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Nada mudará

24/06/2018 às 15:00
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As eleições no Brasil em 2018 ainda irão refletir o velho tom das oligarquias no Nordeste, principalmente.

As eleições no Brasil em 2018 ainda irão refletir o velho tom das oligarquias no Nordeste, principalmente.

Eles têm o comando da terra, do poder, do voto e a perpetuação do atraso.

Veja-se o quadro de miséria no Rio Grande do Norte causado por essa situação. Em João Dias, quase metade da população tinha, em 2011,  renda familiar per capita abaixo de R$ 70 mensais; em Paraná 35,5% e em Venha Ver, cidade que conquistou emancipação política na safra de 1996, o índice de pobreza é de 34,4%.

Os números do IBGE mostram também que municípios com grande potencial econômico, caso de Upanema e Guamaré, aparecem com alto grau de pobreza. Em Upanema, um em cada três habitantes está nesta situação, enquanto em Guamaré o índice é de 14,8%.

Neste estado de miséria e ignorância continuará o capitalismo orientado pelo Estado. O poder pessoal abarca o Poder Público. Será como dizia Raymundo Faoro (Os donos do poder), a manutenção do estamento burocrático, O estamento (expressão utilizada por Marx Weber), corresponde ao status social de uma autoridade detentora de poder e prestígio, que se utiliza do público para manter interesses pessoais. São a chamada “vanguarda do atraso”.

As oligarquias se inserem nos novos tempos de industrialização e serviços de ponta tecnológica, mantendo os principais meios de comunicação em suas mãos e conduzindo o povo diante de suas opiniões.

Para consumo externo são neoliberais, dizem ter compromissos com uma “ponte para o futuro”. No consumo interno, retiram seus ternos e mostram suas vestes de coronéis.

Vive-se ainda os vícios da República Velha, dos velhos coronéis.

Sua origem está em 1831, quando a guarda nacional foi criada pelo Regente Feijó, para a manutenção da ordem e da integridade nacional, e que, aos poucos, perdeu suas características, “aristocratizando-se em âmbito local”, como ensinou Jeanne Berrance de Castro  (A milícia cidadã: A guarda nacional de 1831 a 1850, pág. 233), no qual repousava o prestígio dos governadores.

No passado, o ministro Victor Nunes Leal escreveu "Coronelismo, enxada e voto", publicado em 1948. É  um estudo da vida política brasileira a partir do sistema do coronelismo, que o autor considera sistema político. Chefes políticos, proprietários de terras, senhores do bem e do mal, os coronéis são figuras marcantes na história e na literatura brasileiras.

Não tem mais o bico de pena, do voto de cabresto, mas tem o sistema de aliança, que é mais fluido. As alianças vão desde a base até em cima. É urbano. O coronel tradicional tinha cartucheira atravessada no peito. O neocoronel é um homem de cidade. São bacharéis, pessoas ilustradas, mas que sabem onde está o peso da máquina, onde está a força do poder. Eles costumam penetrar nas universidades. É um coronelismo ilustrado, mas é um coronelismo, como afirmam os estudiosos.

O coronelismo moderno se identifica, como sempre em seu germe, com a formação de clãs familiares. Essas grandes famílias se apropriaram do poder no Brasil, principalmente nas regiões mais pobres, rateando a máquina pública entre seus representantes. Elas rateiam o poder, colocando seus representantes nas posições decisórias.

O Nordeste é um exemplo patético. Tanto proporcionalmente quanto em números absolutos. De cada dez parlamentares que assumiram o mandato por um dos nove estados nordestinos, seis têm algum parentesco com outras figuras do mundo político. A prática da política em família é comum a 97 dos 161 deputados da região.

Esse novo coronelismo ajuda a formar as maiores bancadas hoje existentes, quais sejam: a do boi, a da bala, que se aliam a chamada bancada da Bíblia. Conservadoras e apoiadoras do status quo, adotam a tese de que  é preciso mudar sem que nada mude. As questões ambientais, dos direitos humanos  e do uso e parcelamento racional da terra, seja no espaço urbano ou rural,  são para essas elites temas inconvenientes e até proibidos.

Esse coronelismo está entre os integrantes da  base de  formação do chamado “centrão”, que  tem, em sua  maioria,  um perfil conservador. Com 42% do total de cadeiras da Câmara, controla 53% da bancada evangélica, 49% da bancada da bala e 46% da bancada ruralista.

As promessas feitas aos eleitores, em cada período eleitoral, são as mesmas, uma vez que apresentadas de forma genérica e sem conteúdo. Baseiam-se nas mensagens do protetor para o seu protegido num contexto de assistencialismo voraz. Interessa ao coronelismo entreter o eleitor com pão e circo. Daí porque impressionam as cifras pagas a bandas musicais pelos grupos políticos que monopolizam o poder em localidades pobres como meio de alegrar a população tão carente.

O coronel busca sempre dizer que traz a verdade para o destinatário do seu discurso. Surge entre o coronel e o seu vassalo algo como um estranho consenso. A pragmática, dentro dos estudos de semiótica, faz a distinção entre a discussão-com e a discussão-contra. Na primeira, as partes que discutem são homólogas (que mantém com outro elemento similar uma relação de correspondência); na segunda, heterólogas. Na primeira, apenas, a busca da verdade como condição do consenso é possível; na segunda, o consenso é possível, mas não em razão da verdade (que ali se torna função do consenso), mas em razão de uma decisão. Na situação homológica, a possibilidade de verdade por si só garante uma passagem da estrutura dialógica para a monológica, pois a discussão-com vive dessa tentativa que o orador conseguir que o ouvinte se renda (se convença).

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Na situação heterológica não se  instaura uma perspectiva  privilegiada dessa natureza, mas apenas um esquema unitário que coordena a pluralidade dos pontos de vista que continuam a se determinar mutuamente, um em oposição ao outro. A língua e a fala num mundo de subordinação politica e económica se distinguem claramente. Há a fala que, para Saussure, é um ato individual de vontade e inteligência, no qual convém distinguir: 1o) as combinações pelas quais o falante realiza o código da língua no propósito de exprimir seu pensamento pessoal; 2o) o mecanismo psicofísico que lhe permite exteriorizar essas combinações”. [SAUSSURE, 2002: 22]

O servo, sob domínio da vontade do coronel, realiza um verdadeiro código de língua próprio para exprimir um pensamento pessoal convergente à vontade de seu chefe político. Mira o coronelismo o clientelismo, que é prática eleitoreira que consiste em privilegiar uma clientela ('conjunto de indivíduos dependentes') em troca de seus votos; troca de favores entre quem detém o poder e quem vota. O coronelismo vive irmanado ao clientelismo e esse é parceiro que tem convivência com a corrupção. Isso contribui para o estado de coisas que hoje vivemos.

Não se tem dúvida de que o Congresso Nacional vive, dentro das agruras trazidas à Nação, num estado calamitoso. Dir-se-á que o poder emana do povo.  Afinal, o voto pertence ao eleitor e não ao eleito que seria apenas o seu delegado. Na verdade, essa classe política já não mais nos representa.

Dir-se-á que a saída é a educação e as formas como o recall, instrumento já testado em democracias, como a norte-americana e a suíça, com resultados positivos. Mas, para que o recall seja adotado, como meio para expurgar representantes políticos indesejados, será necessário uma emenda constitucional que, certamente, não estaria nas cogitações do Congresso Nacional que temos.

Ademais, é mister que se diga que não há solução fora do que prevê a Constituição. Num Congresso Nacional onde se formam maiorias conservadoras e reacionárias há poucas esperanças de avanços. Mas a sociedade está doente. Observem os índices de violência, o desemprego, a miséria apavorante, o mau uso do vernáculo, com discursos, falas, que mais revelam sons onomatopaicos (aproximação de certos ruídos), criando como que verdadeiros dialetos próprios de formações sociais próprias, como que gerando um estado cultural independente.

Num universo social de ignorância larvar, é lamentável ver, num sentido diacrônico, num estágio histórico, o empobrecimento cultural da língua, sintoma de um corpo que quer putrefar, apodrecer. Num universo como esse torna-se cada vez mais difícil, dentro de um ambiente coloquial, identificar sintagmas (unidade formada por uma ou várias palavras que, juntas, desempenham uma função na frase). O paradigma é o pavor diante desses dados que se associam na memória, formando um conjunto perturbador. Como ter isso como referência ou um modelo a seguir?

Como pensar em mudanças diante de estatísticas preocupantes com uma corrupção alarmante? De muito interesse para os estudos sociais no Brasil os dados revelados pela  pernambucana Nara Pavão, mestra e doutora em Ciência Política pela universidade de Notre Dame (USA) e atualmente fazendo pós-doutorado em Vanderbilt. Ela cruza respostas a diferentes pesquisas de opinião e examina uma aparente incoerência: 98% da população brasileira acha que a corrupção é um problema condenável e, no entanto, continua elegendo e reelegendo corruptos.

O eleitorado tem noção do câncer que devora sua sociedade, mas parece querer conviver com ele. Certamente a educação é a saída para isso. Não há democracia, não há desenvolvimento, sem educação em todos os níveis. A educação está acima de problemas econômicos, sejam conjunturais ou estruturais. Mas, sem dúvida, a educação não está entre os remédios que a classe política aqui ilustrada tem como prioridade. Para isso, necessário o embasamento nas ações pedagógicas e fazer da escola um lugar agradável, incentivando-se à pesquisa.

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Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROMANO, Rogério Tadeu. Nada mudará. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5471, 24 jun. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/66314. Acesso em: 26 abr. 2024.

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