4 CONCLUSÃO
No cenário brasileiro da atualidade, o sistema jurídico não se vincula estritamente ao civil law, no qual a interpretação é realizada com base essencialmente na norma. Assim, a segurança jurídica do sistema jurídico nacional não mais advém necessariamente da lei em si, que no pensamento clássico do civil law, mitigaria a capacidade interpretativa dos magistrados, ao idealizar a práxis destes atrelada à vontade da norma, sob a presunção de que, dessa forma, o jurisdicionado seria detentor de segurança jurídica e previsibilidade no que pertine às suas relações sociais.
Em verdade, é possível afirmar que hoje no Brasil, e especialmente após o Código de Processo Civil de 2015, que normatizou o sistema de precedentes, tem-se o sistema jurídico híbrido, o qual tem base eminentemente normativa, mas é visivelmente permeado pelo precedente, tradicionalmente utilizado no common law.
Nesse sentido, o common law, orientado pelo brocado stare decisis et non quieta movere (ou seja: a formação da decisão judicial com arrimo em precedente de mesma natureza, eventualmente existente), trouxe à realidade brasileira a ideia de segurança jurídica atrelada à entrega ao jurisdicionado de panorama de decisões com considerável grau de previsibilidade.
Entretanto, mesmo diante do fato de o sistema jurídico brasileiro ter adotado o sistema de precedentes advindo do common law – que indicaria necessária vinculação e respeito às decisões dos Tribunais Superiores – a realidade das decisões judiciais apresenta-se afastada da uniformização de entendimentos jurisprudenciais acerca de questões idênticas ou assemelhadas, em detrimento da previsibilidade necessária em um Estado Democrático de Direito, com o fim de alcançar a segurança jurídica adequada.
Nesse ponto, notam-se decisões contraditórias das mais diversas naturezas e em todas as instâncias do Poder Judiciário brasileiro, proporcionando ao processo contornos de loteria, eis que o sucesso de uma demanda passa a figurar como uma questão de sorte ou azar, a depender de quem será o julgador ou em que momento será proferida a decisão ou julgado.
Assim, conquanto tenham os institutos do common law adentrado no sistema jurídico brasileiro, incutindo a premissa da uniformidade da jurisprudência como base da segurança jurídica (notadamente por demonstrar grande valoração à previsibilidade das decisões judicias), a situação não impediu (e não impede), a multiplicação da jurisprudência lotérica no país. Tal ocorrência denota, portanto, que o sistema híbrido nacional não foi capaz de absorver o sistema de precedentes da common law de forma satisfatória, uma vez que a divergência jurisprudencial nociva persiste no Direito brasileiro.
A realidade jurídica brasileira, portanto, de sistema claramente híbrido, necessita combater a jurisprudência lotérica, o que se constrói por meio da atuação dos órgãos e atores jurídicos, em observância às anteriores decisões judiciais, com a finalidade de salvaguardar a segurança jurídica, imprescindível ao bom caminhar de qualquer Estado Democrático de Direito.
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