3. FORMAS DE COMBATE AO TRABALHO ESCRAVO
3.1. Principais formas de combate ao trabalho escravo no Brasil
Há de se verificar quais são as formas atualmente utilizadas pelo poder estatal para o combate de trabalho forçado no Brasil, conferindo sua eficácia e comparando resultados com outras possíveis formas de erradicação ao trabalho escravo.
Um das primeiras atitudes positivas nesse sentido foi a reformulação em 1995, quando aconteceu a criação do Grupo Executivo de Repressão ao Trabalho Forçado (GERTRAF) para combater o trabalho escravo, prevendo a articulação de diversas áreas do Governo Federal e o seus ministérios, conforme Figueira (2004, p. 360):
Nesse sentido, em 1995 foi criado o Grupo Executivo de Repressão ao Trabalho Forçado (GERTRAF) para “combater o trabalho escravo”, em um contexto em que as autoridades governamentais manifestavam-se em documentos escritos utilizando, preferencialmente, o termo “trabalho forçado”.
Sua atuação previa a articulação de diversas áreas do Governo, contando, desse modo, com representantes de sete ministérios - Ministérios da Justiça, do Meio Ambiente, dos Recursos Hídricos e da Amazônia Legal, da Agricultura e do Abastecimento, da Indústria do Comércio e do Turismo, da Política Fundiária, da Previdência e Assistência Social -, sob a coordenação do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE).
Em 2002, foi criado o projeto “Combate ao Trabalho Escravo no Brasil”, momento em que o governo brasileiro em parceria com a Organização Internacional do Trabalho, buscou fortalecer as instituições nacionais que defendem os direitos humanos, conforme Costa (2010, p. 126):
Em sintonia com as particularidades e necessidades brasileiras para o enfrentamento da questão, o Projeto de Cooperação Técnica “Combate ao Trabalho Escravo no Brasil”, desenvolvido pela OIT, desde abril de 2002, tem buscado fortalecer a articulação das instituições nacionais parceiras (governamentais e não-governamentais) que defendem os direitos humanos, além de contribuir para a prevenção do trabalho escravo e a reabilitação de trabalhadores resgatados, de modo a evitar o seu retorno às condições de trabalho análogas à escravidão. A OIT-Brasil, desse modo, atua em uma lógica complementar ao Governo Brasileiro, que centra esforços nos mecanismos de repressão do trabalho escravo.
Atualmente, os esforços se concentram na Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo (CONATRAE), que foi primeiro elaborada em março de 2003 e reúne aspirações das diferentes instituições que atuam no combate ao problema, sendo formada por representantes dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário e de vários segmentos da sociedade civil.
A CONATRAE tem como objetivo fiscalizar e acompanhar as metas estabelecidas em um conjunto de ações propostas pelo Governo Brasileiro no Acordo de Solução Amistosa assinado perante a Organização dos Estados Americanos (OEA), tendo ampla participação do OIT-Brasil na elaboração do projeto, solução esta a ser estudada no próximo capitulo.
O Plano Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo obteve importantes resultados, ajudando o Brasil ao combate ao trabalho forçado e ao cumprimento da solução amistosa realizada com a OEA.
Esta solução foi implementada após a denúncia do Brasil a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, que é um órgão autônomo da Organização dos Estados Americanos. Segundo Casado Filho (2012, p. 85):
A Comissão Interamericana de Direitos Humanos, na forma do que dispõe a Convenção Interamericana de Direitos Humanos, é um órgão autônomo da OEA, cuja função principal é promover a observância, a defesa e a promoção dos Direitos Humanos e servir como órgão consultivo da OEA sobre a matéria.
A CIDH é formada por 7(sete) membros, com mandatos de 4(quatro) anos, renováveis por mais 4(quatro) anos, que tenham se destacado na área de conhecimento dos direitos humanos, com sede em Washington (EUA), cuja atividades estão previstas no Pacto de San José, entre seus arts. 34. a 51.
Segundo Casado Filho (2012, p.87), a Comissão não tem função jurisdicional, mas exerce importante papel nos países membros, colocando sua influência para o efetivo cumprimento dos acordos:
A Comissão não tem função jurisdicional, mas exerce uma enorme influência sobre os países-membros. É ela que recebe as denúncias de violações que lhe são apresentadas pelas vítimas ou por quaisquer pessoas ou organizações não governamentais, contra atos que violam os direitos fundamentais por parte dos Estados ou que não tenham encontrado reconhecimento ou proteção por parte dos mesmos Estados. Tal fato faz com que a Comissão tenha uma função, nesta área, semelhante à atuação do Ministério Público.
A Comissão Interamericana de Direitos Humanos processa essas denúncias, e, após examiná-las e admiti-las, faz recomendações aos Estados. Ao final, decide se apresenta ou não o caso à Corte Interamericana. Assim, a Corte só passa a decidir sobre os casos que lhe são apresentados pela Comissão ou por um Estado-parte.
Casado Filho considera que apesar de não possuir função jurisdicional, a comissão tem mostrado ser o órgão mais eficaz do sistema interamericano, pelo menos no que se refere ao Brasil, alcançando importante conquistas (Casado Filho, 2012)
Outro importante projeto foi o cadastro instituído pela Portaria n. 540/2004 do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), que prevê o agrupamento dos nomes dos empregadores flagrados na exploração de trabalhadores em condições análogas às da escravidão e condenados administrativamente pelas infrações à legislação do trabalho.
Além de ficarem expostas perante a sociedade, as empresas incluídas na lista “suja” do trabalho escravo perdem, o acesso a financiamentos em bancos públicos, como o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e o Banco do Brasil, que assinaram o Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo
Podemos também citar as ações dos grupos móveis de fiscalização, Integrados por auditores fiscais do Trabalho, procuradores do Trabalho e policiais federais, segundo Sakamoto (2006, p. 54):
Em 1995, atendendo a reivindicações da sociedade civil, o governo federal criou os grupos móveis de fiscalização com o objetivo de averiguar as condições a que estão expostos trabalhadores rurais, principalmente em locais remotos. Quando encontram irregularidades, como trabalho escravo, trabalho infantil e superexploração do trabalho aplicam autos de infração que geram multas, além de garantir que os direitos sejam pagos aos empregados. Auditores fiscais do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), agentes e delegados da Polícia Federal e procuradores do Ministério Público do Trabalho (MPT) integram esses grupos. Hoje, são sete equipes – podendo se desdobrar em 14 – que rodam o país e respondem diretamente a Brasília.
O Brasil obteve relativa eficácia com as ações dos grupos móveis de fiscalização, sendo integrados por auditores fiscais do Trabalho, procuradores do Trabalho e policiais federais, liberando mais de 17 mil pessoas do trabalho forçado, através de 395 operações, conforme Sakamoto (2006, p. 24):
De 1995 até 2005, 17.983 pessoas foram libertadas em ações dos grupos móveis de fiscalização, integrados por auditores fiscais do Trabalho, procuradores do Trabalho e policiais federais. No total, foram 1.463 propriedades fiscalizadas em 395 operações. As ações fiscais demonstram que quem escraviza no Brasil não são proprietários desinformados, escondidos em fazendas atrasadas e arcaicas. Pelo contrário, são latifundiários, muitos produzindo com alta tecnologia para o mercado consumidor interno ou para o mercado internacional. Não raro nas fazendas são identificados campos de pouso de aviões. O gado recebe tratamento de primeira, enquanto os trabalhadores vivem em condições piores do que as dos animais.
3.2. Caso concreto
Para melhor compreensão do combate ao trabalho escravo é necessário que se veja a aplicação dos mecanismos no caso concreto, estudando aspectos da disciplina jurídica do trabalho forçado no Brasil o funcionamento do Sistema de Proteção Interamericano aos Direitos Humanos, especificamente no que se refere à Comissão Interamericana de Direitos Humanos.
Com referência de modo específico ao caso do adolescente José Pereira, vítima dessa prática na Fazenda Espirito Santo, localizada no sul do Estado do Pará, onde foi alegado a cumplicidade de agentes do Estado do Pará, dado que, em alguns casos, policiais estaduais prendem e devolvem para a fazenda os trabalhadores que conseguem escapar ou em outros casos, a polícia finge não ver quando os vigilantes privados tentam deter os trabalhadores fugitivos.
Através dessa denuncia, ficou claro que o próprio Estado é cúmplice da situação, ao ignorar os repetidos casos de ocorrência de trabalho escravo pelas mesmas empresas e empregadores.
Segundo Scaff (2010, p. 203), a denúncia foi realizada por Organizações Não Governamentais (ONGs) em 16 de dezembro de 1994:
Em 16 de dezembro de 1994, as organizações não governamentais Américas Watch e o Centro da Justiça e Direito Internacional apresentaram uma petição à Comissão contra o Brasil denunciando a prática de trabalho forçado (submissão de outrem a condições análogas à de escravo), além de violação ao direito à vida e à justiça no sul do estado do Pará.
O Brasil é acusado de violar os artigos I (direito à vida, à liberdade, à segurança e integridade física da pessoa), XIV (direito ao trabalho e à justa remuneração) e XXV (direito à proteção contra a detenção arbitrária) da Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, e também dos dispositivos 6 (proibição da escravidão e da servidão), 8 (garantias judiciais) e 25 (proteção judicial) em consonância com o art. 1. da Convenção Americana dos Direitos Humanos.
Um dos principais fatores apontados pelas Organizações Não Governamentais foi a cumplicidade dos agentes do Estado do Pará, frisando a corrupção no Brasil, alegando-se que a Policia Federal não havia investigado nenhuma denúncia feita desde 1987, só sendo realizado alguma diligência sobre o caso após diversos pedidos dos grupos de Direitos Humanos, conforme explica Scaff (2010, p. 205):
A despeito disso, argumentaram as peticionarias que até a data da denúncia ninguém no estado do Pará havia sido procurado ou condenado por este caso em particular, e que as investigações estavam muito lentas. Frisaram a corrupção no Brasil. Isto porque constataram existir cumplicidade dos agentes do estado do Pará, pois, não raras vezes, os policiais devolvem à fazenda os trabalhadores que tentam escapar.
Afirmam que as autoridades do Ministério do Trabalho e as da polícia federal não tomaram medidas capazes e eficazes para prevenir, impedir ou reprimir o crime em análise. Por fim, concluíram que o estado brasileiro é omisso quanto ao combate ao trabalho forçado. Isto porque a polícia federal não investigou as denúncias feitas desde 1987 com respeito à Fazenda Espírito Santo.
As investigações somente começaram sobre o caso José Pereira, após muita insistência por pressão de grupos de Direitos Humanos. Com isso, acrescentaram que as investigações começaram em 1989 e somente em 1994 as investigações da Polícia Federal foram levadas ao Judiciário para instauração do processo penal. Sob o argumento de que os recursos internos se esgotaram em face da demora na prestação jurisdicional brasileira, ingressaram com a petição na Comissão.
Em 18 de setembro de 2003, firmou-se uma solução amistosa junta a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, momento em que o Brasil pela primeira vez assumiu sua responsabilidade internacionalmente, conforme destaca Scaff (2010, p. 207):
O acordo constituiu um marco nas decisões relativas à violação dos direitos humanos para o país. Apesar de ser comum este tipo de solução entre os países membros da Organização dos Estados Americanos, o Brasil nunca havia assumido sua responsabilidade internacional.
Diante da incapacidade do Estado em prevenir e punir a prática do trabalho escravo neste particular, o caso em análise permaneceu impune no ordenamento jurídico interno. Isto porque a pena aplicada a um dos autores não pôde ser executada em virtude do excesso de tempo transcorrido entre o inquérito e o oferecimento da denúncia, a chamada prescrição retroativa.
Essa solução amistosa ficou prevista no Relatório Nº 95/03, CASO 11.289, e ocorreu em 23 de outubro de 2003, na qual previu que o Brasil tomaria Medidas de Prevenção, como modificações legislativas, medidas de fiscalização e repressão do trabalho escravo e medidas de sensibilização contra o trabalho escravo. Nesse sentido previu-se as modificações legislativas a seguir:
IV.1 Modificações Legislativas
10. A fim de melhorar a Legislação Nacional, que tem como objetivo proibir a prática do trabalho escravo no país, o Estado brasileiro compromete-se a implementar as ações e as propostas de mudanças legislativas contidas no Plano Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo, elaborado pela Comissão Especial do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, e iniciado pelo Governo brasileiro em 11 de março de 2003.
11. O Estado brasileiro compromete-se a efetuar todos os esforços para a aprovação legislativa (i) do Projeto de Lei Nº 2130-A, de 1996 que inclui, entre as infrações contra a ordem econômica, a utilização de mecanismos “ilegítimos da redução dos custos de produção como o não pagamento dos impostos trabalhistas e sociais, exploração do trabalho infantil, escravo o semi-escravo”; e (ii) o Substitutivo apresentado pela Deputada Zulaiê Cobra ao projeto de Lei Nº 5.693 do Deputado Nelson Pellegrino, que modifica o artigo 149 do Código Penal Brasileiro.
12. Por último, o Estado brasileiro compromete-se a defender a determinação da competência federal para o julgamento do crime de redução análoga à de escravo, com o objetivo de evitar a impunidade.
Percebe-se então a preocupação do Estado Brasileiro em trilhar pela via da sensibilização, o que remete ao olhar humanístico de preservação da dignidade.
O mesmo Relatório Nº 95/03, CASO 11.289, também tratou de medidas de fiscalização e repressão do trabalho escravo:
IV.2. Medidas de Fiscalização e Repressão do Trabalho Escravo
13. Considerando que as propostas legislativas demandarão um tempo considerável para serem implementadas na medida que dependem da atuação do Congresso Nacional, e que a gravidade do problema da prática do trabalho escravo requer a tomada de medidas imediatas, o Estado compromete-se desde já a: (i) fortalecer o Ministério Público do Trabalho; (ii) velar pelo cumprimento imediato da legislação existente, por meio de cobranças de multas administrativas e judiciais, da investigação e a apresentação de denúncias contra os autores da prática de trabalho escravo; (iii) fortalecer o Grupo Móvil do MTE; (iv) realizar gestões junto ao Poder Judiciário e a suas entidades representativas, no sentido de garantir o castigo dos autores dos crimes de trabalho escravo.
14. O Governo compromete-se a revogar, até o fim do ano, por meio de atos administrativos que lhe correspondam, o Término de Cooperação assinado em fevereiro de 2001 entre os proprietários de fazendas e autoridades do Ministério de Trabalho e do Ministério Público do Trabalho, e que foi denunciado no presente processo em 28 de fevereiro de 2001.
15. O Estado brasileiro compromete-se a fortalecer gradativamente a Divisão de Repressão ao Trabalho Escravo e de Segurança dos Dignatários-DTESD, criada no âmbito do Departamento da Policia Federal por meio da Portaria-MJ Nº 1.016, de 4 de setembro de 2002, de maneira a dotar a Divisão com fundos e recursos humanos adequados para o bom cumprimento das funções da Polícia Federal nas ações de fiscalização de denúncias de trabalho escravo.
16. O Estado brasileiro compromete-se a diligenciar junto ao Ministério Público Federal, com o objetivo de ressaltar a importância da participação e acompanhamento das ações de fiscalização de trabalho escravo pelos Procuradores Federais.
E, por último, no mesmo documento acima mencionado, no que diz respeito às medidas de sensibilização contra o trabalho escravo:
IV.3. Medidas de Sensibilização contra o Trabalho Escravo
17. O Estado brasileiro realizará uma campanha nacional de sensibilização contra a prática do trabalho escravo, prevista para outubro de 2003, e com um enfoque particular no Estado do Pará. Nessa oportunidade, mediante a presença dos peticionários dar-se-á publicidade aos termos deste Acordo de Solução Amistosa. A campanha estará baseada num plano de comunicação que contemplará a elaboração de material informativo dirigido aos trabalhadores, a inserção do tema na mídia pela imprensa e através de difusão de curtas publicitários. Também estão previstas visitas de autoridades nas áreas de enfoque.
18. O Estado brasileiro compromete-se a avaliar a possibilidade de realização de seminários sobre a erradicação do trabalho escravo no Estado do Pará, até o primeiro semestre de 2004, com a presença do Ministério Público Federal, estendendo o convite para a participação dos peticionários.
Com a assinatura dessa solução, em 1995, o Brasil se tornou um dos primeiros países no mundo a assumir a existência de trabalho escravo, sendo um forte passo ao caminho da erradicação do trabalho forçado, conforme comenta Sakamoto (2006, p. 23):
Em 1995, o governo federal brasileiro – por intermédio de um pronunciamento do então presidente da República Fernando Henrique Cardoso – assumiu a existência do trabalho escravo. O trabalhador é levado para longe de seu local de origem e, portanto, da rede social na qual está incluído. Dessa forma, fica em um estado de permanente fragilidade, sendo dominado com maior facilidade perante o país e a OIT. Com isso, tornou-se uma das primeiras nações do mundo a reconhecer oficialmente a escravidão contemporânea. Em 27 de junho daquele ano, foi editado o decreto número 1538, criando estruturas governamentais para o combate a esse crime, com destaque para o Grupo Executivo de Repressão ao Trabalho Forçado (Gertraf) e o Grupo Móvel de Fiscalização, coordenado pelo Ministério do Trabalho e Emprego. Em março de 2003, o atual presidente, Luiz Inácio Lula da Silva, lançou o Plano Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo e instituiu, em agosto do mesmo ano, a Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo (Conatrae).
Desta forma foi criada estruturas e projetos que até hoje são as principais fontes de combate ao trabalho escravo no Brasil, desde a criação do Grupo Executivo de Repressão ao Trabalho Forçado (Gertraf) até a criação da Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo (Conatrae).
3.3. Entraves ao combate do trabalho escravo
Primeiramente temos que destacar a ineficácia ainda existente quanto a aplicação das leis no Brasil, principalmente na área penal, conforme demonstra Sakamoto (2006, p. 105):
Apesar de 17.983 trabalhadores terem sido libertados em 1.463 fazendas fiscalizadas, houve muitos poucos casos de condenação pelo artigo 149 do Código Penal, que prevê de dois a oito anos de prisão. Além disso, nenhum dos condenados, cumpriu pena na prisão. Esse é o caso publicamente conhecido de Antônio Barbosa de Melo, proprietário das fazendas Araguari e Alvorada, em Água Azul do Norte, Sul do Pará, cuja condenação foi revertida em doação de cestas básicas. Vale salientar que este fazendeiro foi reincidente no crime de trabalho escravo.
É verdade que houve um número maior de julgamentos desfavoráveis ao réu do que apenas nesses casos. Contudo, devido ao longo tempo de tramitação do processo na Justiça, ele acaba prescrevendo, a condenação é anulada e o proprietário rural permanece como réu primário.
A lei número 109 do Código Penal especifica o prazo para a prescrição de um crime. O cálculo considera o tempo entre o momento da denúncia do Ministério Público e a sentença do juiz. Isso não seria um problema caso fosse dada a pena máxima prevista (oito anos), o que implicaria um prazo de prescrição de 12 anos. Nesse espaço, dificilmente não haveria tempo para o julgamento e os recursos. Porém, normalmente a Justiça opta pela pena mínima, de dois anos. De acordo com a legislação, se o processo durou quatro anos e o juiz deu dois, o crime prescreve
Destaca-se que houve um maior número de julgamentos contra o trabalho escravo, porém como a justiça opta pela pena mínima de dois anos, a pena acaba prescrevendo ou o infrator se livra com pagamento de apenas uma multa, perdendo toda sua eficácia no combate ao trabalho forçado.
É importante também que haja a prevenção, principalmente em estados mais carentes economicamente, aonde há um índice maior de trabalhadores escravos, conforme Sakamoto (2006, p. 108):
A erradicação do trabalho escravo no Brasil passa pela adoção de políticas de prevenção nos locais de origem dos trabalhadores libertados. Oriundos de municípios muito pobres do Norte e Nordeste (os estados do Piauí, Maranhão, Tocantins e Pará concentram 80% dos casos), com baixo Índice de Desenvolvimento Humano, estes brasileiros são constantemente iludidos. Ao ouvir histórias de serviço farto em fazendas, mesmo em terras distantes, esses trabalhadores são aliciados por gatos e transportados em caminhões, ônibus ou trem por centenas de quilômetros.
O destino principal é a região de fronteira agrícola, onde a floresta amazônica tomba para dar lugar a pastos e plantações.
A reforma agrária é considerada por entidades da sociedade civil e setores do governo federal como um dos mais importantes instrumentos de prevenção ao trabalho escravo.
Apesar disso, o orçamento destinado a ela é pequeno e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), órgão responsável pela demarcação de terras, enfrenta dificuldades operacionais. Há muitas fazendas baseadas em documentos de propriedade fraudulentos que não são destinadas à reforma agrária por falta de infraestrutura e de servidores públicos para investigar a situação.
Destaca-se a importância da reforma agrária como instrumento de combate ao trabalho escravo, que até nos dias atuais, não há uma grande movimentação por parte do poder estatal para sua efetiva realização, dificultando com que haja propriedades para o pequeno produtor rural, evitando que o mesmo tenha que se submeter a trabalhos em condições degradantes.
No Brasil também há pouco ou quase nenhum projeto nacional de geração de emprego e renda, voltados especificadamente para os miseráveis, conforme destaca Sakamoto (2010. p. 110):
Não há projetos nacionais de geração de emprego e renda elaborados especificamente para evitar que populações miseráveis caiam na rede da escravidão ou para reinserir os escravos libertos de modo a evitar que não sejam aliciados novamente que estejam implantados e produzindo resultados – como mostra a avaliação da meta 53 do Plano Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo. O que existe são projetos locais e regionais, com alcance limitado, ou projetos maiores que não conseguiram ser viabilizados por falta de recursos, de pessoal e de coordenação.
Nota-se que a falta de planos nacionais de geração de emprego e renda acabam por levar ao empregado a se sujeitar a qualquer trabalho disponível, mesmo que o emprego seja nas piores condições possíveis.
Além de formas de combate, um importante fator que deve ser mais explorado no Brasil é a publicidade das decisões, pois apesar de já existir alguns projetos do Ministério do Trabalho e de outros órgãos estatais, ainda há um grande caminho a ser percorrido, expõe Braga (2015, p. 37)
Os dados referentes às operações de fiscalização são organizados e divulgados, o que caracteriza uma medida tanto de repressão como de prevenção por meio da conscientização. Em verdade, apesar da relevância destas ações para os casos já existentes, os empenhos no sentido da prevenção desta prática tão condenável devem receber a maior atenção.
Para além da validade intrínseca aos métodos que preveem e buscam evitar a concretização dos problemas, fato observado pela CPI do Trabalho Escravo em São Paulo é que muitas das empresas flagradas em condutas delitivas, embora passem a empregar discursos de viés social e se comprometam com mudanças, estas promessas não passam de estratégias de marketing a fim de recuperar a boa imagem, já que pouco fazem na prática, continuando a ignorar as irregularidades de sua cadeia produtiva e a incidir no crime.
As tentativas de se escusar da responsabilidade se fundam sobre o argumento de que as violações se dão em oficinas contratadas para fornecimento, negando ocorrência de terceirização irregular
É importante levar ao consumidor o conhecimento de que marcas estão ou utilizaram trabalho escravo em suas empresas, para que o cidadão comum consiga criar real impacto e evitando futuros casos de trabalho forçado.
É importante também que haja um aumento financeiro do poder público voltado ao combate ao trabalho forçado, como Sakamoto (2006, p. 119) explica:
a) Aumentar os recursos financeiros. As três esferas de poder – federal, estadual e municipal – devem aumentar o repasse de verbas de órgãos e entidades envolvidas no combate ao trabalho escravo para que possam atuar com plena capacidade e fazer frente ao tamanho deste desafio.
Além de aumentar a integração das entidades envolvidas, conforme Sakamoto (2006, p. 120):
c) Aprimorar a integração das entidades envolvidas. A estrutura de combate carece da existência de um núcleo coordenador que possua respaldo político, chame para si responsabilidades e acompanhe a ação das entidades envolvidas. Sem isso, o processo continuará em um ritmo mais lento que o desejado. Essa integração poderia ser obtida mediante um fortalecimento das atribuições da Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo (Conatrae)
Diante o exposto é notório uma maior necessidade de envolvimento da sociedade e do poder público no combate ao trabalho escravo em todas as suas formas, desde de criação de mais instituições voltadas ao tema, como maior integração e investimento financeiro.