Uma visão do combate ao trabalho escravo contemporâneo no Brasil pela ótica dos direitos humanos

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2. DIREITOS HUMANOS NO BRASIL

2.1 Conceito de direitos humanos

Atualmente a sociedade enfrenta inúmeras discussões sobre o papel do cidadão na criação de uma sociedade em que os direitos basilares sejam garantidos e respeitados, tanto pelo estados como daqueles que nele vivem, restando evidente que esta mesma sociedade saiba da importância dos Direitos Humanos como cimento para solidificação da democracia e do respeito aos direitos do cidadão.

Destaca-se que o conceito de Direitos Humanos está intimamente ligado com a dignidade da pessoa humana. Para que uma pessoa, seja ela estrangeira, cidadão ou apátrida possa viver uma vida digna, se faz importante a sua aplicação na vida de cada um e na comunidade como um todo.

Para que possamos entender melhor o conceito de Direitos Humanos, podemos citar Casado Filho (2012, p. 21):

Somando todas essas ideias, temos que os Direitos Humanos são um conjunto de direitos, positivados ou não, cuja finalidade é assegurar o respeito à dignidade da pessoa humana, por meio da limitação do arbítrio estatal e do estabelecimento da igualdade nos pontos de partida dos indivíduos, em um dado momento histórico

Fica explicado, então, que os Direitos Humanos representam valores fundamentais expressos na Constituição sendo o fundamento último do Estado Brasileiro e base para aplicação e interpretação da nossa Carta Magna em toda a sua forma.

As principais características ou ideias-chaves dos Direitos humanos são sua universalidade, essencialidade, superioridade normativa e a vedação do retrocesso; Ramos (2014, p.25) conceitua estas características:

A universalidade consiste no reconhecimento de que os direitos humanos são direitos de todos, combatendo a visão estamental de privilégios de uma casta de seres superiores. Por sua vez, a essencialidade implica que os direitos humanos apresentam valores indispensáveis e que todos devem protegê-los. Além disso, os direitos humanos são superiores a demais normas, não se admitindo o sacrifício de um direito essencial para atender as “razões de Estado”; logo, os direitos humanos representam preferências preestabelecidas que, diante de outras normas, devem prevalecer. Finalmente, a reciprocidade é fruto da teia de direitos que une toda a comunidade humana, tanto na titularidade (são direitos de todos) quanto na sujeição passiva: não há só o estabelecimento de deveres de proteção de direitos ao Estado e seus agentes públicos, mas também à coletividade como um todo. Essas quatro ideias tornam os direitos humanos como vetores de uma sociedade humana pautada na igualdade e na ponderação dos interesses de todos (e não somente de alguns).

A universalidade explica que deve-se alcançar todos os seres humano sem distinção, independe de raça, cor, nacionalidade ou qualquer outro fator. Já a essencialidade explica que os Direitos Humanos são inerentes ao ser humano, tendo como base os valores maiores, como o respeito à dignidade e seus aspectos formais.

Entende-se que a superioridade relativa dos Direitos humanos é como um prisma, através do qual devemos olhar todos as outras leis, tratados e acordos. Já a vedação do retrocesso, como o próprio nome diz, explica que os Direitos Humanos jamais podem ser reduzidos ou diminuídos no que tange o aspecto ao tamanho da sua proteção.

Através desta explicação já se consegue enxergar a importância dos Direitos Humanos, cujo conjunto de direitos possibilita uma vida digna para o indivíduo que vive em uma sociedade em equilíbrio consigo mesma e com os outros.

Os Direitos Humanos também não surgiram instantaneamente, e foi na verdade o resultado de muitas conquistas em diferentes partes do mundo, como qualquer outra grande conquista passou por inúmeras fases, cada uma com suas características próprias, seus pontos positivos e negativos, e permitiram de modo que as evoluções cientificas, sociais e tecnologias chegassem ao que se entende por Direitos Humanos nos dias atuais.

Olhamos para o passado, para não cometer os mesmos erros, por isso a extrema importância de se compreender o significado atual de Direitos Humanos, para que se eliminem os erros e se aperfeiçoem os acertos. Assim como explica Ramos (2014, p.28):

Não há um ponto exato que delimite o nascimento de uma disciplina jurídica. Pelo contrário, há um processo que desemboca na consagração de diplomas normativos, com princípios e regras que dimensionam o novo ramo do Direito. No caso dos direitos humanos, o seu cerne é a luta contra a opressão e busca do bem-estar do indivíduo; consequentemente, suas “ideias-âncoras” são referentes à justiça, igualdade e liberdade, cujo conteúdo impregna a vida social desde o surgimento das primeiras comunidades humanas. Nesse sentido amplo, de impregnação de valores, podemos dizer que a evolução histórica dos direitos humanos passou por fases que, ao longo dos séculos, auxiliaram a sedimentar o conceito e o regime jurídico desses direitos essenciais.

A contar dos primeiros escritos das comunidades humanas ainda no século VIII a.C. até o século XX d.C., são mais de vinte e oito séculos rumo à afirmação universal dos direitos humanos, que tem como marco a Declaração Universal de Direitos Humanos de 1948.

2.2. A hierarquia dos tratados internacionais de direitos humanos

A doutrina nacional sempre entendeu que os tratados de direitos humanos possuem status constitucional, porém este não era o entendimento do Supremo Tribunal Federal.

A corte maior entendia que os tratados possuíam a mesma hierarquia que as leis federais, como consequência, lei posterior ao tratado poderia afastar a aplicação de tratado anterior que fosse incompatível com a lei. Esse posicionamento era o vigente antes da Emenda Constitucional n.45/2004, que foi estabelecido no julgamento do Recurso Extraordinário n. 80.004, em 1977.

Como resume Castilho (2012, p. 118):

Em suma, para o STF, independentemente de qual fosse a matéria versada em tratado internacional, seu status, em nosso ordenamento, seria sempre o de lei federal, de modo que nada impediria que fosse ele posteriormente revogado por lei que a ele sucedesse e que com ele fosse incompatível.

Com a vinda da Emenda Constitucional n. 45, de 8 de dezembro de 2004, houve significativas alterações, ao modificar o art. 5º, § 3º da Constituição Federal do Brasil com a seguinte redação:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

§ 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004) (Atos aprovados na forma deste parágrafo)

Porém, mesmo com a Emenda Constitucional n. 45, não se resolveu por completo qual seria a hierarquia dos tratados internacionais de direitos humanos, pois o dispositivo não esclarece que status os mesmos possuiriam caso não tramitassem da forma prevista pelo artigo.

Inclusive, criando-se uma dúvida sobre aonde se encaixariam os tratados anteriores à emenda, questiona Casado Filho (2012, p. 116)

Entretanto, surgia uma dúvida: e os tratados sobre direitos humanos anteriores à Emenda Constitucional n. 45/2004, como ficavam na ordem constitucional brasileira? Seriam equivalentes às leis federais, como os demais tratados internacionais? Seriam equiparados à Constituição? Ou se encaixariam em alguma outra categoria hierárquica?

O atual entendimento do Supremo Tribunal Federal foi modificado em 3 de dezembro de 2008, quando por unanimidade, os ministros negaram provimento ao Recurso Extraordinário n. 466.343-1, que tinha como tema de debate a prisão civil do devedor como depositário infiel.

Esta prisão entrava em conflito com o art. 7º, § 7º, da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), que proíbe a prisão por dívida.

A tese que tomou corpo a partir dessa decisão, foi a do Ministro Gilmar Mendes, de que os tratados internacionais possuíam status infraconstitucionais, mas acima das leis ordinárias, como explicado pelo próprio Ministro:

Em conclusão, entendo que, desde a ratificação, pelo Brasil, sem qualquer reserva, do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (art. 11) e da Convenção Americana sobre Direitos Humanos – Pacto de San José da Costa Rica (art. 7º, 7), ambos no ano de 1992, não há mais base legal para prisão civil do depositário infiel, pois o caráter especial desses diplomas internacionais sobre direitos humanos lhes reserva lugar específico no ordenamento jurídico, estando abaixo da Constituição, porém acima da legislação interna. O status normativo supralegal dos tratados internacionais de direitos humanos subscritos pelo Brasil, dessa forma, torna inaplicável a legislação infraconstitucional com ele conflitante, seja ela anterior ou posterior ao ato de ratificação. Assim ocorreu com o art. 1.287. do Código Civil de 1916 e com o Decreto-Lei n° 911/69, assim como em relação ao art. 652. do Novo Código Civil (Lei n° 10.406/2002).

(RECURSO EXTRAORDINÁRIO 466.343-1 SÃO PAULO RELATOR: MIN. CEZAR PELUSO)

Entende-se, então, que houve uma grande evolução no pensamento da corte, que até aquele momento entendia que que os tratados possuíam apenas status de lei ordinária.

Porém, o entendimento mais vanguardista é de Piovesan (2013, p.475)

8) Por força do art. 5º, § 2º, da Constituição Federal de 1988, todos os tratados de direitos humanos, independentemente do quórum de aprovação, são materialmente constitucionais, compondo o bloco de constitucionalidade. O quórum qualificado introduzido pelo § 3º do mesmo artigo (fruto da Emenda Constitucional n. 45/2004), ao reforçar a natureza constitucional dos tratados de direitos humanos, vem a adicionar um lastro formalmente constitucional aos tratados ratificados, propiciando a “constitucionalização formal” dos tratados de direitos humanos no âmbito jurídico interno. Nessa hipótese, os tratados de direitos humanos formalmente constitucionais são equiparados às emendas à Constituição, isto é, passam a integrar formalmente o Texto. Com o advento do § 3º do art. 5º surgem, assim, duas categorias de tratados internacionais de proteção de direitos humanos: a) os materialmente constitucionais; e b) os material e formalmente constitucionais. Frise-se: todos os tratados internacionais de direitos humanos são materialmente constitucionais, por força do § 2º do art. 5º. Para além de serem materialmente constitucionais, poderão, a partir do § 3º do mesmo dispositivo, acrescer a qualidade de formalmente constitucionais, equiparando-se às emendas à Constituição, no âmbito formal.

9) Essa conclusão advém de interpretação sistemática e teleológica do Texto, especialmente em face da força expansiva dos valores da dignidade humana e dos direitos fundamentais, como parâmetros axiológicos a orientar a compreensão do fenômeno constitucional. A conclusão decorre ainda do processo de globalização, que propicia e estimula a abertura da Constituição à normatividade internacional — abertura que constitui um traço marcante da ordem constitucional contemporânea, alargando o “bloco de constitucionalidade”, como forma de densificação ou revelação específicas de princípios ou regras constitucionais positivas. Também em favor da natureza constitucional dos direitos enunciados em tratados internacionais, acrescente-se a natureza materialmente constitucional dos direitos fundamentais, como ainda o princípio da máxima efetividade das normas constitucionais referentes a direitos e garantias fundamentais, o que justifica estender aos direitos enunciados em tratados o regime constitucional conferido aos demais direitos e garantias fundamentais.

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O entendimento da autora é de que todos os tratados internacionais de direitos humanos teriam força constitucional, sendo estes equivalentes às emendas à constituição, afastando de lado o pensamento segundo o qual todos os tratados de direitos humanos já ratificados seriam recebidos como lei federal, pois não teriam recebido o quórum qualificado de três quintos, visto que não seria razoável sustentar que os tratados de direitos humanos já ratificados fossem recepcionados como lei federal, enquanto os demais adquirissem hierarquia constitucional exclusivamente em virtude de seu quórum de aprovação, conforme explica Piovesan (2013, p.129).

2.3. Principais tratados e convenções internacionais de direitos humanos sobre o trabalho escravo

Conforme explica Piovesan (2013, p. 107), os tratados internacionais são acordos internacionais juridicamente obrigatórios e vinculantes que constituem hoje a principal fonte de obrigação do Direito Internacional, sendo os mesmos disciplinados e regulamentados Convenção de Viena, concluída em 1969, que teve por finalidade servir como a Lei dos Tratados.

Conceito explanado por Castilho (2012, p.100):

Tratados são acordos internacionais concluídos por escrito entre Estados e regidos pelo Direito Internacional, quer constem de um instrumento único, quer de dois ou mais instrumentos anexos, qualquer que seja sua denominação específica. Constituem a principal fonte de obrigação do Direito Internacional. O termo “tratado”, em verdade, é genérico, e abrange também pactos, convenções, cartas, convênios e protocolos firmados entre países.

Estes tratados internacionais só criam regras para os estados-membros que expressamente consentiram com sua adoção, conforme explica Piovesan (2013, p.129):

Se assim é, a primeira regra a ser fixada é a de que os tratados internacionais só se aplicam aos Estados-partes, ou seja, aos Estados que expressamente consentiram em sua adoção. Os tratados não podem criar obrigações para os Estados que neles não consentiram, ao menos que preceitos constantes do tratado tenham sido incorporados pelo costume internacional. Como dispõe a Convenção de Viena: “Todo tratado em vigor é obrigatório em relação às partes e deve ser cumprido por elas de boa-fé”. Acrescenta o art. 27. da Convenção: “Uma parte não pode invocar disposições de seu direito interno como justificativa para o não cumprimento do tratado”. Consagra-se, assim, o princípio da boa-fé, pelo qual cabe ao Estado conferir plena observância ao tratado de que é parte, na medida em que, no livre exercício de sua soberania, o Estado contraiu obrigações jurídicas no plano internacional.

Castilho (2012. p.108) também comenta sobre o assunto:

Enfatize-se que os tratados são, por excelência, expressão de consenso. Apenas pela via do consenso podem os tratados criar obrigações legais, uma vez que Estados soberanos, ao aceitá-los, comprometem-se a respeitá-los. A exigência de consenso é prevista pelo art. 52. da Convenção de Viena, quando dispõe que o tratado será nulo se a sua aprovação for obtida mediante ameaça ou pelo uso da força, em violação aos princípios de Direito Internacional consagrados pela Carta da ONU.

Podemos então entender que os tratados internacionais são acordos entre estados-membros, que ao aceitá-lo, tornam os mesmos leis a serem seguidas em seu território, não podendo usar do direito interno para negar o cumprimento do tratado.

Inúmeros tratados internacionais de direitos humanos foram assinados e ratificados durantes os anos pelo Brasil, como A Declaração Universal de Direitos Humanos (DUDH) de 1948, o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (PIDCP), a Convenção n.º 29 da OIT, sobre o trabalho forçado ou obrigatório, a Convenção n.º 105 da OIT, sobre a Abolição do Trabalho Forçado, o Protocolo de 2002 relativo à Convenção da Organização Internacional do Trabalho sobre a Segurança e a Saúde dos Trabalhadores, entre outros.

Porém ao citarmos os tratados internacionais de direitos humanos que tenham conexão com o trabalho escravo, é necessário indagar quais são os precedentes históricos da proteção desses direitos.

Segundo Piovesan (2014, p. 187), O Direito Humanitário, a Liga das Nações e a Organização Internacional do Trabalho situam-se como os primeiros marcos do processo de internacionalização dos direitos humanos. Sendo estes os percursores de todos os tratados que o Brasil é consignatário.

A principal evolução para o tema aqui discutido, foi a criação da Organização Internacional do Trabalho (OIT), única agência das agências das Nações Unidas com uma estrutura tripartite, composta por representantes de governos e de organizações de empregadores e de trabalhadores.

A Organização Internacional do Trabalho (OIT) é uma agência especializada das Nações Unidas que tem por missão promover oportunidades para que homens e mulheres possam ter acesso a um Trabalho Decente.

Esta entidade tem a competência de realizar tratados, convenções e recomendações de matéria trabalhista entre seus países membros. Sua criação decorreu do entendimento constante no preâmbulo de sua constituição de que a paz universal só pode basear-se na justiça social.

Segundo a Constituição da Organização Internacional do Trabalho (Declaração de Filadélfia), em seu próprio preâmbulo:

Considerando que existem condições de trabalho que implicam, para grande número de indivíduos, miséria e privações, e que o descontentamento que daí decorre põe em perigo a paz e a harmonia universais, e considerando que é urgente melhorar essas condições no que se refere, por exemplo, à regulamentação das horas de trabalho, à fixação de uma duração máxima do dia e da semana de trabalho, ao recrutamento da mão-de-obra, à luta contra o desemprego, à garantia de um salário que assegure condições de existência convenientes, à proteção dos trabalhadores contra as moléstias 3 graves ou profissionais e os acidentes do trabalho, à proteção das crianças, dos adolescentes e das mulheres, às pensões de velhice e de invalidez, à defesa dos interesses dos trabalhadores empregados no estrangeiro, à afirmação do princípio "para igual trabalho, mesmo salário", à afirmação do princípio de liberdade sindical, à organização do ensino profissional e técnico, e outras medidas análogas;

A OIT com coordenação de Leonardo Sakamoto (2006, p. 4) também lançou o livro Trabalho Escravo no Brasil do Século XXI, que é considerado o estudo mais completo feito já feito sobre a situação do trabalho escravo contemporâneo no Brasil, fruto de um esforço conjunto do Escritório da Organização Internacional do Trabalho e de especialistas no tema.

Através deste estudo, e do apoio da Organização Internacional do Trabalho, pode-se ter uma ideia sobre a realidade do trabalho escravo no Brasil na atualidade e a efetividade das ações ao combate ao trabalho forçado. Conforme Sakamoto (2006, p. 7-8):

Já tendo demonstrado importante liderança internacional nessa matéria, o Brasil tem uma chance real de desenvolver um modelo integrado para a Aliança Global contra o Trabalho Forçado. Avançando no fortalecimento de uma rede de proteção social e na criação de oportunidades de geração de renda e trabalho decente, integrando medidas preventivas com a rigorosa aplicação das leis, o País pode atacar as raízes da pobreza e da impunidade que suprem e fomentam o trabalho forçado, assim como punir os ofensores que lucram ilegalmente abusando da vulnerabilidade dos que tem menos condições. Por tirar proveito da vulnerabilidade dos mais pobres através de meios e procedimentos que ferem não apenas os direitos e princípios fundamentais no trabalho, como também os mais elementares direitos humanos à vida e à liberdade, o trabalho forçado é a verdadeira antítese da Agenda de Trabalho Decente promovida pela OIT.

Outro importante fator para o combate ao trabalho forçado foi a assinatura da Convenção nº 29 da OIT de 1930 que definiu sob o caráter de lei internacional o trabalho escravo como todo trabalho ou serviço exigido de uma pessoa sob a ameaça de sanção e para o qual não se tenha oferecido espontaneamente.

Esta mesma Convenção, proibiu o trabalho forçado em geral, incluindo à escravidão, que constitui-se no absoluto controle de uma pessoa sobre a outra, ou de um grupo de pessoas sobre outro grupo social. Com destaque para o seu art. 2:

Art. 2.

1. Para os fins da presente convenção, a expressão ‘trabalho forçado ou obrigatório’ designará todo trabalho ou serviço exigido de um indivíduo sob ameaça de qualquer penalidade e para o qual ele não se ofereceu de espontânea vontade.

2. Entretanto, a expressão ‘trabalho forçado ou obrigatório’ não compreenderá, para os fins da presente convenção:

a) qualquer trabalho ou serviço exigido em virtude das leis sobre o serviço militar obrigatório e que só compreenda trabalhos de caráter puramente militar;

b) qualquer trabalho ou serviço que faça parte das obrigações cívicas normais dos cidadãos de um país plenamente autônomo;

c) qualquer trabalho ou serviço exigido de um indivíduo como consequência de condenação pronunciada por decisão judiciária, contanto que esse trabalho ou serviço seja executado sob a fiscalização e o controle das autoridades públicas e que dito indivíduo não seja posto à disposição de particulares, companhias ou pessoas privadas;

d) qualquer trabalho ou serviço exigido nos casos de força maior, isto é, em caso de guerra, de sinistro ou ameaças de sinistro, tais como incêndios, inundações, fome, tremores de terra, epidemias, e epizootias, invasões de animais, de insetos ou de parasitas vegetais daninhos e em geral todas as circunstâncias que ponham em perigo a vida ou as condições normais de existência de toda ou de parte da população;

e) pequenos trabalhos de uma comunidade, isto é, trabalhos executados no interesse direto da coletividade pelos membros desta, trabalhos que, como tais, podem ser considerados obrigações cívicas normais dos membros da coletividade, contanto, que a própria população ou seus representantes diretos tenham o direito de se pronunciar sobre a necessidade desse trabalho.

Este artigo, além de definir a proibição do trabalho escravo, também cita as exceções ao mesmo, como por exemplo o serviço exigido em virtude das leis sobre o serviço militar obrigatório ou trabalhos em casos de força maior, como guerras.

A convenção 105 da Organização Internacional do Trabalho também é muito importante para a erradicação do trabalho forçado, visto que prevê em seu art. 1:

Todo País-membro da Organização Internacional do Trabalho que ratificar esta Convenção compromete-se a abolir toda forma de trabalho forçado ou obrigatório e dele não fazer uso:

a) como medida de coerção ou de educação política ou como punição por ter ou expressar opiniões políticas ou pontos de vista ideologicamente opostos ao sistema político, social e econômico vigente;

b) como método de mobilização e de utilização da mão-de-obra para fins de desenvolvimento econômico;

c) como meio de disciplinar a mão-de-obra;

d) como punição por participação em greves;

e) como medida de discriminação racial, social, nacional ou religiosa

É possível citar também a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, que, segundo Casado Filho (2012, p. 70):

A partir da Declaração, pode-se dizer que o ser humano começou a ter voz no plano internacional, com uma Declaração realizada e idealizada na perspectiva dos governados.

A Declaração estabeleceu uma gama completa de direitos aplicáveis a todos os povos do mundo. A autoridade suprema deixava de ser a vontade do soberano ou as “razões de Estado” para passar a ser a qualidade de humanidade que todos os povos do mundo têm em comum.

O Preâmbulo já coloca a dignidade da pessoa humana como fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo. Em seguida, estabelece como direitos as necessidades essenciais que todos os indivíduos têm, independentemente das diferenças entre eles.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos teve importante papel na construção dos direitos fundamentais, visto que, pela primeira vez, colocou a dignidade humana como fundamento da liberdade, criando segundo Casado Filho (2012, p. 71), um ideal comum a ser atingido por todos os povos e todas as nações, iniciando um movimento mundial para promover o respeito universal a esses direitos que proclamou.

Neste panorama, cita-se também o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, adotado pela Assembleia Geral da ONU em 1966, no seu artigo 8º, inciso § 1º, dispõe que “ninguém poderá ser submetido à escravidão; a escravidão e o tráfico de escravos, em todas as suas formas, ficam proibidos”, e, ainda, em seu § 2º “ninguém poderá ser submetido à servidão”.

Também, destaca-se a Convenção Americana de Direitos Humanos de 1969, conhecida como Pacto San Jose da Costa Rica, ratificada pelo Brasil em 1992, que também consagra a proteção específica que proíbe a escravidão e a servidão conforme previsto em seu artigo 6º prevendo que “ninguém pode ser submetido à escravidão ou à servidão, e tanto estas como o tráfico de escravos e o tráfico de mulheres são proibidos em todas as formas” (BRASIL, 1992).

Diante do exposto fica claro a importância dos tratados internacionais de direitos humanos em frente ao combate ao trabalho escravo, não só Brasil, mas em todo o mundo.

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Sobre o autor
Diego Parentes Fortes Dias Castro

Advogado especialista em Teresina - Piauí em direito trabalhista e previdenciário, com formação pela Faculdade das Atividades Empresariais de Teresina. Conheça nosso site: https://diegocastro.adv.br/

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Monografia apresentada à Faculdade das Atividades Empresariais de Teresina- FAETE, como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Direito, sob orientação da Profª. Vitória Josefina Rocha D’almeida Mota.

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