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O Ministério Público na nova Lei de Falências

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26/04/2005 às 00:00

Resumo:


• A intervenção do Ministério Público é obrigatória nos processos de falência, recuperação judicial e extrajudicial, reguladas pela Lei 11.101 de 09 de fevereiro de 2005, sendo determinada pelo interesse público primário evidenciado pela natureza da lide.


• Nas ações de falência e de recuperação judicial, a intervenção ministerial é crucial para verificar a presença de requisitos legais, colher elementos probatórios para a propositura de ação penal por crimes falimentares e identificar atos fraudulentos passíveis de declaração de ineficácia em ação revocatória.


• A atuação do Ministério Público nestes processos encontra base constitucional no art. 127 da Constituição Federal, sendo essencial para a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, não se limitando à tutela de interesses privados, mas sim ao interesse público primário.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

4. A ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO COMO CUSTOS LEGIS NOS PROCESSOS DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL E FALÊNCIA

            Uma das características mais marcantes da Lei 11.101/2005, a par de graves defeitos técnicos e alguns dispositivos ofensivos à lógica jurídica, é a sua omissão quanto à solução de diversas situações antes expressamente previstas na lei revogada.

            Apenas para exemplificar, examinemos o disposto no 6º, parágrafo 1º da nova lei, que dispõe, verbis:

            "§ 1º Terá prosseguimento no juízo no qual estiver se processando a ação que demandar quantia ilíquida".

            Tal dispositivo tem seu equivalente na lei revogada, que dispunha em seu art. 24, parágrafo 2º:

            "§2º Não se compreendem nas disposições deste artigo, e terão prosseguimento com o síndico, as ações e execuções que, antes da falência, hajam iniciado:

            I- os credores por títulos não sujeitos a rateio;

            II- os que demandarem quantia ilíquida, coisa certa, prestação ou abstenção de fato".

            Como se observa, a lei revogada previa outras hipóteses em que haveria de prosseguir a ação ou execução, além dos casos de demanda por pagamento de quantia ilíquida, que eram as causas para entrega de coisa certa, prestação ou abstenção de fato.

            Pela lei atual, que silencia a respeito, não há previsão de tais hipóteses, simplesmente ignoradas, o que poderá gerar controvérsias absolutamente desnecessárias, não fosse a omissão legal.

            Na mesma impropriedade incorre a nova lei, ao se omitir sistematicamente quanto à intimação do Ministério Público, para se manifestar nos diversos momentos processuais, tanto da recuperação judicial, quanto na falência.

            As omissões são inúmeras e, como a intervenção ministerial é obrigatória, sob pena de nulidade do ato em que deveria intervir o Promotor de Massas Falidas, nos limitaremos apenas a elencar aquelas que, por sua relevância, prejudicam sobremaneira o exercício da atividade fiscal do Parquet, na função de custos legis.

            Assim, será obrigatoriamente intimado o órgão do Ministério Público a intervir, seja através de manifestações (pareceres e promoções), seja através da presença ao ato, nos seguintes momentos processuais, enumerados por ordem crescente de artigos da nova lei falimentar:

            1) nas impugnações de crédito, devendo ser intimado para se manifestar após o devedor, o Comitê e o administrador judicial (art.12, caput e parágrafo único).

            2) antes da homologação da relação dos credores constante do edital do art. 7º, parágrafo 2º como quadro geral de credores, possibilitando um controle prévio do passivo da massa falida ou da sociedade em recuperação judicial (art. 14), justificando-se a intervenção, ademais, porque pode o Ministério Público, até o encerramento da recuperação judicial ou da falência, pedir a exclusão, reclassificação ou retificação de qualquer crédito (art. 19), o que demonstra a necessidade de sua atividade fiscal ab initio.

            3) para comparecer à audiência especial designada pelo juízo falimentar, quando for intimado a prestar declarações qualquer credor, o devedor ou seus administradores (art. 22, parágrafo 2º), sob pena de nulidade do ato, sendo certo que o Ministério Público também pode tomar a iniciativa de pleitear a oitiva em juízo de qualquer das pessoas elencadas no art. 22, inciso I, alínea "d", para prestar informações sobre fatos de interesse da falência.

            4) quando o administrador judicial, na falência, pleitear autorização judicial para transigir sobre obrigações e direitos da massa falida e conceder abatimento de dívidas, devendo o órgão do Ministério Público se manifestar sobre o pedido, após ouvido o Comitê e o devedor e previamente à decisão (art. 22, parágrafo 3º).

            5) quando convocada assembléia-geral de credores, para que o Promotor de Massas Falidas avalie quanto à necessidade de sua presença, sendo recomendável o seu comparecimento, especialmente em falências de grande porte, para observar o cumprimento das disposições legais que regem o ato, especialmente as relativas ao quorum de instalação e deliberação (art. 36 e seguintes), bem como quanto à dinâmica das votações.

            6) antes da decisão que defere o processamento da recuperação judicial (art. 52, caput), abrindo-se oportunidade de o Ministério Público examinar o preenchimento de todos os requisitos legais para o processamento do pedido, bem como toda a documentação que deve instruí-lo. Embora deva ser intimado também da decisão que deferir o processamento (art. 52, inciso V), a atividade ministerial não pode ser exercida apenas a posteriori, tendo em vista os efeitos graves advindos do processamento, especialmente a suspensão das ações e execuções individuais contra o devedor (inciso III do art. 52), estando evidenciado o interesse público na manifestação prévia do órgão ministerial.

            7) antes da decretação da falência, se rejeitado o plano de recuperação judicial apresentado pelo devedor, pela assembléia-geral de credores (art. 56, parágrafo 4º), ocasião em que o Ministério Público deverá, na tutela dos interesses indisponíveis de que é guardião, verificar se a rejeição do plano obedeceu, em sua votação, às regras da lei falimentar, bem como se não é abusiva ou arbitrária.

            8) antes da concessão da recuperação judicial, ocasião em que será verificado pelo Ministério Público o cumprimento dos requisitos legais, bem como o cumprimento do disposto no art. 57 (apresentação das certidões negativas de débitos tributários pelo devedor), e a efetiva inexistência de objeções de credores ao plano de recuperação (art. 55), sendo certo que se o Ministério Público é legitimado a recorrer da decisão de concessão (como de resto, aliás, de qualquer decisão neste processo), nos termos do art. 59, parágrafo 2º, é curial que se manifeste previamente, podendo exigir o cumprimento de qualquer requisito ou apresentação de documento faltante.

            9) antes da sentença que julgar encerrado o processo de recuperação judicial, para que verifique se foram cumpridas todas as obrigações do devedor, previstas no plano (art. 63, caput).

            10) antes de ser decidido quanto à destituição do administrador prevista no art. 64, parágrafo único, vez que tal decisão, inclusive, pode se dar em razão da prática de ilícito falimentar, o que exige o pleno conhecimento pelo órgão do Parquet quanto à conduta do administrador, para fins de propositura da ação penal.

            11) antes de ser autorizada a alienação de bens ou direitos integrantes do ativo do devedor, após manifestação do Comitê (art. 66), vez que cabe ao Ministério Público velar pela preservação do ativo e pelo fiel cumprimento do plano de recuperação.

            12) antes da decisão que concede a recuperação judicial a uma microempresa ou a empresa de pequeno porte (art 72, caput), com base no plano especial de recuperação (art. 71), possibilitando que o órgão do Ministério Público verifique se a sociedade efetivamente se enquadra no conceito legal de microempresa ou empresa de pequeno porte, nos termos da legislação e, portanto, sujeita à disciplina especial mais benéfica da nova lei.

            13) antes da decisão que convolar a recuperação judicial em falência, nas hipóteses do art. 73, velando pela legitimidade e legalidade da decretação.

            14) antes de ser decidido pedido de restituição, após oitiva do falido, do Comitê, dos credores e do administrador judicial (art. 87, parágrafo 1°), devendo o órgão ministerial se manifestar fundamentadamente quanto ao pleito, recorrendo da decisão, se necessário. Intervirá, ademais, em eventual embargos de terceiro (art. 93).

            15) antes da sentença que decretar a falência requerida pelo próprio devedor (autofalência), por credor ou qualquer outro legitimado, devendo ser intimado após o prazo da contestação ou após o ajuizamento do pedido, em caso de autofalência. Sobreleva, neste momento, o interesse público, sendo a ocasião em que o interesse meramente privado do requerente da quebra ou mesmo do próprio devedor (no caso de autofalência) deve ser contraposto ao interesse social. É nesta oportunidade que avulta a necessidade de intervenção do Promotor de Massas Falidas, que deverá aquilatar e sopesar os interesses envolvidos, para que cumpra o processo falimentar o seu objetivo maior de saneamento do mercado, de preservação do crédito e das instituições, bem como da tutela da economia como um todo, velando pela rápida solução da controvérsia e evitando a procrastinação do feito e a situação de indefinição jurídica do estado falimentar da sociedade. Não pode, por evidente, se limitar a atuação do Ministério Público a um controle posterior, depois de já decretada a quebra, como poderia se supor, a teor do art. 99, inciso XIII, que prevê a obrigatoriedade da intimação do Ministério Público, a ser ordenada na própria sentença de quebra. É ainda neste momento que se abre oportunidade ao Ministério Público, levando em consideração a função social da empresa e os princípios que norteiam a sua preservação, de avaliar a necessidade de exclusão do mercado daquela unidade produtiva, geradora de empregos, renda e arrecadação de tributos, bem como as conseqüências da sua insolvência no mercado, inclusive em relação a outras sociedades, já sendo possível, por vezes, vislumbrar-se a ocorrência, nesta fase, de diversas condutas tipificadas como crimes falimentares, o que torna inquestionável a necessidade da sua intervenção.

            16) para acompanhar, se julgar necessário, a arrecadação dos bens da sociedade falida, a cargo do administrador judicial (art. 110, caput). Como na lei revogada, a participação direta no ato é facultativa, mas é indispensável a ciência do órgão ministerial, que pode julgar relevante acompanhar a diligência, especialmente em certas circunstâncias, como, por exemplo, a existência de substâncias tóxicas ou controladas, dentre as possivelmente encontradas (falência de drogaria ou indústria farmacêutica) ou quando tenha receio ou suspeita da ocorrência de desvio de bens.

            17) antes da concessão de autorização a credores para adquirir bens da massa falida arrecadados, após a oitiva do Comitê (art. 111).

            18) para se manifestar sobre a celebração de contrato referente aos bens da massa falida (art. 114) pelo administrador judicial, após a autorização do Comitê, cumprindo verificar se efetivamente o negócio é vantajoso para a massa. Frise-se que, a despeito da omissão do texto legal, não basta a autorização do Comitê, somente sendo possível a celebração de negócio envolvendo bens da massa, após decisão judicial. Do mesmo modo, por igual razão, deverá se manifestar o Promotor de Massas Falidas quanto ao cumprimento de contrato bilateral (art. 117) ou unilateral (art. 118) pelo administrador judicial, após manifestação do Comitê.

            19) para intervir em todos os atos da ação revocatória, como custos legis (art. 134), quando não tiver proposto a ação (tem legitimidade, nos termos do art. 132). Vale lembrar que o Ministério Público não detinha legitimidade para a propositura de ação revocatória, pela lei revogada, sendo nova a atribuição prevista pelo art. 132 da Lei 11.101/2005.

            20) para opinar sobre a modalidade de realização do ativo da massa falida, após a oitiva do administrador judicial e do Comitê (art. 142, caput, art. 144 e 145, parágrafo 3°). Insta acentuar que a lei prevê, no parágrafo 7° do art. 142, que "o Ministério Público será intimado pessoalmente, sob pena de nulidade". Este dispositivo revela-se bastante lacônico, pois não indica o objetivo da intimação, se para a presença ao ato de alienação ou simplesmente para se manifestar sobre a modalidade mais apropriada. Ademais, encerra expressão supérflua, vez que toda intimação a órgão do Ministério Público é obrigatoriamente pessoal, com vista dos autos, nos termos do art. 41, inciso IV da Lei Orgânica Nacional do Ministério Público (Lei 8.625/93). A interpretação da norma legal em comento mais consentânea com a atividade fiscalizadora do Promotor de Massas Falidas é a de que ele deverá ser intimado para opinar sobre a modalidade de alienação e também para o ato, devendo estar presente ao leilão ou pregão (art. 142, incisos I e III) e ao ato de abertura dos envelopes pelo Juiz, no caso de alienação por propostas (art. 142, parágrafo 4°), velando pela obediência às regras estatuídas pelo art. 142, parágrafo 6° e para que não sejam alienados os bens da massa por preço vil.

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            21) após a apresentação do relatório final da falência pelo administrador judicial (art. 156) e antes do seu encerramento por sentença, bem como em caso de ser requerida a declaração de extinção das obrigações pelo falido (art. 159), para se manifestar previamente à decisão.

            22) para opinar sobre o pedido de homologação do plano de recuperação extrajudicial, bem como sobre eventual impugnação apresentada (art. 164, parágrafos 4° e 5°). O fundamento da intervenção ministerial, nesta hipótese, é o mesmo justificador da atuação nos processos de falência e recuperação judicial, considerando a necessária tutela de interesses indisponíveis e o interesse público primário que sobressai de igual modo. Frise-se que, por uma interpretação sistemática da própria lei, chega-se à conclusão de que a intervenção do Ministério Público é obrigatória não somente para atuar como custos legis, mas também para que possa constatar e reprimir a prática de crimes falimentares. Com efeito, nos tipos penais previstos pelos artigos 168, 171, 172, 175 e 178, estão descritas condutas incriminadoras praticadas antes ou depois da homologação da recuperação extrajudicial, sendo indispensável, portanto, a intervenção do Ministério Público durante o processamento do pedido homologatório, propiciando-se ao titular da ação penal a colheita dos elementos necessários à propositura de ação penal.

            Além das hipóteses de intervenção mencionadas, como já ressaltado, deverá ser intimado o Ministério Público a se manifestar sobre qualquer questão incidente surgida no curso de processo de falência, recuperação judicial ou extrajudicial, sempre opinando após os interessados e previamente à decisão judicial, possibilitando-se o pleno exercício da sua atividade fiscalizadora, não estando adstrita a atuação ministerial àquelas situações mencionadas na lei expressamente.

            Vale lembrar, ainda, em reforço a esta ordem de idéias, que a própria lei, ao conceder ao Ministério Público legitimidade para a propositura de ação revocatória (art. 132), com o objetivo de coibir a prática de atos fraudulentos e prejudiciais aos credores da sociedade falida ou em recuperação judicial, induz à obrigatoriedade da intervenção do Ministério Público em todas as fases processuais, a fim de que possa ter conhecimento de qualquer ato atentatório à lei e aos interesses da massa falida, sujeitos à declaração de ineficácia, elencados nos incisos do art. 129, bem como da prática de qualquer conduta com intenção de prejudicar credores, nos termos do art. 130 da nova lei.

            De igual forma, somente será possível a colheita de elementos de prova e a efetiva repressão aos ilícitos falimentares, se o Ministério Público acompanhar todos os atos do processo falimentar, para verificar a ocorrência destes ilícitos, procedendo à sua investigação, podendo, se for necessário, requisitar a abertura de inquérito policial (art. 187, caput).

            Somente com a presença do Ministério Público em todas as fases dos processos de falência e de recuperação judicial (vez que há possibilidade de convolação em falência), poderá ser efetivamente reprimida a prática dos ilícitos falimentares, que tiveram suas penas consideravelmente agravadas na nova lei, que, ademais, tipificou novas condutas criminosas, exigindo atenção especial do Promotor de Massas Falidas e a sua presença a todos os atos processuais na falência e na recuperação judicial, podendo, inclusive, promover ação penal imediatamente após a decretação da quebra, se já presentes elementos probatórios suficientes da ocorrência de crime, nos termos do art. 187, caput.

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Sobre o autor
Mario Moraes Marques Junior

Promotor de justiça – Membro do Ministério Público do estado do Rio De Janeiro, Titular da 7ª promotoria de justiça da comarca da capital

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARQUES JUNIOR, Mario Moraes. O Ministério Público na nova Lei de Falências. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 658, 26 abr. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6630. Acesso em: 23 dez. 2024.

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