A influência da mídia no Tribunal do Júri

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15/05/2018 às 08:52
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A liberdade de imprensa extrapola seus limites quando trata julgamentos da competência do Tribunal do Júri como espetáculos midiáticos. Até que ponto esta influência interfere nos resultados negativamente?

 RESUMO: O presente artigo tem como ideia principal analisar a influência da mídia no Tribunal do Júri, tendo em vista a referência trazida pela Constituição Federal, aspectos históricos, sociais, midiáticos e de doutrinas jurídicas. O objetivo é mostrar até que ponto essa influência pode trazer benefícios e consequências ao indiciado. O pré-julgamento que a sociedade faz, baseado nos meios de comunicação, é o componente básico da tarefa de análise a ser realizada.

Palavras-chave: Tribunal do Júri; Influência da Mídia.

SUMÁRIO: INTRODUÇÃO..1. AS ORIGENS DO JÚRI E A INCLUSÃO NA SOCIEDADE.2. JÚRI NO BRASIL.3. PRINCÍPIOS PROCESSUAIS CONSTITUCIONAIS..3.1. PLENITUDE DE DEFESA..3.2. SIGILO DAS VOTAÇÕES..3.3. SOBERANIA DOS VEREDICTOS..3.4. COMPETÊNCIA PARA JULGAMENTO DOS CRIMES DOLOSOS CONTRA A VIDA  4. A INFLUÊNCIA DA MÍDIA...5. RESGATE DOS SUPLÍCIOS?..6. OPINIÃO PÚBLICA SOBRE ALGUNS CASOS DE GRANDE REPERCUSSÃO CONSIDERAÇÕES FINAIS..REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.


INTRODUÇÃO

No final do século XX, foram vivenciadas profundas mudanças nas orientações das práticas penais. De forma gradual, as políticas que marcaram o chamado previdenciarismo penal foram perdendo espaço e dando lugar a um ideal eminentemente retributivista.

Pode-se afirmar que a maneira de enxergar o criminoso e o crime mudou radicalmente ainda no século XX, assim como as respostas apresentadas pela sociedade no enfrentamento de ambos os fenômenos, modificaram-se de forma brusca e inflexível.

Essa nova forma de encarar a criminalidade e as políticas voltadas a sua prevenção e repressão, enfim, as profundas transformações relacionadas à experiência do crime, da insegurança e da ordem social são identificadas pelo jurista e sociólogo da área criminal David Garland, como parte de um processo de mudança social e cultural que, recentemente, tem alterado as relações sociais. O criminoso não é visto como apenas mais um integrante da sociedade que cometeu um desvio de conduta, e precisa ser encaminhado para recuperação. O autor de um crime é, agora, tratado como o inimigo, o outro, o ser que deve ser retirado do convívio social, condenado a pagar por seus erros de preferência preso e com a maior pena possível.

A transformação do pensamento criminológico conduz, outrossim, à expansão da infraestrutura voltada mais para a repressão do que para a proteção do crime. O crime não é mais um problema social, mas sim, obra de determinados indivíduos que, por questões pessoais, decidem descumprir a lei e, porquanto, deve pagar por seus atos.

É nesse contexto de “criminologia do outro” que o discurso midiático passou a exercer papel preponderantemente a partir do momento em que os meios de comunicação puseram-se a dedicar especial atenção ao fenômeno da criminalidade. O principal objetivo aqui é analisar como essa nova criminologia, com suas novas formas de enxergar o crime e o criminoso, que conta com a participação direta da população e cuja opinião é diretamente influenciada pelo meio de comunicação, impacta no Tribunal do Júri.


1. AS ORIGENS DO JÚRI E A INCLUSÃO NA SOCIEDADE

 Embora os primeiros traços do júri tenham sido em solo britânico, não existe um consenso sobre a origem primeira de tal, tampouco convergências de opiniões sobre quando e em que local teria sido instaurado de fato o primeiro tribunal.

O que se pode afirmar é que há uma noção constituída por um conjunto de ideias, cuja trajetória se dirige a um mesmo ponto: tribunais populares sempre existiram, mesmo em sociedades não organizadas na forma de Estado e o júri que conhecemos hoje surgiu no mundo anglo-saxão.

Paulo Rangel, em uma de suas obras, destaca que o primeiro tribunal popular não surgiu com Henrique II, tampouco com o advento da Magna Carta do rei João Sem Terra. Ali surgia o júri propriamente dito que se tem hoje no Brasil.

Para Guilherme de Souza Nucci, no entanto, a verdadeira origem do tribunal do júri estaria no Tribunal dos Vinte e Três, da antiga Palestina, responsável pelo julgamento de crimes para os quais se previa pena de morte.

Rui Barbosa e José Frederico Marques acentuam que o que de fato ganhou o mundo teria se dado na Inglaterra. O júri da era moderna foi inserido na Inglaterra pelas mãos de Guilherme, o conquistador normando que invadiu o país e desapossou os povos anglos e os saxões, estabelecendo assim, nova cultura e novos costumes.

Com efeito, Henrique II, rei da Inglaterra, no ano de 1066, instituiu uma espécie de tribunal popular, inserido no contexto do Tribunal de Clarendon. A sociedade local, organizada em forma de júri, ficava incumbida de denunciar crimes graves a um juiz itinerante, o xerife.

Alguns anos depois, em 1215, sob forte pressão dos barões ingleses, o rei João Sem Terra edita a Magna Carta, que ao mesmo tempo em que estabelecia um rol de direitos fundamentais, fixava o júri como garantias de julgamentos imparciais. Estabelecendo, então, que nenhum homem livre seria preso ou exilado, a não ser em virtude de um julgamento legal ou em virtude da lei do país.

O júri como conhecemos, portanto, teve como berço a Inglaterra. Tal júri não contava com um servidor público encarregado da acusação, nos moldes de um órgão do Ministério Público como é nos dias atuais. A acusação era feita por pessoas do povo, que se manifestava sobre a procedência da acusação. Considerada viável a acusação, o caso era levado ao Juiz presidente do pequeno júri, composto por doze homens do bem, que era quem decidia se o réu era culpado ou não.

Da Inglaterra, o júri foi para a França, onde se propagou para toda a Europa se espalhando assim, para o resto do mundo. Quando instituído em terras norte-americanas, contou com a figura do Ministério Público como órgão acusador. O júri nos Estados Unidos da América tem competência muito ampla, encarregado de julgar tanto causas cíveis como criminais.

Conforme Nucci cita em uma de suas obras, após a Revolução Francesa de 1789, tendo por finalidade o combate às ideias e métodos empossados pelos magistrados dos regimes monárquicos, estabeleceu-se o júri na França, cujo objetivo era substituir um Judiciário formado por magistrados vinculados à monarquia.


2. JÚRI NO BRASIL

 Ironicamente, o júri surge no Brasil para conter eventuais abusos por parte da mídia. Em 1822, após censurar um dos jornais de maior circulação no Rio de Janeiro, suspendendo a publicação e recolhendo todos os exemplares em circulação, o governo, diante da negativa repercussão, baixou uma Portaria com a finalidade de esclarecer que não se tratava de um atentado à liberdade de imprensa. A Portaria 19 regulamentou, então, a atividade da imprensa e fez consignar expressamente que ela seria livre para publicar, e que os impressos não sofreriam nenhum tipo de embaraço. Abusos de seus autores e relatores seriam punidos, mas na publicação nada seria modificado nem censurado.

Em 18 de junho de 1822, criou-se o júri, com competência restrita aos delitos de imprensa. O júri contava com um corpo de 24 juízes de fato, selecionados entre os homens bons, honrados e inteligentes que seriam nomeados pelo Corregedor e pelos Ouvidores do Crime, mediante requerimento do Procurador da Coroa e Fazenda, incumbido de funcionar como Promotor e fiscal de tais delitos.

Em um ambiente completamente conturbado e sob forte influência da Inglaterra, o júri nasce então no Brasil, adquirindo status constitucional logo na primeira Constituição Brasileira, a de 1824.

Em 20 de setembro de 1830, o júri tomou forma de uma organização mais específica, e logo em seguida, em 1832, o Código de Processo Criminal do Império promove considerável reforma em tal. O júri teve sua competência ampliada para o julgamento de todos os crimes, com penas superior a cem mil réis. Instituíram-se, nos moldes do júri inglês, dois conselhos de jurados, um composto por 24 jurados, denominado júri de acusação, e o outro composto de 12 jurados, conhecido como júri de sentença.

Em 1841, o júri de acusação foi extinto, permanecendo então, somente o júri de sentença. Somente com a Constituição Federal de 1946, que o júri passou a julgar crimes dolosos contra a vida, em modelo idêntico ao que é seguido até hoje. A CF/88 manteve o Júri como garantia fundamental, e tratou de torná-lo Clausula Pétrea. Nos termos da Constituição de 1888 e do Código de Processo Penal, o júri é composto de homens e mulheres, com idade mínima de 18 anos, com reputação ilibada, e tem como competência somente o julgamento dos crimes dolosos contra a vida, tentado ou consumado.

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Para cada sessão de julgamento, é feita uma lista organizada pelo Poder Judiciário, com no mínimo 25 jurados para que, no dia da sessão, sejam sorteados somente 7 para compor o conselho de sentença.


3.  PRINCÍPIOS PROCESSUAIS CONSTITUCIONAIS

Entende-se por princípios constitucionais aqueles que zelam por valores fundamentais no ordenamento jurídico. Nucci traz, em uma de suas obras, que os princípios constitucionais são eleitos para que o legislador possa se nortear na elaboração de leis, além de informarem a própria aplicação das normas constitucionais. A CF/88 em seu artigo 5°, inciso XXXVIII traz:

Art. 5°- Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

XXXVIII - e reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei, assegurados:

a) a plenitude de defesa;

b) o sigilo das votações;

c) a soberania dos veredictos;

d) a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida;

3.1. PLENITUDE DE DEFESA

 No júri, não basta somente a ampla defesa, é necessário que ela seja plena, ou seja, que o trabalho do defensor seja o mais perfeito possível.

Guilherme de Souza Nucci aborda, em uma de suas obras, o seguinte pensamento:

“[...] a plenitude de defesa, como característica básica do júri, clama por uma defesa irretocável, seja porque o defensor tem preparo suficiente para estar na tribuna, seja porque o réu pode utilizar seu direito à autodefesa, ouvindo em interrogatório e tendo em tese devidamente levada em conta pelo juiz presidente, por ocasião da elaboração do questionário”.

Esse princípio constitucional demonstra a intenção do legislador de privilegiar o júri, como garantia individual.

3.2. SIGILO DAS VOTAÇÕES

A decisão dos jurados acontece de forma sigilosa, em uma sala secreta, não sendo identificado de que maneira cada um votou. Tal princípio surgiu para resguardar a segurança de tais membros do Conselho de Sentença, e a votação acontece sobre os olhos do Magistrado, membro do Ministério Público e do defensor.

3.3. SOBERANIA DOS VEREDICTOS

 A decisão coletiva dos jurados, chamada veredicto, não pode ser mudada por um tribunal formado por juízes técnicos. Isso não significa que tal decisão seja irrecorrível, mas sim que somente poderá ser modificada por outro Conselho de Sentença, quando o primeiro julgamento for contrário à prova dos autos.

 3.4. COMPETÊNCIA PARA JULGAMENTO DOS CRIMES DOLOSOS CONTRA A VIDA

 É de competência do júri julgar crimes dolosos contra a vida, em sua modalidade tentado ou consumado, exceto quando se tratar de prerrogativa de função. Tais crimes dolosos contra a vida abrangem o homicídio privilegiado, qualificado ou simples, o induzimento, instigação ou auxílio ao suicídio, infanticídio e aborto em suas diversas modalidades.


4. A INFLUÊNCIA DA MÍDIA

Os primeiros que perceberam o poder que a persuasão pode causar por meios de comunicação foram Adolf Hitler e seus companheiros, que tinham a função de convencer os alemães a aceitarem os ideais nazistas, provocando, assim, o genocídio de milhares de judeus.

Em se tratando do sistema penal, a mídia sempre exerceu relevante papel. Eugênio Raul Zaffaroni, em uma de suas obras, afirma que, além da criminologia estudada nos bancos da faculdade, existe ainda a criminologia midiática. Os casos abrangidos pela mídia sofrem enorme repercussão, que muitas vezes, podendo influenciar na decisão de um jurado ou até mesmo de um juiz togado.

Em alguns casos, a repercussão da mídia brasileira é tão ampla, que abrange inclusive territórios internacionais, como foi o caso da vereadora do Rio de Janeiro, Marielle Franco, que teve sua vida ceifada. O motivo não se sabe ainda por se tratar de um crime recente e que está sobre investigação do poder judiciário, mas a mídia já se encarregou de transmitir, como por exemplo, a revista online Extra, que traz em uma de suas matérias a seguinte manchete: “Jungmann: Principal hipótese para caso Marielle Franco é atuação de milícias”. Nada se sabe de concreto a respeito desse crime, o que temos são informações extraoficiais, mas que são transmitidas como oficiais.

Ao longo da história da criminologia, a mídia sempre influenciou em seus mais diversos meios a sociedade, seja em menor ou maior grau. Um exemplo memorável dessa grande influência foi o caso da menina Isabella Nardoni, jogada do sexto andar do prédio onde morava Alexandre Nardoni, pai da menina e Ana Carolina Jatobá, madrasta, então acusada do crime juntamente com Alexandre.

No caso citado acima, a repercussão foi tão grande que, antes mesmo do casal ser considerado culpado, já sofriam com perseguições e apedrejamentos de multidões de pessoas que os esperavam defronte à casa do pai de Alexandre Nardoni, momentos antes de se deslocarem à delegacia para os primeiros depoimentos.

A sentença foi transmitida ao vivo pelos diversos meios de comunicação e comemorada como final de copa do mundo por aqueles que acompanhavam pela televisão ou até mesmo no local. Esse grande poder de persuasão que a mídia detém sobre a sociedade atual por muitas vezes prejudica diretamente o réu na hora do julgamento, devido aos jurados serem pessoas comuns do povo, e, muitas vezes, não terem conhecimento jurídico sobre tal caso baseando, assim, a sua convicção no que foi trazido pela mídia.

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Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Artigo científico apresentado ao curso de graduação em Direito da Universidade Brasil, Campus Fernandópolis/SP. Como requisito parcial para obtenção do grau de bacharel em Direito. Área de concentração: Direito Penal. Orientador: Prof. Dr. Ademir Gasques Sanches

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