Recentemente vivemos a tragédia anunciada do incêndio e desabamento da antiga sede da Polícia Federal em São Paulo (edifício Wilton Paes de Almeida), no largo do Paissandu, que foi ocupado por sem-tetos, em meados dos anos 2000, de forma precária e sem a observância das condições sanitárias e de segurança necessárias para habitar.
O ‘boom imobiliário’ vivido pelas cidades brasileiras no início dos anos 2000 e, logo após, a vertiginosa queda da econômica brasileira, fizeram com que surgissem na paisagem das cidades esqueletos de prédios inacabados e no aguardo de providências judiciais e administrativas, facilitando assim a ocupação por grupos de sem-tetos e até mesmo imigrantes que chegam ao país sem conhecer ninguém, e sem alternativa acabam indo para essas ocupações.
Os municípios podem agir por meio de frentes de trabalhos, visando evitar o abandono de prédios e casas e, consequentemente, ocupações irregulares.
Desde adequação na legislação local sobre o tema até parcerias com associações e universidade podem contribuir para evitar este problema.
Inicialmente, cumpre destacar que conforme a Constituição Federal a propriedade no Brasil deve atender sua função social:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(...)
XXIII - a propriedade atenderá a sua função social;
Desta forma, a propriedade é um direito individual garantido pela Constituição, entretanto, para o seu exercício há a condicionante do alcance da função social. Assim estamos frente a um direito-dever que garante a fruição da propriedade ao indivíduo e a obrigação do mesmo, da sociedade e do Estado de que a propriedade cumpra sua função social.
Encontramos a definição de função social da propriedade urbana no Estatuto das Cidades. Vejamos o art. 39 deste diploma legal:
Art. 39. A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor, assegurando o atendimento das necessidades dos cidadãos quanto à qualidade de vida, à justiça social e ao desenvolvimento das atividades econômicas, respeitadas as diretrizes previstas no art. 2o desta Lei. (grifo nosso).
Portanto, arrisco-me a conceituar que a função social da propriedade urbana é alcançada quando no local há uma atividade de moradia, trabalho, preservação do meio ambiente, preservação histórica ou cultural ou constituição de rendimento patrimonial.
Assim, a fiscalização do município precisa ser constante, visando verificar se uns desses requisitos estão revestindo as propriedades.
Obviamente que é uma tarefa árdua para os municípios fiscalizar todos os prédios e casas, todavia, medidas simples podem contribuir com esta atividade.
A divulgação permanente dos canais de denúncia é atitude simplória, mas sempre eficaz.
A criação de Cadastro Municipal visando registrar as propriedades que encontram-se em litígio judicial ou desocupadas, parece-me medida de suma importância que auxiliaria os municípios no controle da função social da propriedade.
Através de lei municipal as Prefeituras podem incumbir aos responsáveis legais a iniciativa de informar o motivo da desocupação, lembrando que não é vedado possuir imóvel para fins de rendas e constituição de patrimônio.
Com esse cadastro as Prefeituras podem monitorar a situação dos prédios desocupados, devendo criar a obrigação para os responsáveis legais de informarem constantemente a situação do imóvel, penalizando com multa quem deixar de prestar as informações.
Destaco que tal iniciativa deve ser amplamente divulgada, com campanhas permanentes e prazo razoável para o início da vigência legal.
Outra medida simples é oficiar a Justiça local para informar os processos de disputa de propriedade e os inventários, para que os municípios tomem conhecimento se há propriedades desocupadas e as registrem no cadastro municipal.
A regulamentação de processo administrativo para arrecadação de imóveis urbanos abandonados é outra medida que contribuirá neste controle.
O Código Civil Brasileiro permite o processo de arrecadação, desta forma, basta os municípios, via decreto, regulamentarem os procedimentos. Vejamos o dispositivo do Código Civil:
Art. 1.276. O imóvel urbano que o proprietário abandonar, com a intenção de não mais o conservar em seu patrimônio, e que se não encontrar na posse de outrem, poderá ser arrecadado, como bem vago, e passar, três anos depois, à propriedade do Município ou à do Distrito Federal, se se achar nas respectivas circunscrições.
Os municípios podem formular parceiras com associações e universidades com o intuito de estabelecer políticas públicas desta área. Com as universidades pode-se firmar convênio para atividades extracurriculares, como vistorias e mutirões visando cadastrar imóveis. Com as associações devem-se criar diálogos com o intuito de colher ideias e demonstrar a sociedade a importância de considerar o tema uma meta governamental.
Além destas medidas, o que não pode acontecer é o fato de áreas e prédios de propriedade do Estado serem abandonados como se não tivessem mais serventia estatal.
Os municípios precisam compreender que a função social da propriedade necessita de ampla fiscalização, pois é o mecanismo de intervenção estatal que garante o uso adequado deste bem imóvel.