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A inconstitucionalidade material de sanções previstas no artigo 12 da Lei de Improbidade Administrativa

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08/06/2018 às 14:00
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Fora dos holofotes da Lava Jato, as ações de improbidade administrativa, de natureza civil, têm se constituído em eficaz instrumento de moralização da res publica.

RESUMO: Este trabalho traz argumentos, à luz dos preceitos constitucionais e dos métodos de interpretação hermenêuticos, que demonstram a inconstitucionalidade material das sanções multa civil, proibição de contratar com o Poder Público, proibição de receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, previstos no artigo 12, da Lei nº 8.429/92. Com enfoque na pesquisa bibliográfica e na análise documental, este estudo condensa argumentos sólidos para que os profissionais do Direito e interessados no tema conheçam as características gerais da ação de improbidade administrativa e possam ter uma nova visão sobre a impossibilidade de aplicação de algumas sanções do artigo 12, da Lei nº 8.429/92, ante a inexistência de reserva de Constituição.

Palavras-chave: Inconstitucionalidade. Sanções. Artigo 12. Lei nº 8.429/92.


1 INTRODUÇÃO

O estudo e proposituras de ações de improbidade administrativa, previstas na Lei nº 8.429/92, ganhou relevância social no combate aos atos de corrupção na esfera pública, buscando coibir atitudes ilícitas que causem enriquecimento ilícito, prejuízo ao erário, ou atentem contra os princípios da Administração Pública. É de se acrescentar que fora dos holofotes da Lava Jato as ações de improbidade administrativa, de natureza civil, têm se constituído em eficaz instrumento de moralização da res publica.

 Percebeu-se a importância desta temática e o aumento do trâmite destas ações no momento em que o Poder Judiciário, nos dias 5 e 6 de novembro de 2012, realizou o 6º Encontro Nacional do Judiciário e traçou como principal meta a de nº 18, que “visava identificar e julgar, até 31/12/2013, as ações de improbidade administrativa e ações penais relacionadas a crimes contra a Administração Pública, distribuídas até 31/12/2011[1].”

Compreender bem os atos de improbidade administrativa e interpretá-los à luz dos preceitos constitucionais modernos é imprescindível para garantia da própria ordem constitucional e da prevalência dos direitos humanos.

Ao se constatar que as sanções de improbidade administrativa afetam diretamente um dos principais direitos do Estado Democrático de Direito (a cidadania), tem-se que as reprimendas aos agentes públicos e particulares são de índole constitucional, previstas numerus clausus no artigo 37, § 4º, da Constituição Federal. Portanto, inadmissível a compreensão de sua amplitude por norma infraconstitucional, que tem a função de apenas estabelecer a forma e gradação das punições, nunca ampliá-las.

Não se pode olvidar, por outro lado, que com o aumento das ações judiciais sobre o tema várias sentenças são proferidas e, não raro, se aplicam graves sanções aos agentes públicos, servidores ou não, e aos particulares e empresas que tenham praticado ato de improbidade.

Destarte, por se ter ampliado o debate social sobre a “penalização” de pessoas que enriquecem ilicitamente, causando prejuízo ao erário ou atentando contra os princípios da Administração Pública, sendo estes os grandes tipos centrais dos atos de improbidade administrativa, torna-se relevante a pesquisa realizada, pois se busca analisar a constitucionalidade das sanções previstas no artigo 12 da Lei nº 8.429/92 e propiciar um novo entendimento sobre a LIA para que direitos fundamentais não continuem a serem cerceados sem expressa previsão constitucional.

Reavaliar a aplicação das sanções sob os aspectos constitucional, da hermenêutica jurídica contemporânea e dos direitos humanos, por meio de longo debate e publicização, poderá contribuir para que representantes do Ministério Público e a pessoa jurídica interessada, bem como os magistrados se abstenham, respectivamente, de requerer e aplicar sanções explicitamente inconstitucionais.

Preocupando-se com as violações diárias a direitos fundamentais pela aplicação desproporcional e não criteriosa da Lei de Improbidade Administrativa, a pesquisa se fundamenta pelos seguintes questionamentos: em que medida as sanções previstas no artigo 12, da Lei nº 8.429/92, vão de encontro aos preceitos da Constituição Federal de 1988? Que direitos humanos podem estar sendo violados pela aplicação das sanções não previstas no art. 37, § 4º, da Carta Magna?

Com estas indagações, as premissas investigativas partiram das hipóteses de que as sanções de multa civil, proibição de contratar com o poder público, proibição de receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios são inconstitucionais porque não estão previstas nas sanções constitucionais do art. 37, § 4, da Constituição Federal; e que o direito de propriedade, liberdade, e dignidade humana estão violados pela aplicação de algumas sanções inconstitucionais, previstas no artigo 12, da LIA.

O trabalho tem como fundamentação teórica as contribuições de Mauro Roberto Gomes de Matos (2010), que trata sobre o limite da improbidade administrativa, aspectos gerais e específicos, traz comentários aos artigos de toda a Lei nº 8.429/92 e levanta vários aspectos sobre a (in)constitucionalidade de alguns artigos, entre eles as sanções do artigo 12. Da mesma forma, Gina Copola (2011) traz suas observações a este trabalho, resultante de sua militância como advogada há anos, abordando os mais variados temas, inclusive a inconstitucionalidade material do artigo 12, da LIA.

Sustentando-se a análise da Constituição Federal trazemos as preciosas críticas de Paulo Bonavides (2015), em sua obra Curso de Direito Constitucional, que analisa desde a origem do direito constitucional ao neoconstitucionalismo. Utiliza-se, desta obra, com maior densidade, as partes destinadas à interpretação da constituição, os métodos de interpretação constitucional da nova hermenêutica e interpretação dos direitos fundamentais. Serão utilizadas, nas contribuições interpretativas, a Hermenêutica e Aplicação do Direito (2011), de Carlos Maximiliano, destinada à compreensão técnica e interpretação das normas. Luis Roberto Barroso (2012), com suas notas, faz uma exposição sistemática da doutrina e jurisprudências sobre o controle de constitucionalidade no direito brasileiro, essencial à compreensão do tema.

 Atendendo-se aos novos métodos de pesquisa, também se aproveitou como fundamentação as contribuições de Daniel Amorim Assumpção Neves (2014), entre outros, que defendem que as sanções previstas no art. 37, § 4º, da Constituição Federal seriam apenas exemplificativas e, portanto, plenamente possível a ampliação do rol de punições aos atos de improbidade, pelo legislador ordinário.

Para se chegar às conclusões deste trabalho se utilizou de um estudo focado em livros e artigos que tratassem sobre o processo constitucional, métodos de interpretação da Constituição, e (in) constitucionalidade das sanções previstas no artigo 12 da Lei de Improbidade Administrativa.

A pesquisa, de caráter exploratório, teve como principal finalidade desenvolver, esclarecer e modificar conceitos e ideias relacionadas às sanções de improbidade administrativa, tendo em vista a formulação de problemas específicos e hipóteses pesquisáveis para estudos posteriores.

Reconhecidas as sanções, na ação de improbidade administrativa, não autorizadas ou previstas na Constituição Federal de 1988, se faz uma análise hermenêutica, por meio dos métodos interpretativos, para se ratificar que as reprimendas multa civil, proibição de contratar com o Poder Público, proibição de receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios são materialmente inconstitucionais.


2 DESENVOLVIMENTO

A inconstitucionalidade das sanções multa civil, proibição de contratar com o Poder Público, proibição de receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, de que se trata neste trabalho, notadamente é a inconstitucionalidade material, aquela em que a norma impugnada colide diretamente com o conteúdo substantivo da Constituição.

Os fundamentos aqui expendidos se traduzem na análise hermenêutica, por meio dos métodos interpretativos, do comparativo entre a Constituição Federal de 1988 com a Lei de Improbidade Administrativa, no que se refere unicamente a inconstitucionalidade material de algumas sanções previstas na Lei nº 8.429/92.

Cumpre-nos demonstrar, antes da análise hermenêutica da inconstitucionalidade material das sanções acima citadas, como se dá o controle de constitucionalidade no sistema jurídico brasileiro, trazendo um brevíssimo histórico, os tipos de inconstitucionalidade e as modalidades de controle.

2.1 O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE NO SISTEMA JURÍDICO BRASILEIRO

O controle de constitucionalidade das normas se justifica pela necessidade de compatibilização destas ao texto constitucional, já que a Constituição, como se sabe, é a Norma que regula as relações entre pessoas e o Estado, garante os direitos fundamentais, e preserva a própria estrutura e existência harmônica entre os poderes estatais.

A Constituição possui superioridade normativa hierárquica porque expressa, no sistema brasileiro, a vontade popular manifestada pelos constituintes originários que se reuniram e contemplaram, na Carta Cidadã, os anseios dos brasileiros cansados de sobreviverem em um regime ditatorial. A Constituição brasileira vigente é, destarte, o Texto Máximo do ordenamento jurídico brasileiro e todas as demais normas, inclusive as normas constitucionais derivadas, devem obediência à Constituição Federal de 1988.

É imperativo conhecermos como se dá o controle de constitucionalidade brasileiro, traçando um breve histórico sobre os sistemas difuso e concentrado, adotado pelo Brasil. Para isso, deve se saber que o sistema difuso ficou mundialmente reconhecido após o caso Marbury v. Madison, nos Estados Unidos, julgado em 1803, “na qual a Suprema Corte afirmou seu poder de exercer o controle de constitucionalidade, negando aplicação a leis que, de acordo com sua interpretação, fossem inconstitucionais[2]” (BARROSO, 2012, p. 25), ou seja, as leis que fossem de encontro à Constituição deveriam ser consideradas inválidas e, portanto, sem aplicabilidade no mundo jurídico.

Por sua vez, “o controle concentrado de constitucionalidade tem sua origem no modelo austríaco, que se irradiou pela Europa, e consiste na atribuição da guarda da Constituição a um único órgão ou a um número limitado deles.” (BARROSO, 2012, p. 191). Para Paulo Bonavides, “neste caso, impugna-se perante determinado tribunal uma lei, que poderá perder a validade constitucional e consequentemente ser anulada erga omnes (com relação a todos).” (BONAVIDES, 2015, p. 314).

Constata-se, dos ensinamentos de Bonavides (2015) e Barroso (2012), que no controle difuso ou concreto exige-se um conflito interpartes, teve origem nos Estados Unidos, pode ser exercido por qualquer magistrado, em procedimento incidental ou de exceção, e faz coisa julgada, em regra, entre as partes envolvidas no processo. Por seu turno, no controle concentrado, também chamado de abstrato, a norma é atacada independentemente de uma disputa entre pessoas, tem surgimento no direito austríaco, é feito diretamente perante um tribunal e faz coisa julgada para todos. Informe-se que o sistema brasileiro adota um sistema de controle que contempla tanto o difuso quanto o concentrado.

Além da adoção dos controles difuso e concentrado, segundo Barroso (2012), o direito brasileiro tem como tipos/espécies de inconstitucionalidade a formal, material, total, parcial, por ação ou omissão.

O controle formal é aquele “de feição técnica, está volvido assim para aspectos tão somente formais, não ajuizando acerca do conteúdo ou substância da norma impugnada.” (BONAVIDES, 2015, p. 304). Nas palavras de Barroso, a inconstitucionalidade formal “se traduz na inobservância da regra de competência para a edição do ato.” (BARROSO, 2012, p. 36). Em síntese, ocorre a inconstitucionalidade formal quando houver algum vício/defeito no processo legislativo ou de competência dos entes federativos.

Destaque-se que “o processo ou procedimento legislativo completo compreende iniciativa, deliberação, votação, sanção ou veto, promulgação e publicação” (BARROSO, 2012, p. 37) e a desobediência a alguma(s) dessas fases determinadas no texto constitucional contamina a norma, tornando-a formalmente inconstitucional.

A inconstitucionalidade material, de outra forma, “expressa uma incompatibilidade de conteúdo, substantiva, entre a lei ou ato normativo e a Constituição.” (BARROSO, 2012, p. 37). Acontece quando a norma ou ato colidem diretamente contra uma regra ou princípio da Constituição. Na inconstitucionalidade material se traduz “no confronto com uma regra constitucional — e.g., a fixação da remuneração de uma categoria de servidores públicos acima do limite constitucional (art. 37, XI).” (BARROSO, 2012, p. 37). Ver-se-á, adiante, que as sanções de improbidade administrativa previstas no artigo 12, da Lei nº 8.429/92, foram além do estipulado na Constituição, colidindo frontalmente com a Lei Maior e, portanto, são materialmente inconstitucionais.

Ressalte-se que “nada impede a coexistência, em um mesmo ato legislativo, de inconstitucionalidade formal e material, vícios distintos que podem estar cumulativamente presentes” (BARROSO, 2012, p. 38), desde que, é claro, existente um vício no procedimento legislativo ou de competência federativa e, cumulativamente, a norma submetida ao crivo do controle colida diretamente com as regras e princípios constitucionais.

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A inconstitucionalidade total acontece quando a lei ou ato normativo impugnado é, em sua inteireza, no todo, contrário aos preceitos constitucionais. Para Barroso, “será total quando colher a íntegra do diploma legal impugnado.” (BARROSO, 2012, p. 44). Por seu turno, a inconstitucionalidade parcial ocorre quando a norma, em parte, é contrária à Constituição. Pode, até, “recair sobre um ou vários dispositivos, ou sobre fração de um deles, inclusive uma única palavra.” (BARROSO, 2012, p. 44-45).

 Ainda se tem as espécies de inconstitucionalidade por ação e/ou omissão. A primeira, “ocorre com a produção de atos legislativos ou administrativos que contrariem normas ou princípios da constituição.” (SILVA, 2015, p. 49). A inconstitucionalidade por omissão “verifica-se nos casos em que não sejam praticados atos legislativos ou administrativos requeridos para tornar plenamente aplicáveis normas constitucionais.” (SILVA, 2015, p. 49).

Na inconstitucionalidade por ação se exige que alguém pratique um ato. Tem-se, uma conduta comissiva que afeta a Constituição. Por outro lado, a inconstitucionalidade por omissão se dá quando alguém deixa de fazer algo que a Constituição manda.

Destaque-se que o controle de constitucionalidade não se subdivide apenas em tipos. Também não é objetivo deste trabalho se aprofundar nas peculiaridades. Todavia, se entende necessário descrever sobre as modalidades de controle, limitando-se a falar quanto ao momento e quanto ao órgão.

Quanto ao momento o controle de constitucionalidade pode ser preventivo ou repressivo. Para Barroso, o

Controle prévio ou preventivo é aquele que se realiza anteriormente à conversão de um projeto de lei em lei e visa a impedir que um ato inconstitucional entre em vigor. O órgão de controle, nesse caso, não declara a nulidade da medida, mas propõe a eliminação de eventuais inconstitucionalidades. (BARROSO, 2012, p. 48).

Por seu turno, o “controle repressivo, sucessivo ou a posteriori é aquele realizado quando a lei já está em vigor, e destina-se a paralisar-lhe a eficácia.” (BARROSO, 2012, p. 48).

No tocante ao órgão, o controle judicial, segundo José Afonso da Silva, “é a faculdade que as constituições outorgam ao Poder Judiciário de declarar a inconstitucionalidade de leis de outros atos do Poder Público que contrariem, formal ou materialmente, preceitos ou princípios constitucionais.” (SILVA, 2015, p. 51).

O controle político é aquele em que não há atuação do Poder Judiciário. É o realizado por outro poder que não o jurisdicional. Para Barroso,

No Brasil, onde o controle de constitucionalidade é eminentemente de natureza judicial — isto é, cabe aos órgãos do Poder Judiciário a palavra final acerca da constitucionalidade ou não de uma norma —, existem, no entanto, diversas instâncias de controle político da constitucionalidade, tanto no âmbito do Poder Executivo — e.g., o veto de uma lei por inconstitucionalidade — como no do Poder Legislativo — e.g., rejeição de um projeto de lei pela Comissão de Constituição e Justiça da casa legislativa, por inconstitucionalidade. (BARROSO, 2012, p. 46).

Pondere-se que, via de regra, o controle preventivo é feito pelo Legislativo e Executivo, quando atuam no processo legislativo, mas também podem ser feitas pelo Judiciário, quando explicitamente maculado o procedimento constitucional de elaboração das normas. Não se pode olvidar, entretanto, que “em qualquer caso, havendo controvérsia acerca da interpretação de uma norma constitucional, a última palavra é do Judiciário.” (BARROSO, 2012, p. 49).

No objeto de estudo deste trabalho tem-se como amoldamento à inconstitucionalidade material, parcial, por ação e que deve ser feita por meio repressivo. Material porque algumas sanções colidem diretamente com as disposições do artigo 37, § 4º, entre outros, quando o artigo 12, da LIA, ampliou o rol de reprimendas. Parcial, porque atinge apenas as sanções multa civil, proibição de contratar com o Poder Público, proibição de receber incentivos ou benefícios fiscais ou creditícios. Por ação, ante o fato de que o aumento das sanções fora decorrente da atividade legislativa e, uma vez em vigor, agora só podem ser combatidas pelo meio repressivo, judicial.

2.2 COMPARATIVO ENTRE AS SANÇÕES DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA PREVISTAS NA CRFB/88 E NA LEI Nº 8.429/92

Em sua obra Hermenêutica e Aplicação do Direito Carlos Maximiliano acentua que “toda lei é obra humana e aplicada por homens; portanto imperfeita na forma e no fundo, e dará duvidosos resultados práticos, se não verificarem, com esmero, o sentido e alcance das suas prescrições.” (KORKOUNOV, 1903, p. 525 apud MAXILIANO, 2011, p. 8).

No sistema jurídico contemporâneo as normas infraconstitucionais e até as constitucionais derivadas devem passar pelo crivo do controle de constitucionalidade porque gozam de presunção relativa de compatibilidade com o texto constitucional.

A Lei nº 8.429/92, que se originou do Projeto de Lei nº 1.446/91 (número na Câmara dos Deputados), surgiu com a finalidade de combater “prática desenfreada e impune de atos de corrupção[3]”, como alegou na exposição de motivos o, à época, Ministro da Justiça, Jarbas Passarinho. Por ser norma que buscou solucionar todos os problemas de corrupção, notadamente tivera seus excessos, devendo-se analisar as sanções de improbidade administrativa com esmero, fazendo-se um comparativo com as prescrições constitucionais.

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 dispõe, em seu artigo 37, § 4º, que “os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei”. Por sua vez, a Lei nº 8.429/92, que disciplinou o referido dispositivo constitucional, em seu artigo 12, I, traz as seguintes sanções:

I - na hipótese do art. 9°, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, ressarcimento integral do dano, quando houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de oito a dez anos, pagamento de multa civil de até três vezes o valor do acréscimo patrimonial e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de dez anos;[...][4].

Para melhor visualização das sanções constitucionalmente impostas e as previstas, de forma ampliativa, na Lei de Improbidade Administrativa, apresenta-se uma tabela comparativa entre as disposições do art. 37, § 4º, da Constituição Federal de 1988 e o artigo 12, da Lei nº 8.429/92. Veja-se[54]:

Tabela 1 – Comparativo entre as sanções do artigo 37, § 4, da Constituição da República Federativa do Brasil  de 1988 e as do artigo 12, da Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº 8.429/92)

SANÇÕES NA CRFB/88 (ART. 37, § 4º)

SANÇÕES NA LEI Nº 8.429/92 (ART. 12)

1. Suspensão dos direitos políticos

1. Suspensão dos direitos políticos

2. Perda da função pública

2. Perda da função pública

3. Indisponibilidade dos bens

3. Perda dos bens ou valores

4. Ressarcimento ao erário

4. Ressarcimento integral do dano

5. Pagamento de multa civil

6. Proibição de contratar com o Poder Público

7. Proibição de receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios

Fonte: O próprio autor.

Da tabela comparativa fica fácil a visualização de que as sanções multa civil, proibição de contratar com o Poder Público, proibição de receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios foram acrescentadas além das disposições constitucionais.

Para Gina Copola, em sua obra Os vinte anos da Lei de Improbidade Administrativa e o Estado Democrático de Direitos, “é forçoso concluir que as penas supracitadas e não previstas na Constituição Federal restam absolutamente inconstitucionais, porque extrapolam o contido no indigitado dispositivo constitucional.” (COPOLA, 2012, p. 7).

A doutrina ainda acrescenta que “para que não ocorra uma grave inconstitucionalidade é necessário ter em mente que a perda dos bens somente será implementada para possibilitar a execução de uma sentença condenatória, que acarreta a obrigação de indenizar.” (MATTOS, 2010, p. 442). Entretanto, o corte científico deste trabalho não permite a discussão e aprofundamento da inconstitucionalidade do termo indisponibilidade/perda dos bens.

2.3 ANÁLISE HERMENÊUTICA SOBRE A INCONSTITUCIONALIDADE MATERIAL DE ALGUMAS SANÇÕES DO ARTIGO 12 DA LEI Nº 8.429/92

Carlos Maximiliano leciona que “por mais hábeis que sejam os elaboradores de um Código, logo depois de promulgado surgem dificuldades e dúvidas sobre a aplicação de dispositivos bem redigidos.” (MAXILIANO, 2011, p. 11). Como se pode observar na tabela acima, a Lei de Improbidade Administrativa sequer atentou aos limites impostos na Constituição Federal.

Por estas razões é imprescindível que analisemos o artigo 12, da LIA, à luz das disposições constitucionais e métodos de interpretação hermenêuticos, tendo-se, sempre, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, no sistema jurídico pátrio, como a norma suprema, dotada de regras e princípios, que deve orientar e controlar o ordenamento jurídico brasileiro.

Veja-se, sob a análise do método filológico, que três expressões dão significado e limite às sanções de improbidade administrativa, que têm sua origem e alcance no artigo 37, § 4º, da CRFB/88. O referido dispositivo constitucional, relembre-se, preleciona que “os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei”. Os vocábulos de que se deve analisar são “importarão”, “forma” e “gradação”.

Segundo o Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, importar significa “V. t. d. 1. Fazer vir de outro país, estado ou município; trazer para dentro. 2. Ter como consequência ou resultado; causar, produzir, originar, implicar. 3. Trazer em si; envolver, encerrar, implicar.[...].” (FERREIRA, 1998, p. 353).

No Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, importar é

1 t.d.,t.i. ter como consequência ou resultado; causar, implicar <a dissidência de uns poucos importou  a discórdia geral> <as provocações do amigo importaram numa inimizade definitiva entre ambos> 2 t.d. trazer em si; envolver, implicar <o trabalho seduz quando importa um grande desafio à intelligência> 3 t.i (sXVI) montar a ou atingir determinada quantia <o total dos gastos importou em mil reais> [...]. (HOUAISS, 2001, p. 1583).

Vê-se, das terminologias gramaticais, que o Constituinte Originário delimitou como consequência ou resultado às sanções de improbidade administrativa, quando disse IMPORTARÃO, apenas as sanções, numerus clausus, contidas no art. 37, § 4º, da Constituição Federal de 1988.

Atente-se, ainda, que as disposições do artigo 37, § 4º, da Constituição, trouxe as terminologias “forma” e “gradação”, que também merecem a devida análise filológica.

Reportando-se ao Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, tem-se que “forma” designa

1. Os limites exteriores da matéria de que é constituído um corpo, e que conferem a este um feito, uma configuração, um aspecto particular. 2. Ser ou objeto confusamente percebido, e cuja natureza não se pode precisar. 3. Realização particular de um fato geral; maneira viável com que uma noção, uma ideia, um acontecimento, uma ação se apresenta; modo de ser; modalidade, variedade. 4. P. ext. Maneira, modo, jeito. (FERREIRA, 1998, p. 304).

Para “gradação”, o Dicionário Aurélio traz como significado “1. Aumento ou diminuição gradual. 2. Passagem ou transição gradual. 3. Ret. Clímax (4 e 5).” (FERREIRA, 1998, p. 327). Por sua vez, no Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, significa

1 aumento ou diminuição de maneira gradativa, contínua, de grau em grau; gradativamente, continuum <lá só existem ricos e pobres, sem gradações> 2 DES PINT passagem gradual de uma cor para outra ou de uma tonalidade para outra; dégradé, gama, esbatimento <o pôr do sol pintou o céu com uma g. que ia do amarelo-ouro ao rosa> 3 DIR.PEN aumento ou diminuição da pena a ser imposta, que pode ocorrer em razão das possíveis atenuantes ou agravantes existentes no crime praticado [...]. (HOUAISS, 2001, p. 1471).

Da análise pelo método gramatical, chega-se a conclusão de que os atos de improbidade terão como consequência (importarão) as seguintes sanções, de índole constitucional: 1. suspensão dos direitos políticos, 2. a perda da função pública, 3. a indisponibilidade dos bens e 4. o ressarcimento ao erário. Estas sanções e os atos de improbidade teriam a configuração descrita pelo legislador ordinário na lei (forma), que poderiam apenas graduá-las (gradação), como se fez na sanção constitucional “suspensão dos direitos políticos”, que vai de 3 a 10 anos, conforme o caso.

Destaque-se que “os direitos fundamentais enquanto direitos de hierarquia constitucional somente podem ser limitados por expressa disposição constitucional (restrição imediata) ou mediante lei ordinária promulgada com fundamento imediato na própria Constituição (restrição mediata).” (MENDES & BRANCO, 2012, p. 250).

Como se pode observar, as sanções constitucionalmente impostas aos atos de improbidade afetam direitos fundamentais dos mais sagrados – entre os quais da propriedade, dignidade da pessoa humana, cidadania -, e não podem, em obediência a reserva de Constituição, serem ampliadas pelo legislador ordinário.

Atente-se que um ato normativo que tem uma das maiores reprimendas jurídicas à pessoa humana, na sociedade democrática (a suspensão dos direitos políticos), não pode ser entendido de forma flexível ou ampliativa, mormente quando as próprias disposições hermenêuticas, do método gramatical ao sistemático, concluem diversamente. 

Sabe-se que toda norma que restrinja direitos deve ser interpretada restritivamente, conforme ensinamentos básicos da hermenêutica jurídica de Carlos Maximiliano (2011). Ampliar seus efeitos causa danos irreparáveis e deslegitima o Estado Democrático de direitos. Da mesma forma, aplicar sanções inexistentes ou contrárias à Constituição Federal ferem preceitos constitucionais modernos, prática inaceitável em uma democracia consolidada.

Todavia, há quem entenda diferente. Daniel Amorim Neves manifesta-se

não haver qualquer vício de constitucionalidade na ampliação legal das sanções de improbidade, pois cabe ao legislador ordinário a tipificação de condutas ilícitas e a fixação das respectivas sanções, sendo certo que as sanções previstas no art. 37, § 4.º, da CRFB são apenas exemplificativas, permitindo, portanto, a fixação de outras penalidades no âmbito legislativo, com o objetivo de maior efetividade no combate à improbidade administrativa. (NEVES, 2014, p. 31).

No mesmo sentido, Waldo Fazzio Júnior argui que

De fato, a plena eficácia, a extensão, e as hipóteses de incidência das sanções previstas contra os autores de atos de improbidade administrativa se operam no plano da legislação ordinária, que pode complementar e, até mesmo, restringir o elenco do art. 37, § 4º, porém preservando o propósito de não minimizar a efetividade desse ditame. (FAZZIO JÚNIOR, 2008, p. 60).

Este entendimento de que a legislação ordinária poderia complementar e até restringir o elenco das disposições contidas no artigo 37, § 4º, da Constituição Federal, seria inverter a lógica do sistema constitucional, submetendo a Constituição ao parâmetro da lei. Tal posicionamento contraria preceitos básicos do sistema jurídico constitucional e é impensável no neoconstitucionalismo, mormente nos dias atuais em que, na prática forense, até os magistrados de primeiro grau se “desapegaram” da lei para discutirem as questões constitucionais.

Acrescente-se que amoldando o artigo 37, § 4º, da Constituição Federal, à teoria da eficácia e aplicabilidade das normas constitucionais, de José Afonso da Silva, tem-se que o diploma constitucional que motivou a elaboração da Lei nº 8.429/92 é de eficácia contida, entretanto com sanções constitucionalmente impostas, como se viu da análise filológica.

Relembre-se que na tese de eficácia e aplicabilidade das normas constitucionais, José Afonso da Silva (1999) as dividiu em: 1. eficácia plena, 2. eficácia contida; e 3. eficácia limitada.

Nos ensinamentos de Silva (1999, p. 86), as normas de eficácia plena são de aplicabilidade direta, imediata e integral. Por sua vez, as de eficácia contida possuem aplicabilidade direta e imediata, mas possivelmente não integral. As normas de eficácia limitada, por fim, se dividem em declaratórias de princípios institutivos ou organizativos e declaratórias de princípio programático.

Em síntese, segundo José Afonso da Silva (1999), na norma constitucional de eficácia plena, não há necessidade de atuação do legislador ordinária para sua aplicabilidade. Na de eficácia contida, a aplicabilidade incide diretamente e de forma imediata, todavia pode necessitar de norma infraconstitucional para sua aplicação integral. Finalmente, a norma constitucional de eficácia limitada depende da atuação do Poder Público para que produza seus efeitos.

Ora, “se o art. 37, § 4º, da Constituição não estipulasse um rol de penalidades à prática dos atos de improbidade, o legislador infraconstitucional poderia fazê-lo com livre discricionariedade.” (MATTOS, 2010, p. 444).

Acrescente-se que analisando-se as demais normas de eficácia contida antes da disposição do art. 37, § 4º, da Constituição (art. 5º, VIII, XIII, XXVI, LVIII, LXI; art. 7º, IV, XI, XIX; art. 20, II; art. 21, IV; art. 37, I, II, V, VII), em nenhuma delas o Constituinte Originário estabeleceu limites explícitos ao legislador infraconstitucional, como as sanções de improbidade administrativa, quando deixou claro que aos atos de improbidade só IMPORTARÃO as sanções do artigo 37, § 4º, da Constituição Federal; à lei só caberia disciplinar os atos de improbidade e a gradação das sanções, nunca ampliá-las no rol, que é numerus clausus.

Relembre-se, conforme ensina Paulo Boinavides, que

A relação por exemplo estabelecida entre a Constituição e a lei é relação dispositiva, estipulativa ou de vinculação. A norma mais alta, ensina o Mestre de Viena, regula o ato, mediante o qual se produz a norma inferior, e não só define o procedimento de produção da norma mais baixa senão que determina também o conteúdo da norma a ser produzida. (KELSEN, 1934, p. 91 apud BONAVIDES, 2015, p. 459).

Carlos Maximiliano argui que na elaboração de uma norma “não se deve ficar aquém, nem passar além do escopo referido; o espírito da norma há de ser entendido de modo que o preceito atinja completamente o objetivo para o qual a mesma foi feita, porém dentro da letra dos dispositivos.” (MAXIMILIANO, 2011, p. 125). Destarte, se a norma constitucional estipulou que a lei dos atos de improbidade deveria apenas ponderar o quantum das sanções, constata-se que todos os demais excessos sancionatórios feitos pelo legislador infraconstitucional, não previstos na Constituição Federal - a exemplo da multa civil, proibição de contratar com o Poder Público, proibição de receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios -, são materialmente inconstitucionais.

E como bem lembrou Gina Copola,

Isso tudo enseja, como não poderia ser de outra forma, aplicações equivocadas dos dispositivos da LIA, além de ocasionar condenações que não encontram fundamento no sistema jurídico brasileiro, uma vez que diversas decisões judiciais que envolvem tal controvertido tema decorrem de interpretações de um texto legal incongruente, lacunoso, e absolutamente mal elaborado. (COPOLA, 2012, p. 2).

De fato, a Lei nº 8.429/92, ante sua pretensão de ser a “norma contra a corrupção”, tem inúmeras reparações a serem feitas e é objeto de questionamentos sobre a inconstitucionalidade material e formal, esta “na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2.182-6-Distrito Federal, que discutiu a constitucionalidade na Lei nº 8.429/92, por vício formal, vez que ausente a votação bicameral para aprovação do projeto de lei.” (COPOLA, 2011, p. 15).

Os fundamentos da arguição de inconstitucionalidade formal na ADI nº 2.182-6-DF eram fracos, demonstrava falta de conhecimento do processo legislativo e constitucional e, de fato, não merecia prosperar. Como também nos parece carente de fundamentos e desproporcional a alegativa de inconstitucionalidade material de toda a Lei nº 8.429/92. Entretanto, à luz das disposições constitucionais e dos métodos de interpretação hermenêuticos, “tal inconstitucionalidade é encontrada em parte do art. 12, da Lei federal nº 8.429/92, que prevê aplicação de penas não previstas no art. 37, § 4º, da Constituição Federal.” (COPOLA, 2012, p. 7). Neste sentido, imprescindível se falar sobre cada sanção da LIA que ultrapassou os limites constitucionalmente impostos.

2.3.1 Da multa civil

A multa civil, além de não estar entre as sanções constitucionalmente impostas, veio com várias possibilidades de aplicação, na Lei nº 8.429/92: 1. de até três vezes o valor do acréscimo patrimonial (art. 12, I, da LIA);  2. até duas vezes o valor do dano (art. 12, II); e 3. de até cem vezes o valor da remuneração percebida pelo agente (art. 12, III).

Esta sanção fora, na sua forma e gradação, tão mal elaborada, além de inconstitucional, que não se pode olvidar das lições de Waldo Fazzio Júnior, mesmo considerando possível a existência da aplicação de multa civil nas ações de improbidade administrativa, ao ponderar que

[...] no caso de sanção dirigida a ato de improbidade lastreado no art. 11 da Lei nº 8.429/92 (que atenta contra os princípios constitucionais), em que não há enriquecimento ilícito do agente público nem lesão ao erário, o valor da multa civil pode alcançar 100 remunerações, o que significa montante equivalente a mais de 8 anos de serviço do agente público. A eventual fixação do máximo traduziria evidente exagero, implicando fatalmente sua frustração. (FAZZIO JÚNIOR, 2008, p. 354).

Atente-se que a própria Constituição já previu uma sanção de ressarcimento integral do dano ao erário e a multa, na ação de improbidade administrativa, surge como uma forma de enriquecimento ilícito da Administração Pública, já que para Gomes de Mattos, “ao ampliar o rol das sanções estabelecidas na Carta Maior, o legislador infraconstitucional criou uma reparação financeira inexistente e inconcebível [...].” (MATTOS, 2010, p. 457).

Cumpre-se alertar que a aplicação da multa civil, além de inconstitucional, por inexistência de reserva de Constituição, afeta o direito fundamental de propriedade, estatuído desde a parte dos direitos e garantias fundamentais (art. 5º, caput, XXII, CRFB/88) até o capítulo que trata dos princípios gerais da atividade econômica (art. 70, II, CFRB/88).

Mauro Gomes Roberto de Matos, discorrendo sobre a multa civil nas ações de improbidade administrativa, observa que       

o legislador infraconstitucional avançou mais do que o permitido, pois a multa, mesmo decorrente de um ato ilícito, tendo caráter intimidativo, não se abriga em princípio constitucional. Como a matriz das sanções vem grafada na CF, que contempla o ressarcimento integral do dano, o acessório, que é revestido pela multa se abriga em um excesso não previsto. O ressarcimento ao erário, pela disposição constitucional, deve se dar em toda a sua plenitude, sem que com isto implique enriquecimento para o ente lesado, destinatário do recebimento do pagamento da lesão. Mas a multa é um excesso não previsto na CF, incluído pelo legislador infraconstitucional, de forma ilegal. (MATTOS, 2010, p. 455).

A multa, na ação de improbidade, fora incluída de forma manifestamente inconstitucional. Ante a violação de direito fundamental (propriedade), previsto também em tratados internacionais sobre direitos humanos, a aplicação da multa civil, na LIA, é materialmente inconstitucional.

Se o legitimado ativo da ação de improbidade administrativa quiser, a todo custo, a aplicação de multa, que se busque o meio processual idôneo. Caso se pretenda a responsabilização, com condenação em multa, de uma pessoa por cometimento de algum ilícito civil, se utilize, como exemplo, da Ação Civil Pública (Lei nº 7.347/85). A ação de improbidade administrativa, ante a reserva de Constituição, não é meio hábil à aplicação de multa, pois esta é materialmente inconstitucional.

2.3.2 Da proibição de contratar com o Poder Público

No tocante à sanção de proibição de contratar com o Poder Público, também sem reserva de Constituição, o legislador ordinário fixou como quantum sancionatório os prazos de 10, 5 e 3 anos, respectivamente, para os atos que causem enriquecimento ilícito, prejuízo ao erário, ou atentem contra os princípios da Administração Pública.

Também neste caso é imperioso reconhecer que há outros meios para impedir que o sócio e a empresa reconhecidamente ímprobos fiquem proibidos de contratarem com a Administração Pública. Um dos exemplos pode ser observado no procedimento administrativo da Lei nº 8.666/93.

Roberto Gomes de Mattos informa que

Aliás, a inidoneidade retira do particular a possibilidade de participar de licitação pública, consoante determinação expressa no art. 87, da Lei nº 8.666/93, ‘“enquanto perdurarem os motivos determinantes da punição’: ‘Seria visível que o autor de ato ímprobo, após lesar o erário, pudesse, sem cumprir um período de quarentena, vir a receber benefícios diretos ou indiretos da Administração’”. (MEDEIROS, 2003, p. 132 apud MATOS, 2010, p. 459).

Acrescente-se que há empresas especialistas no fornecimento de serviços públicos, destinados à Administração Pública. É de se ponderar que a aplicação desta sanção em uma empresa que se envolver em um ilícito, além de inconstitucional, afeta o direito à livre concorrência e pode, nestes casos específicos, levar a pessoa jurídica à falência, juntamente com inúmeros funcionários.

2.3.3 Da proibição de receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios

A proibição de receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios traz os mesmos prazos da proibição de contratação com o Poder Público: 10, 5 e 3 anos. É de se acrescentar que, além de inconstitucional e desproporcional, vedando-se uma empresa do recebimento de benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios pode levar a sua destruição e, consequentemente, a dezenas e centenas de empregos.

Observe-se que, dependendo de cada caso, a aplicação das sanções de proibição de contratar com o Poder Público, ou proibição de receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, mormente pela ausência de previsão constitucional, nas ações de improbidade administrativa, é grave excesso punitivo que pode levar à destruição de inúmeros empregos e empresas que, em alguns casos por mera irregularidade, são envolvidas judicialmente nas ações da Lei nº 8.429/92.

Demonstra-se, destarte, que as sanções aos atos de improbidade, não previstas no artigo 37, § 4º, da Constituição Federal de 1988, além de inconstitucionais, afetam direitos e garantias fundamentais e pode ter consequências de gravidade incalculável na vida cotidiana de milhares de pessoas jurídicas e físicas submetidas aos processos de improbidade administrativa.

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Sobre o autor
Juvimário Moreira

Advogado, Professor e Palestrante. Especialidade em Direito Penal e Improbidade Administrativa.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MOREIRA, Juvimário. A inconstitucionalidade material de sanções previstas no artigo 12 da Lei de Improbidade Administrativa. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5455, 8 jun. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/65967. Acesso em: 22 dez. 2024.

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