5. RESGATE DOS SUPLÍCIOS?
A punição na era dos suplícios caracterizava uma cena, onde o crime, o acusado, a vítima, a maneira de agir, enfim, todos os detalhes do crime eram expostos em praça pública. O acusado era arrastado pelas ruas e tinha corpo e rosto expostos ao público, que assistia ao espetáculo aguardando que o mesmo, como de praxe, confessasse o crime e apontasse, se fosse o caso, o seu comparsa, e depois era morto de forma cruel e dolorosa.
Os suplícios retratados acima desapareceram do sistema punitivo brasileiro há cerca de mais de dois séculos. Quando analisada a relevante influência dos meios de comunicação e como os brasileiros de um modo geral reagem atualmente contra o crime e o criminoso, faz surgir, assim a dúvida a respeito do resgate dos suplícios, pois as características de tal aparecem até hoje na modernidade, salvo em relação a morte cruel que, na atualidade, é a prisão com a pena mais branda possível.
O acusado é hostilizado da pior maneira possível com todo o ódio e desejo de vingança por parte da população que acompanha o desenrolar do crime. Isso acontece, pois, a mídia com seu poder de influência sobre determinados cidadãos, incumbe-se de provar a culpa do suspeito, caso a justiça ainda não a tenha feito, como foi o caso da atriz Daniella Perez, assassinada com 18 golpes de tesoura.
Na época do crime, o então jornal televisivo exibido pela Rede Globo, denominado Jornal Nacional, exibiu uma reconstituição do crime não oficial, gerando assim, enorme clamor social.
Lembrando bem de perto os suplícios, a mídia expõe além do acusado, sua família, seus amigos, a vida pregressa, enfim, tudo ao seu redor, antes, durante e depois de julgado e condenado.
Como já citado, a pena, quando aplicada, é festeja como se fosse final de copa do mundo, ou até mesmo algo que tenha relevante importância para cidadãos de diversos lugares do Brasil e diversas classes sociais, como se tudo o que foi exposto pela mídia fosse verdade.
Durante e após os julgamentos sem notório conhecimento jurídico, pessoas comuns são abordadas por diversos meios de comunicação para que prestem seus depoimentos em relação a determinados casos, sobre o trabalho desenvolvido pela justiça, sobre a dosagem da pena e acertos e desacertos no decorrer de tal julgamento.
6. OPINIÃO PÚBLICA SOBRE ALGUNS CASOS DE GRANDE REPERCUSSÃO
A cobertura espetacular dos crimes trazidos pela imprensa não é uma novidade nos tempos atuais. Isso vem desde a era dos suplícios, os quais se formavam plateias para esperar a confissão do acusado e observar de perto sua morte dolorosa, como já mencionada anteriormente.
O que acontece é que, na atualidade, com o avanço da tecnologia, essa influência relacionada a crimes levados a Júri se propagou ainda mais pelos diversos cantos do Brasil e, em alguns casos, até fora dele.
Para o professor universitário e advogado criminalista André de Paula Viana, essa influência é evidente e não é de hoje. Talvez contemporaneamente esse assunto vem à tona, porém sempre existiu. Sendo um crime contra a vida ou não, de competência do Conselho de Sentença ou de competência de um Juiz Togado, todos, indistintamente, tem suas próprias influências, sejam morais, psicológicas, religiosas, etc., a mídia, por sua vez, apenas potencializa tais percepções.
Na obra “A defesa tem a palavra”, de Evandro Lins e Silva, o autor retrata a injustiça que tal influência pode ocasionar em relação a opinião pública. Como foi no caso do médico em Belo Horizonte, condenado por força de uma terrível pressão, influenciada pelo noticiário dos jornais da época. Outro caso de muita repercussão ocorreu em abril de 2014, “O caso menino Bernardo”, um garoto de 11 anos desaparecido em uma cidade gaúcha, o qual, passados alguns dias, fora encontrado morto.
Na época dos fatos, mesmo o processo estando sobre investigação, a mídia tratou de culpar o pai e a madrasta de Bernardo, causando, assim, grande repercussão. A Lei 13.010/2014, denominada “Lei Menino Bernardo”, a qual permite, em linhas gerais, que os filhos sejam educados pelos pais, sem uso de qualquer meio de violência física. Lei esta surgindo mediante tamanha repercussão do caso, contando com a opinião pública de celebridades do meio artístico, como por exemplo, a apresentadora Xuxa Meneghel, que acompanhou a votação da referida lei no Congresso Nacional.
Outro caso que a repercussão midiática mais uma vez esteve presente e deu ensejo à manifestação de diversas pessoas foi em relação ao crime cometido contra a atriz Daniella Perez, a qual a opinião pública diante o ocorrido e retratado pelos diversos meios de comunicação foi essencial para a alteração da Lei 8.072/90, que acrescentou no rol dos Crimes Hediondos, o homicídio qualificado.
A Constituição Federal, em seu Art.5°, inc. LIII, dispõe que “ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente”. Cabe ao Poder Judiciário julgar e não a imprensa. Mas o que é vivenciado atualmente foge a essa norma da CF/88, pois temos a imprensa quebrando as regras e julgando antes mesmo de chegar ao Poder Judiciário.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Conclui-se que quando se trata de crimes dolosos contra a vida, consumados ou tentados, cabe ao Tribunal do Júri o julgamento. Em regra, esses crimes são mais explorados pela imprensa, o que pode gerar influência sobre a decisão dos jurados. Razão pela qual deve o Poder Judiciário, evitar tais influências que podem resultar negativa para a defesa.
A CF/88, quando garante a liberdade de imprensa, está garantindo que o cidadão fique bem informado com notícias sejam elas verídicas ou não, como ocorre na maioria das vezes. Essa garantia trazida pela Constituição Federal é essencial ao Estado Democrático de Direito.
Com o avanço tecnológico e o aumento da velocidade das informações, esse problema vem se agravando cada vez mais. Com isso, o poder social da imprensa também aumenta causando, assim, a capacidade de construir a opinião pública baseada nas informações trazidas.
É nítido e significativo o espaço que as notícias relacionadas a crimes têm na mídia que, com o sensacionalismo, prende a atenção de quem está acompanhando. Desta forma, provocando inúmeras discussões em relação ao assunto trazido por essa mídia. Todos têm opiniões para dar, cada um de uma maneira diferente. Talvez não conseguiremos enxergar o verdadeiro problema do Brasil em relação a delinquência, se a mídia estiver preocupada somente com a audiência e não em busca de um país melhor.
É preciso encarar o futuro com olhar de equilíbrio e fechar as cortinas do espetáculo trazido pela mídia. Roger Pinto, citado por Thomas Bastos diz:
“A liberdade criou a imprensa e a imprensa não deve ser transformada na madrasta da liberdade”.
Por fim, vale ressaltar que as leis existem para que possamos viver em uma sociedade civilizada, e não para julgar a vida social do indivíduo, como vem acontecendo quando tratamos de crimes dolosos contra a vida em especial.
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