A proibição de contratar com o Poder Público e seu reflexo nos contratos pré-existentes

18/05/2018 às 15:46
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O art. 12 da LIA lista as possíveis sanções aplicáveis aos agentes públicos ímprobos. Dentre elas, destaca-se a proibição de contratar com a Administração Pública. O presente artigo investiga as consequências dessa sanção sobre contratos pré-existentes.

Quais os efeitos da proibição de contratar com o Poder Público prevista no art. 12 da Lei n. 8.429/92 sobre os contratos já em vigor?

O entendimento majoritário sobre a matéria é o de que a decisão que impõe pena de proibição de contratar com a Administração Pública possui efeitos ex nunc, não tendo o condão de afetar automaticamente os contratos firmados antes do trânsito em julgado da sentença.

No âmbito da Lei de Improbidade Administrativa (Lei n. 8.429/82), o agente público pode ser condenado, entre outras, à sanção de proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário. Essa sanção encontra respaldo no art. 12, III, da LIA, que dispõe expressamente:

Art. 12. Independentemente das sanções penais, civis e administrativas previstas na legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes cominações, que podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente, de acordo com a gravidade do fato.

III - na hipótese do art. 11, ressarcimento integral do dano, se houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos, pagamento de multa civil de até cem vezes o valor da remuneração percebida pelo agente e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos.

Contudo, resta saber se a decisão transitada em julgado tem efeito ex tunc ou ex nunc, ou seja, se ela afeta ou não contratos anteriormente firmados. De forma bastante clara, Calil Simão afirma:

Necessário registrar, ainda, que a sanção de proibição de contratar, quando do início de sua eficácia, não atinge os contratos, por prazo determinado, já firmados e que não possuam relação com o ato de improbidade impugnado. Preserva-se o ato jurídico perfeito (CF, art. 5º, XXXVI). Sendo a relação jurídica de prazo indeterminado, essa sanção rompe o vínculo que liga o condenado ao Estado, fazendo cessar imediatamente os seus efeitos. Cumpre observar, no entanto, que não são permitidos contratos administrativos, onerosos ao Poder Público, por prazo indeterminado (Lei n. 8.666/93, art. 57, § 3º) (Improbidade Administrativa: Teoria e Prática, 2 ed, Leme: J. H. Mizuno, 2014, p. 868-869).

Na mesma toada, João Pedro Accioly Teixeira:

Em nosso entendimento, consigne-se desde logo, os contratos vigentes não podem ser automaticamente extintos por sanção posterior à sua assinatura. Isso porque o respeito ao ato jurídico perfeito, além de fim em si mesmo, como expressão da previsibilidade e da segurança das relações jurídicas, configura, in casu, especial proteção à própria Administração e aos administrados, dada a sua íntima relação com o princípio da continuidade das atividades administrativas (Os contornos objetivos da proibição de contratar com o poder público por improbidade administrativa in Revista brasileira de Dir. Público – RBDP, Belo Horizonte, ano 14, n. 54, p. 185-216, jul./set. 2016, p. 207)

Jessé Torres Pereira Júnior, por seu turno, assevera de forma contundente que:

A sanção administrativa de declaração de inidoneidade para contratar com a Administração Pública acarreta, para o sancionado, a proibição de firmar novos vínculos contratuais com o Poder Público; os contratos anteriormente celebrados não devem ser automaticamente rescindidos com espeque exclusivo nessa sanção. A declaração de inidoneidade produz efeitos para o futuro (ex nunc), ou seja, proíbe que o sancionado venha a firmar novos vínculos contratuais com a Administração Pública, mas não rescinde aqueles em vigor. A aplicação da sanção não tem efeito automático e imediato de rescindir todos os contratos anteriormente firmados entre o sancionado e a Administração, uma vez que isso poderia representar prejuízo maior ao erário e ao interesse público. Verificando-se que o processo administrativo de que resultou a sanção obedeceu ao contraditório e à ampla defesa, bem como que os fatos evidenciados são relevantes e tornam a manutenção do contrato risco real para a Administração, a segurança de seu patrimônio ou de seus servidores, será legítima, em tempo oportuno, a rescisão contratual.

(PEREIRA JUNIOR, Jessé Torres; DOTTI, Marinês Restelatto. Responsabilidade do Contratado na Administração de Compras, Serviços e Obras. Revista Síntese Direito Administrativo, v. 7, p. 104, 2012)

Por seu turno, José Roberto Pimenta Oliveira esclarece que a proibição de contratar com o Poder Público prevista no art. 12 da LIA pode afetar as condições de habilitação das empresas contratadas, autorizando, nesse caso, a tomada de providências por parte da Administração Pública com fulcro no princípio da autotutela:

A sanção judicial opera relevantes efeitos administrativos. Uma vez eficaz, a sanção implica suspensão temporária do direito de participar de licitação. A licitação é pressuposto lógico-jurídico da contratação (art. 37, XXI CF). Admissão de licitante com vedação de contratar significaria inclusão no certame de quem não pode cumprir a proposta. Se, no momento da eficácia do provimento sancionatório, o condenado já detiver a condição de participante de certa licitação, constitui fato impeditivo da habilitação cuja declaração é obrigatória por força de lei (art. 32, §2º Lei n. 8.666/93), acarretando a exclusão do proponente do certame, assegurado o devido processo legal.

Se, no momento cogitado, o condenado ostentar o status de contratado da Administração Pública, a sanção também deve ser comunicada ao ente contratante, haja vista a obrigação de manter as condições de habilitação (art. 55, XIII Lei n. 8.666/93), ensejando, em qualquer situação, a rescisão unilateral do contrato, com fulcro nos artigos 78, I c/c art. 79, I da Lei n. 8.666/93, com os efeitos do art. 80 do mesmo Estatuto, assegurado o devido processo legal. (Improbidade administrativa e sua autonomia constitucional, Belo Horizonte: Forum, 2009, p. 318-319)

Ainda sobre o tema, destaca-se o Parecer n. 06/2014/DEPCONSU/PGF/AGU da Advocacia-Geral da União, em cuja ementa se lê:

I- Extensão dos efeitos da condenação por improbidade administrativa pena de proibição de contratar com Poder Público aos contratos já eventual anteriormente firmados pela pessoa interessada condenada.

II Conforme entendimento sufragado pelo Exmo. Sr. Advogado-Geral da União em Despacho que aprovou PARECER N. 113/2010/DECOR/CGU/AGU, determinação de punição por improbidade administrativa, com condenação judicial pena de proibição de contratar com Poder Público não bastante por si só para rescisão automática de contratos válidos em execução, já firmados pela pessoa interessada antes de sua condenação. Fica expressamente ressalvada, contudo, possibilidade de adoção de medidas específicas, voltadas rescisão ou mesmo anulação de tais contratos anteriores, nos casos autorizados observadas as formalidades estabelecidas nos artigos 77 80 da Lei n. 8.666, de 1993.

A jurisprudência dos tribunais pátrios parece corroborar o entendimento doutrinário anteriormente apresentado, ao declarar que a rescisão automática dos contratos administrativos não atende o interesse público:

A rescisão imediata de todos os contratos firmados entre a embargada e a Administração Pública, em razão de declaração de inidoneidade, pode representar prejuízo maior ao erário e ao interesse público, já que se abrirá o risco de incidir sobre contrato que esteja sendo devidamente cumprido, contrariando, assim, o princípio da proporcionalidade, da eficiência e obrigando gasto de verba pública com realização de novo procedimento licitatório. Interpretação sistemática dos arts. 55, XIII e 78, I, da Lei 8.666/93 (STJ, EDcl no MS nº 13.101/DF, Rel. Ministra ELIANA Calmon, Primeira Seção, julgado em 13.05.2009, DJe, 25 maio 2009).

Ressalte-se, ademais, que no âmbito da Lei n. 8.666/93, que rege as licitações e os contratos administrativos, há previsão de semelhante sanção aos que inadimplirem seus ajustes com a Administração Pública, estipulando os incisos III e IV do artigo 87 que o descumprimento das obrigações pelo particular pode acarretar a suspensão ou o impedimento de licitar e contratar com o Poder Público:

Art. 87. Pela inexecução total ou parcial do contrato a Administração poderá, garantida a prévia defesa, aplicar ao contratado as seguintes sanções:

III - suspensão temporária de participação em licitação e impedimento de contratar com a Administração, por prazo não superior a 2 (dois) anos;

IV - declaração de inidoneidade para licitar ou contratar com a Administração Pública enquanto perdurarem os motivos determinantes da punição ou até que seja promovida a reabilitação perante a própria autoridade que aplicou a penalidade, que será concedida sempre que o contratado ressarcir a Administração pelos prejuízos resultantes e após decorrido o prazo da sanção aplicada com base no inciso anterior.

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No âmbito da Lei Geral de Licitações, que pode servir de parâmetro comparativo de interpretação, é pacífico o entendimento de que as sanções previstas no art. 87, III e IV possuem efeitos ex nunc:

ADMINISTRATIVO. DECLARAÇÃO DE INIDONEIDADE PARA LICITAR E CONTRATAR COM A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. EFEITOS EX NUNC DA DECLARAÇÃO DE INIDONEIDADE: SIGNIFICADO. PRECEDENTE DA 1ª SEÇÃO (MS 13.964/DF, DJe DE 25/05/2009). 1. Segundo precedentes da 1ª Seção, a declaração de inidoneidade "só produz efeito para o futuro (efeito ex nunc), sem interferir nos contratos já existentes e em andamento" (MS 13.101/DF, Min. Eliana Calmon, DJe de 09.12.2008). Afirma-se, com isso, que o efeito da sanção inibe a empresa de “licitar ou contratar com a Administração Pública” (Lei 8666/93, art. 87), sem, no entanto, acarretar, automaticamente, a rescisão de contratos administrativos já aperfeiçoados juridicamente e em curso de execução, notadamente os celebrados perante outros órgãos administrativos não vinculados à autoridade impetrada ou integrantes de outros entes da Federação (Estados, Distrito Federal e Municípios). Todavia, a ausência do efeito rescisório automático não compromete nem restringe a faculdade que têm as entidades da Administração Pública de, no âmbito da sua esfera autônoma de atuação, promover medidas administrativas específicas para rescindir os contratos, nos casos autorizados e observadas as formalidades estabelecidas nos artigos 77 a 80 da Lei 8.666/93. 2. No caso, está reconhecido que o ato atacado não operou automaticamente a rescisão dos contratos em curso, firmados pelas impetrantes. 3. Mandado de segurança denegado, prejudicado o agravo regimental.

(STJ, MS 14.002/DF, ReI. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 28110/2009, DJe 06111/2009)

 

ADMINISTRATIVO. DECLARAÇÃO DE INIDONEIDADE PARA LICITAR E CONTRATAR COM A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. EFEITOS EX NUNC. 1. O entendimento da Primeira Seção do STJ é no sentido de que a declaração de inidoneidade só produz efeito ex nunc. 2. Agravo Regimental não provido.

(STJ, AgRg no REsp 1148351/MG, ReI. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 18/03/2010, DJe 30/03/2010)

 

ADMINISTRATIVO – LICITAÇÃO – INIDONEIDADE DECRETADA PELA CONTROLADORIA GERAL DA UNIÃO – ATO IMPUGNADO VIA MANDADO DE SEGURANÇA.

1. Empresa que, em processo administrativo regular, teve decretada a sua inidoneidade para licitar e contratar com o Poder Público, com base em fatos concretos.

2. Constitucionalidade da sanção aplicada com respaldo na Lei de Licitações, Lei 8.666/93 (arts. 87e 88).

3. Legalidade do ato administrativo sancionador que observou o devido processo legal, o contraditório e o princípio da proporcionalidade.

4. Inidoneidade que, como sanção, só produz efeito para o futuro (efeito ex nunc), sem interferir nos contratos já existentes e em andamento.

5. Segurança denegada

(STJ, MS nº 13.101/DF, Rel. Ministro José Delgado, Rel. p/ Acórdão Ministra Eliana Calmon, Primeira Seção, julgado em 14.05.2008, DJe, 09 dez. 2008)

 

É certo que as sanções do art. 87, incisos III e IV, da Lei 8.666/93, só produzem efeito para o futuro (ex nunc), sem interferir nos contratos já existentes e em andamento, ou seja, não acarreta, automaticamente, a rescisão de contratos administrativos já aperfeiçoados juridicamente e em curso de execução. Todavia, a ausência do efeito rescisório automático não compromete nem restringe a adoção de medidas administrativas específicas para rescindir os contratos, nos casos autorizados e observadas as formalidades estabelecidas nos arts. 77 a 80 da referida Lei.

(TCU AC-3439-51/12-P)

Desta forma, entende-se que tanto à luz da Lei de Improbidade Administrativa (Lei n. 8.429/92), quanto da Lei Geral de Licitações (Lei n. 8.666/93), a decisão judicial que proíbe o réu de contratar com o Poder Público possui efeitos meramente prospectivos (ex nunc), podendo a Administração Pública, em casos específicos, rescindir os contratos pré-existentes desde que haja motivo para tal e sempre mediante processo administrativo no qual se garanta a ampla defesa aos afetados.

 

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Sobre o autor
Roberto Di Sena Júnior

Mestre em Direito (UFSC); Especialista em Direito Público (Faculdade de Direito Prof. Damásio de Jesus); Especialista em Direito Processual Civil (UCAM); Analista do MPSC

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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