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O Ministério Público na nova Lei de Falências

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26/04/2005 às 00:00
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5. AS NORMAS CONSTITUCIONAIS E A ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO NO ÂMBITO FALIMENTAR

            Analisada a intervenção do Ministério Público em matéria falimentar, à luz das normas gerais que regem a atuação do Parquet no processo civil, impende um rápido exame das normas constitucionais que traçaram o perfil da instituição, para melhor aclarar a questão da natureza dos interesses que justificam e determinam a intervenção ministerial na área do Direito Falimentar.

            Encontramos justificativa e base constitucional para atuação do Ministério Público nos processos de falência e de recuperação judicial na própria norma inserta no art. 127, caput da Carta da República de 1988, que exemplarmente o define como "instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis".

            Com efeito, o interesse público primário, ou seja, o interesse social (da sociedade em geral ou da coletividade como um todo), é que norteia e define como obrigatória a atuação do Ministério Público nos processos falimentares e de recuperação judicial, tendo em vista os extensos e incomensuráveis reflexos no âmbito empresarial, econômico e do crédito, alcançando mesmo a credibilidade das instituições e da própria Justiça.

            A intervenção ministerial, na seara da falência e da recuperação judicial, portanto, encontra raízes constitucionais, sendo certo que o Promotor de Massas Falidas atuará na função de guardião do ordenamento jurídico falimentar e na tutela dos interesses sociais indisponíveis envolvidos nestes processos.

            Impende salientar, ademais, que não importa a natureza jurídica que venha a ser reconhecida doutrinariamente à recuperação judicial ou extrajudicial (matéria que refoge do objeto deste estudo), vez que, ainda que se vislumbre nestes institutos mera administração judicial de interesses privados, e, portanto, de interesse exclusivo dos credores da sociedade empresária participantes, a atuação do Ministério Público se impõe, vez que não age na tutela dos interesses dos credores ou de quaisquer interesses privados, mas em razão da repercussão que tais processos têm na esfera social, no âmbito público e das relações econômicas, pelo que, há interesse público primário no exercício da atividade fiscalizadora ministerial.

            Assim, não há como se vislumbrar na atuação do Ministério Público, nos processos de falência e recuperação judicial, a tutela de interesses metaindividuais, também denominados transindividuais, que são aqueles compartilhados por grupos, classes ou categorias de pessoas, pois estes interesses, como elucida Hugo Nigro Mazzilli (9), são interesses que excedem o âmbito estritamente individual, mas não chegam a constituir interesse público.

            Conforme visto, não tutela o Ministério Público o interesse dos credores da falida, nem da sociedade em recuperação judicial, e, assim, não há como se confundir o interesse público (sempre indisponível) que norteia a atividade ministerial nos processos regulados pela Nova Lei de Falências, com os interesses coletivos, difusos e individuais homogêneos, embora estes também reclamem defesa por parte do Ministério Público (art. 127, caput e art. 129, III da Constituição Federal).

            A intervenção ministerial nestes processos é ditada pelo interesse público evidenciado pela própria natureza da lide e suas repercussões no ordenamento jurídico e econômico. As conseqüências, por vezes de proporções nacionais, que podem advir da falência ou recuperação judicial de sociedade empresária de grande porte, no abalo ao crédito e na credibilidade dos nossos mercados, podem influenciar, inclusive, os investimentos externos no país, pelo que, o Ministério Público, em sua missão constitucional de guardião do ordenamento jurídico e dos interesses sociais indisponíveis não pode ser afastado de tais processos, configurando-se inconstitucional qualquer iniciativa normativa com este propósito.


6. CONCLUSÕES

            Do estudo da matéria analisada, em síntese, podemos chegar às seguintes conclusões:

            1)A intervenção do Ministério Público é obrigatória nos procedimentos de falência, recuperação judicial e extrajudicial, reguladas pela Lei 11.101 de 09 de fevereiro de 2005, bem como em qualquer outro processo correlato ou em que o devedor seja parte, aplicando-se o disposto no seu art. 189, e regula-se pelas normas do Código de Processo Civil (arts. 81 a 85), tendo em vista o interesse público primário evidenciado pela natureza da lide (art. 82, inciso III do CPC), devendo ser intimado para todos os atos processuais, sob pena de nulidade, a fulminar o processo a partir do ato em que deveria ter sido intimado a intervir.

            2) Nas ações de falência e de recuperação judicial, a intervenção ministerial deve ser determinada pelo órgão jurisdicional desde o ajuizamento do pedido, possibilitando que se manifeste o Promotor de Massas Falidas quanto à presença dos requisitos e dos pressupostos legais, antes de proferir sentença de quebra ou determinar o processamento da recuperação judicial, além de permitir a colheita de elementos probatórios para a propositura de eventual ação penal por crime falimentar, bem como para que possam ser identificados atos fraudulentos passíveis de declaração de ineficácia em ação revocatória a ser proposta pelo Ministério Público.

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            3)A intervenção do Ministério Público deverá ocorrer em cada oportunidade processual em que tenha que ser decidida questão incidente, pelo juízo falimentar, e, para tanto, deverá ser intimado previamente, para que possa oferecer promoção ou parecer, sempre após já terem se manifestado os demais interessados, ainda que, em cada hipótese, a nova lei não preveja expressamente a oitiva do Parquet, posto que a atuação ministerial é regulada pelo art. 83, I do CPC, sendo obrigatória a abertura de vista dos autos após as partes.

            4) A intervenção ministerial, na seara da falência e da recuperação judicial, encontra raízes constitucionais, sendo certo que o Promotor de Massas Falidas atuará na função de guardião do ordenamento jurídico falimentar e na tutela dos interesses sociais indisponíveis envolvidos nestes processos, não podendo ser afastada a atuação do Ministério Público, em razão do interesse público primário, configurando-se inconstitucional qualquer iniciativa normativa com este propósito.


NOTAS

            1

RESP nº 614262 / RJ, Rel. Min. Castro Meira, DJ de 14.02.2005, p. 172

            2

J.C. Sampaio de Lacerda, Manual de Direito Falimentar, 13ª ed., Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1996, p. 124. No mesmo sentido, veja-se Trajano de Miranda Valverde, Comentários à Lei de Falências, 4ª ed., Rio de Janeiro: Edição Revista Forense, p. 435.

            3

RESP nº 28529, Rel. Min. Laurita Vaz, RSTJ vol. 160, p.183

            4

Maximilianus Cláudio Américo Führer, Crimes Falimentares, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1972, p.23.

            5

Sistema instituzionale Del diritto amministrativo italiano, Milão, 1960, p.197-8.

            6

A defesa dos Interesses Difusos em Juízo, 15ª ed., São Paulo: Editora Saraiva, 2002, p.42.

            7

Código de Processo Civil Comentado, 5ª ed., São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, p.503.

            8

Enunciado nº 99 da súmula do STJ: "O Ministério Público tem legitimidade para recorrer no processo em que oficiou como fiscal da lei, ainda que não haja recurso da parte".

            9

Ob. cit., p. 43
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Sobre o autor
Mario Moraes Marques Junior

Promotor de justiça – Membro do Ministério Público do estado do Rio De Janeiro, Titular da 7ª promotoria de justiça da comarca da capital

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARQUES JUNIOR, Mario Moraes. O Ministério Público na nova Lei de Falências. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 658, 26 abr. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6630. Acesso em: 16 abr. 2024.

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