Como noção introdutória, Roberto Brasileiro traz em sua obra uma importante passagem de Cessare Beccaria, em Dos Delitos e das Penas de 1764. Beccaria já afirmava que para se ter justiça era necessário intervenção estatal e só então, com a devida confirmação de sua culpabilidade, poderia ser cessado alguns de seus direitos.
Por ser tão importante, a Declaração dos Direitos Humanos incluiu em seu art. 11 este princípio. Com este impulso, várias outras convenções posteriormente buscavam tipificar em seus respectivos textos.
Renato cita ainda algumas lições de Marco Antônio Marques da Silva. Este último afirma que o princípio visa estabelecer proteção ao acusado de futuras injustiças, limitar esta ferramenta que o Estado possui e que o acusado somente possa ser condenado se houver provas sobre sua prática delituosa, caso contrário não poderá sofrer limitações.
O princípio da presunção da inocência no direito brasileiro somente era aplicado de forma implícita, não existia expressamente em nossas antigas cartas, só com a Constituição Federal de 1988, o constituinte consagrou em seu inciso LVII do art. 5°. Deste princípio deriva-se duas regras, a probatória e a de tratamento, como é bem exposto pelo autor.
Da regra probatória, ou em outras palavras, “in dubio pro reo”, quem acusa tem que ter todos os meios pertinentes à prova para que o acusado possa ser condenado de forma clara e fundamentada pelo magistrado, no tocante que se assim não fosse, a justiça estaria ameaçada e os réus, a mercê do livre poder de decisão que o Estado detém. Todavia, para zelar pelo justo, deve-se observar o devido processo legal e a não obrigação do acusado de fazer prova contra si.
Da regra de tratamento, podemos retirar que a regra é permanecer o acusado com o seu direito constitucional à liberdade durante todo o processo, salvo casos excepcionais que merecem o cerceamento desta liberdade previamente. A doutrina ainda subdivide em tratamento interno e externo, no que tange que o primeiro se dá em relação as partes e ao Estado-Juiz, obedecendo os seus direitos fundamentais, já o segundo se volta para a sociedade, vedada a divulgação ostensiva e difamatória de forma a buscar somente ofender o réu e não apenas informar o ocorrido em questão.
Tem-se entendimento na jurisprudência, afirmando que quando ficar constatado recursos meramente protelatórios, a prisão poderá ser decretada antes do trânsito em julgado, tendo como argumento a tentativa de ingerir ainda mais no judiciário a morosidade, inclusive vai de encontro com o princípio da cooperação, estabelecido no Novo Código de Processo Civil de 2015.
Recentemente, o STF mitigou o princípio da presunção da inocência no julgamento do HC nº 126.292 (Brasil, 2016), entendendo que o réu já poderá começar a cumprir a pena se já for condenado em segunda instância. Em seus argumentos, a maioria dos ministros entenderam que o ideal é harmonizar este princípio com o da efetividade da função jurisdicional, tendo como base que a maioria dos recursos eram para atrasar a aplicabilidade da sanção.
Já os argumentos contrários, giram em torno da clara violação do texto constitucional. Streck (2016) apud Clarice e Alex, diz que “o STF desconsiderou o argumento histórico e a lição doutrinária que exigem não confundir decisão definitiva com condenação em segundo grau. E para isso, desconsiderou, justamente, o sentido normativo da garantia da presunção de inocência”.
O STF não ofendeu apenas a ordem constitucional, mas também à legislação internacional, como a Declaração Universal dos Direitos Humanos, aprovada pela ONU, a Convenção Americana e o Pacto de São José da Costa Rica. Isso também é grave, já que possuem caráter de norma supralegal, como o STF já definiu que os tratados não aprovados com quórum de emendas constitucionais serão considerados normas supralegais, abaixo da Constituição e acima de leis infraconstitucionais. Porém, para grande parte da doutrina, se tratam de normas materialmente constitucionais, título a qual a própria Constituição lhe atribui.
Entendo que, o princípio da presunção da inocência é essencial para manter a ordem e conseguir fazer justiça num Estado Democrático de Direito. Para aqueles que alegam que a justificativa para a antecipação da prisão é o aumento dos delinquentes e da criminalidade, não é razoável colocar um cidadão na cadeia, que pode não ter culpa do feito incriminado à sua pessoa. A ineficiência do Estado tem que ser tratada como um todo, e toda a sociedade deve voltar os seus olhos para a solução do problema. O papel do judiciário é aplicar a lei, não podendo ser o magistrado um justiceiro para atender os anseios da sociedade. Quando acontece um fato típico, ilícito e culpável, o princípio da co-culpabilidade salienta que não é só culpa do criminoso, mas também da coletividade.
A Carta Magna garante o direito de defesa em todos os processos em que se é acusado, inclusive em todas as fases. Permitir a presunção da inocência apenas em algumas, faz com que um inocente possa ser tratado como verdadeiro criminoso. Deixar de cumprir o que pretende o CPP, um dos direitos fundamentais fomentados no art. 5.º, inc. LVII da Constituição Federal, inclusive sendo cláusula pétrea, prescrevendo que “ninguém será considerado culpado até o transito em julgado da sentença penal condenatória”, é de fato rasgar o texto e não cumprir o que o constituinte determinou.
Referências bibliográficas.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus n. 126.292/SP. Relator:
ZAVASCK. Publicado no DJ de 16 de fevereiro de 2016. Disponível em:
<http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/publicacaoInformativoTema/anexo/Informativomensalfevereiro2016.pdf>. Acesso em 01. mar. 2018.
LIMA, Renato Brasileiro de. Manuel de Processo Penal. 4ª ed. Salvador: JusPodivm, 2016.
PRADOS, Clarice Souza; FRANCO, Alex Pereira. Presunção da inocência: a proteção da corte interamericana de direitos humanos versus a violação do Supremo Tribunal Federal. 2016.
STRECK, Lênio. Hermenêutica e positivismo contra o estado de exceção interpretativo. Revista Consultor Jurídico. 25 fev. 2016. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2016-fev-25/senso-incomum-hermeneutica-positivismo-estadoexcecao-interpretativo>. Acesso em 06. abril .2016.