9.278, de 10 de maio de 1996, que regulamentou o art. 226, § 3º, da Constituição Federal, reconhecendo a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, asseguraram aos companheiros, dentre outros direitos, o de herdar.
A Lei n. 8.971/94 ampliou, no art. 2º, III, o rol de herdeiros estabelecido no art. 1.603 do Código Civil de 1916 quando determinou a transmissão do patrimônio ao companheiro ou companheira sobrevivente (inciso III), e não aos colaterais, se inexistissem descendentes ou ascendentes.
A lei exigia como requisito, que a união fosse com pessoa solteira, separada judicialmente, divorciada ou viúva, como também a prova inquestionável de que a união durou por no mínimo cinco anos ou se desta houve prole. Já com a chegada da Lei n. 9.278/96 esses requisitos já não eram mais necessários para que se caracterizasse a união, como o seu artigo 1º reconhecia “como entidade familiar a convivência duradoura, pública e contínua, de um homem e uma mulher, estabelecida com objetivo de constituição de família”. Sendo assim, satisfazia a prova do estabelecimento união de fato, com a formação do patrimônio. (GONÇALVES, 2012).
GONÇALVES (2012, p. 135) declara que:
As referidas leis foram alvo de muitas críticas, passando a tramitar no Congresso Nacional projeto de lei elaborado pela Presidência da República com o objetivo de melhor regulamentar o aludido dispositivo constitucional e de revogar as mencionadas leis.
A promulgação da Lei n. 9.278/96 e a manutenção de dispositivos da Lei n. 8.971/94 que não conflitassem com aquela acabaram por conferir mais direitos à companheira do que à esposa. Esta poderia ter o usufruto vidual ou o direito real de habitação, dependendo do regime de bens adotado no casamento, enquanto aquela poderia desfrutar de ambos os benefícios.
Conforme Nader (2016) A Constituição Federal não se atentou em igualar os direitos dos companheiros aos destinados aos cônjuges. Ao adicionar, no texto do artigo 226, § 3º, o complemento “devendo a lei facilitar sua conversão em casamento”, na opinião de alguns autores o constituinte teria colocado a união estável em situação inferior ao instituto do casamento.
Segundo Venosa (2013, p. 141-142):
Os tribunais admitiam a divisão do patrimônio adquirido pelo esforço comum dos concubinos (hoje denominados companheiros ou conviventes), a titulo de liquidação de uma sociedade de fato (Súmula 380 do STF). De qualquer modo, essa divisão podia interferir na partilha de bens hereditários quando, por exemplo, tivesse havido o chamado concubinato impuro ou adulterino e o autor da herança falecesse no estado de casado, com eventual separação de fato. Nessa situação, perdurante até a novel legislação, cabia ao juiz separar os bens adquiridos pelo esforço comum dos pertencentes à meação ou herança do cônjuge. Toda a matéria se revolve na prova. Quando não se atribuía parte do patrimônio pelo esforço comum, a jurisprudência concedia indenização à concubina, a título de serviços domésticos prestados. Sob essa rotulação há evidente eufemismo, porque se pretende dizer muito mais do que a expressão encerra. Nessa hipótese, também ocorria uma diminuição do acervo hereditário, pois parte era concedida ao companheiro.
Esse patamar de direitos relativos à convivência sem casamento foi totalmente modificado com os dois diplomas legais aqui referidos.
No parecer de Venosa (2013, p. 150) “o mais moderno Código conseguiu ser perfeitamente inadequado ao tratar do direito sucessório dos companheiros”.
Inexplicavelmente colocado nas disposições gerais do título em relação ao direito das sucessões, e não no capítulo da vocação hereditária, o art. 1.790 do Código Civil, preceitua que a companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos na constância da união estável, sem receber, no entanto, o mesmo tratamento do cônjuge sobrevivente, que tem maior participação na herança e foi incluído no rol dos herdeiros necessários, ao lado dos descendentes e ascendentes. (GONÇALVES, 2012).
O artigo 1.790 do Código Civil dispõe:
A companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nas condições seguintes: I - se concorrer com filhos comuns, terá direito a uma quota equivalente à que por lei for atribuída ao filho;
II - se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á a metade do que couber a cada um daqueles;
III - se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a um terço da herança;
IV - não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da herança.
Em relação à sucessão do companheiro com descendentes do falecido. Se concorrer com descendentes comuns, terá o direito à parte da herança igual à cabível a cada um deles. Sendo assim, se tiverem dois filhos durante a união, o companheiro herda um terço; se resultaram três, um quarto. (ULHOA, 2012).
Ulhoa (2012, p. 571) ainda completa:
Se a concorrência se estabelece entre o companheiro e descendência somente do falecido, a sua parte da herança corresponderá à metade da porção de cada descendente. Quer dizer, se o companheiro concorre com um filho exclusivo do falecido, fará jus a um terço da herança; se entra em concurso com dois filhos exclusivos, terá direito a um quinto; se concorre com três, sua quota hereditária será de um sétimo; e assim por diante (CC, art. 1.790, II).
Se estabelecendo o concurso entre o companheiro e a descendência do falecido, composta por filhos comuns e exclusivos, não há disposição legal que defina o direito sucessório. E, deve-se considerar que a participação mais benéfica só tem cabimento quando todos os descendentes do companheiro falecido também forem do sobrevivente; isto é, quando o convivente concorrer somente com descendentes dos quais for também ascendente, terá direito a quota igual à deles; se concorrer com descendentes comuns e exclusivos, porém, receberá apenas a metade do destinado a cada um deles, inclusive aos seus. (ULHOA, 2012).
De acordo com Venosa (2013, p. 150-151):
O primeiro tema a se enfrentar diz respeito ao conteúdo do direito hereditário. O artigo dispõe que o companheiro ou companheira receberá os bens adquiridos onerosamente durante sua vigência, ou seja, durante a persistência do estado de fato de união estável. Em primeiro lugar, há, portanto, que se definir, no caso concreto, quais os bens que foram adquiridos dessa forma durante a união e quais os bens que serão excluídos dessa divisão. Em segundo terna, há de se recordar que o art. 1. 725 do presente Código permite que os companheiros regulem suas relações patrimoniais por contrato escrito. Na ausência desse documento, aplicar-se-á, no que couber, como estampa a lei, o regime da comunhão parcial de bens. Pois bem: havendo contrato na união estável que adote outro sistema patrimonial, é de perguntar se esse regime terá repercussão no direito sucessório. O legislador deveria ter previsto a hipótese, mas, perante sua omissão, a resposta deverá ser negativa. Não há que se levar em conta que o contrato escrito entre os conviventes tenha o mesmo valor jurídico de um pacto antenupcial, o qual obrigatoriamente segue regras estabelecidas de forma e de registro. Desse modo, consoante os termos peremptórios do caput do art. 1.790, o convivente somente poderá ser aquinhoado com patrimônio mais amplo do que aquele ali definido por meio de testamento. O contrato escrito que define eventual regime patrimonial entre os companheiros não pode substituir o testamento.
Outro ponto que deve chamar a atenção diz respeito ao desfazimento da sociedade de fato que ocorre com a morte de um dos companheiros. Aliás, a mesma situação opera-se no caso de rompimento da união estável em vida. Existe entre eles também uma meação decorrente dessa sociedade de fato. Aqui, sim, tal como no casamento, o convivente sobrevivente terá direito à metade dos bens adquiridos na constância da convivência, além da quota ou porção hereditária que é definida nos incisos do art. 1.790. De outra forma, não haveria como se entender a referência quanto à concorrência e se romperia o sistema criado jurisprudencialmente que veio a desaguar na aplicação analógica do regime de comunhão parcial para os conviventes. Portanto, morto um dos conviventes, o sobrevivente terá direito, além da meação, também à porção hereditária. Aplicando-se, no que couber, o regime da comunhão parcial, há de se recorrer ao art. 1.660 para definir quais os bens que se comunicam na união estável, embora o art. 1. 790 se refira apenas à comunicação dos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável. Abre-se aqui, como se percebe, mais um ponto de discussão tendo em vista a má redação legal.
Segundo Gonçalves (2012, p. 138) a concorrência se dará nos bens a respeito dos quais o companheiro já é meeiro. Portanto, se o falecido não tiver adquirido nenhum bem na constância da união estável, mesmo tento deixado um grande patrimônio constituído antes da união estável, o companheiro sobrevivente nada herdará, sejam quais forem os herdeiros eventualmente existentes.
Conforme Ulhoa (2012, p. 575-578):
Na concorrência do cônjuge com os ascendentes do falecido, é irrelevante o regime de bens do casamento. Qualquer que tenha sido o adotado, é idêntico o direito sucessório do viúvo ou viúva. Distinguem-se, nessa concorrência, apenas duas situações. De um lado, se o concurso se verifica entre o cônjuge sobrevivente e dois ascendentes de primeiro grau do falecido (isto é, seu pai e sua mãe), o cônjuge terá direito a um terço da herança. De outro lado, se a concorrência ocorre com um só ascendente de primeiro grau (o pai ou a mãe do falecido) ou com ascendentes de grau superior (um, dois, três ou quatro avós, um bisavô etc.), o cônjuge terá sempre direito à metade da herança (CC, art. 1.837). Em relação ao companheiro, a lei lhe atribui o direito a um terço da herança, independentemente do número de ascendentes ou dos respectivos graus (CC, art. 1.790, III). Assim, se o falecido mantinha união estável com alguém e sua mãe vivia na época da abertura da sucessão, a ascendente fica com dois terços da herança, e o companheiro com o terço restante. Se tinha uma avó, serão dela os dois terços do patrimônio objeto de sucessão, e assim por diante. Havendo mais de um ascendente, eles dividem os dois terços da herança que lhes cabe, segundo as regras próprias da vocação hereditária dessa classe.
A comparação do tratamento dado ao cônjuge e ao companheiro, na concorrência com ascendentes do falecido,permite, uma vez mais, constatar a discriminação da família nascida do matrimônio e da derivada de união estável, em matéria de direito sucessório. Quando o cônjuge concorre com pai e mãe do falecido, não lhe reservou a lei nenhuma vantagem, relativamente ao companheiro nessa mesma situação. Tanto um como o outro herdam um terço da herança. Nas demais hipóteses, porém, sempre gozará de tratamento mais benéfico o cônjuge. Se for vivo apenas um dos ascendentes de primeiro grau, ou se o concurso se estabelece com parentes de grau maior, o cônjuge herda a metade, enquanto o companheiro continua tendo direito somente a um terço da herança.
Venosa (2013, p. 155) declara que “são colaterais os parentes que descendem de um só tronco, sem descenderem uns dos outros”. E ainda acrescenta que “no direito anterior já se considerou a linha colateral até o sexto grau de acordo com o art. 331 do antigo Código, mas o direito sucessório não ultrapassava o quarto grau, limite que é mantido no presente Código”.
No parecer de Gonçalves (2012, p. 141-142):
Agiria melhor o legislador, todavia, se atribuísse ao companheiro sobrevivo a metade do patrimônio deixado pelo falecido, e não apenas um terço, considerando-se o fato de ter sido adotado, como regra, o regime da comunhão parcial de bens, bem como a circunstância de ter ele vivido toda uma existência ao lado do de cujus, enquanto os outros parentes sucessíveis em nada contribuíram na formação do aludido patrimônio.
Se ambos os genitores tiverem morrido antes do filho, serão convocadas para a sucessão as linhas ascendentes de segundo grau, ou seja, os avós maternos e os avós paternos. Supondo que os quatro avós sejam vivos, tocará a eles a divisão dos dois terços do acervo, quando cada um dos avós receberá um sexto da totalidade da herança, uma vez que o inciso III do art. 1.790 continua a determinar que o companheiro sobrevivente herde apenas a quantia fixa de um terço do acervo sucessível.
Se, porém, apenas um dos avós estiver em condições de representar uma das linhas e se na outra linha ambos os avós puderem representá-la na sucessão, cada uma das linhas receberá um terço do acervo hereditário, tocando a outra terça parte ao companheiro sobrevivente. Na linha onde apenas um dos avós é vivo, este receberá a terça parte da herança. Na outra linha, por sua vez, a cada avô será entregue uma sexta parte do monte.
Ulhoa (2012, p. 579) esclarece que “o companheiro só é convocado como sucessor único quando não houver nenhum parente sucessível do falecido”
Isso significa, que se o convivente morto possuía irmão, sobrinho, tio, primo, sobrinho-neto ou tio-avô, o sobrevivente herdará apenas um terço do patrimônio objeto de sucessão. A lei ignora a preferência do companheiro, em relação aos colaterais até quarto grau. Assim, apenas na falta destes, a herança será transmitida por inteiro ao parceiro da união estável. (ULHOA, 2012).
Afirma Nader (2016, p. 212-213) que:
Entre os autores, manifesta-se divergência quanto ao alcance da expressão legal “totalidade da herança”: se abrange ou não os bens adquiridos antes da união e os oriundos de liberalidades. Como dissemos, considerada a organização do artigo, a resposta será restritiva, pois o enunciado se apresenta em inciso e este se conecta, no plano lógico e normativo, ao caput, onde se limita a herança aos bens adquiridos onerosamente na constância da relação. Considerando-se, todavia, o aspecto valorativo e a interpretação sistemática, a conclusão é diversa.
Se excluídos da quota do companheiro, os bens se destinarão à Fazenda Pública, mas, como o legislador deve seguir a vontade presumida do auctor hereditatis, esta interpretação não se revela adequada, pois, entre os bens se destinarem ao ex-companheiro e se tornarem herança vacante, aquela seria a opção do de cujus. Por outro lado, a exclusão não encontra apoio na interpretação sistemática, pois, segundo a disposição do art. 1.844, a herança será devolvida ao Município, Distrito Federal ou União, “não sobrevivendo cônjuge, ou companheiro, nem parente algum...”. Concluindo, não havendo qualquer parente sucessível, todos os bens deixados pelo falecido, adquiridos antes ou após o início da união, a título oneroso ou gratuito, serão recolhidos pelo companheiro sobrevivo. A fim de corrigir a falha de técnica de elaboração, o teor do inciso IV deve passar a figurar, em reforma legislativa, como parágrafo único do art. 1.790, exceção que é ao caput. A finalidade dos parágrafos é explicar ou abrir exceção ao enunciado no caput do artigo.
Dada a diversidade de tratamento da sucessão entre os companheiros ao longo do tempo, é possível se concluir que: a) para o óbito ocorrido sob a vigência do Código Civil de 1916, o sobrevivo não terá direito à herança; b) para a hipótese de falecimento no período de 29 de dezembro de 1994 a 13 de maio de 1996 (data da publicação e início de vigência da Lei nº 9.278/96), o companheiro sobrevivo herdará de acordo com as disposições previstas na Lei nº 8.971/94; c) se o óbito do companheiro se deu entre 13 de maio de 1996 e 11 de janeiro de 2002, os direitos sucessórios seguem pelas disposições da Lei nº 9.278/96; d) após aquela última data, são aplicáveis as disposições do Código Civil de 2002. (NADER, 2016).