Escola sem Partido?

12/05/2018 às 14:46
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É possível ler a Política sem tomar partido? Como ensinar algoritmo sem tomar o partido da Ética? Entretanto, o ensino da técnica com ética não toma o partido contrário ao do "mercado"? Neste caso, o partido da Ética não combate a ideologia dominante?

O texto não trará conclusões; pois, limita-se a indicar suposições (como afirmativas) à espera que o(a) leitor(a) conclua por si mesmo. Alguns poderão ver nas interrogações apenas “perguntas retóricas”, ou seja, como evidente conclusão e, neste caso, ressaltando-se suas negatividades. Também isto ficará a cargo de quem se dispuser a refletir sobre a temática. Outros farão conexões com movimentos decisivos do capital nacional e internacional, a exemplo da “Escola OI”: após a operadora de telefonia adotar e passar a gerir uma unidade escolar.

Pois bem, vejamos:

Considerando-se que algumas políticas são liberais, outras são democráticas – e algumas são libertárias,

Considerando-se que alguns pensamentos são conservadores, outros reacionários,

Considerando-se que algumas ações são revolucionárias, outras apenas modeladoras do satus quo,

Considerando-se que muitos também são progressistas,

Tenhamos em consideração que uma proposta liberal, por exemplo, pode propor a descriminalização do aborto e do consumo de maconha. Tanto quanto o liberalismo defende intransigentemente a democracia e o Princípio do Contraditório – do qual se exclui a iniciativa fascista de pregação do ódio, da discriminação e da intolerância à diferença.

Ainda consideremos que uma iniciativa democrática, seguindo a cidadania ativa, participativa, emancipatória, pode trazer a pauta do recall judicial ou o voto não obrigatório - ou o aprofundamento das cotas no ensino público superior.

Consideremos, igualmente, que determinados posicionamentos são libertários, igualitários na raiz dos fatos (radicais), como a busca de autonomia e isonomia acadêmica no Maio de 68. (50 anos em 2018).

Do mesmo modo, considere-se que um pensamento conservador pode bem ser aquele dos nossos avós, alegando que são casados há décadas; mas que não massacram filhos separados ou netos que formam famílias sem casamentos (união estável). No geral, nos esforçamos para conservar muitas coisas, conquistas, bem como para nos livrarmos de outros apegos empedernidos (típicos de preconceitos) e já sem sentido.

Porém, é necessário que se considere que o conservadorismo em política é muito diferente do ato de conservar ideias, emoções, amizades e outras relações sociais na vida pessoal – e mesmo que tudo isto se faça presente no cenário político, quando uma lei, por exemplo, apela para os “bons costumes dos Homens de Bem”.

Leve-se em consideração que reacionários são atores sociais e políticos que defendem a concentração de renda, a volta dos militares, a pena de morte, a redução da maioridade penal - em exemplos diretos. Reacionários defendem a restrição da liberdade, ou seja, aprovam o status quo ante: que havia “anteriormente”, num passado esquecido pelas mudanças progressistas que chegaram ao presente.

Consideremos ainda que reacionários não se prendem ao Princípio Teleológico do direito, exatamente porque se voltam ao passado retumbante, anexado no status quo ante, antes do nosso tempo, que lhe esvai pela memória também envelhecida, embrutecida pela falta de perspectiva que não esteja ancorada em um passado que não lhe chega nunca. O famoso Unabomber, nos EUA, terrorista contra a ciência moderna é um modelo típico ideal.

Contudo, tenhamos em consideração que todos somos, uma hora ou outra, saudosistas, revivendo pelo recurso da memória alguma experiência que marcou nossa personalidade – sendo sabedores que, o(a) saudosista pode ser chato, sem que seja exatamente reacionário(a).

Por outro lado, consideremos que uma iniciativa revolucionária mudaria as regras do sistema produtivo que conhecemos hoje, socializaria os meios de produção, estatizaria bancos, obrigaria à nacionalização de multinacionais, combateria ferozmente a corrupção da coisa pública e a privatização do espaço púbico.

Tenhamos em consideração que alguns poderiam pregar o esfacelamento do Estado e que outros gostariam de acabar com todo o Direito (em desconsideração à ontologia afirmativa, provinda da Antropologia Política, de que jamais houve uma organização social humana desconhecedora do entrelaçamento obrigatório entre regras sociais e normas jurídicas).

No sentido oposto, considere-se que uma ação modeladora do status quo poderia, por exemplo, rever a assim chamada reforma trabalhista ou impedir totalmente os privilégios pecuniários (estamentais) da magistratura e do Ministério Público.

Então, mudar remodelando, equivale a não-transformar radicalmente (na raiz dos fatos): na Comuna de Paris os juízes eram populares e eleitos.

Considere-se que, ao contrário de revolucionar, remodelar implica em tornar mais digerível ou funcional um determinado sistema. Algo como mudar para permanecer ou “dar os anéis para manter os dedos”. A chamada Revolução de 30, no Brasil, é um celeiro cheio para esse entendimento.

Além disso, consideremos que outros projetos seriam progressistas, inovadores, quase utópicos ou poéticos, como supor que crianças e jovens pudessem ter aulas de sociologia, filosofia, disciplinas específicas em direitos humanos - e algoritmos: considerando-se que a interface entre técnica e ética seria ditada pelas Leis da Cibernética (Asimov) .

Portanto, considerando-se este breve mapa conceitual, como você classificaria o projeto Escola Sem Partido?

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Sobre o autor
Vinício Carrilho Martinez

Pós-Doutor em Ciência Política e em Direito. Coordenador do Curso de Licenciatura em Pedagogia, da UFSCar. Professor Associado II da Universidade Federal de São Carlos – UFSCar. Departamento de Educação- Ded/CECH. Programa de Pós-Graduação em Ciência, Tecnologia e Sociedade/PPGCTS/UFSCar Head of BRaS Research Group – Constitucional Studies and BRaS Academic Committee Member. Advogado (OAB/108390).

Informações sobre o texto

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