Capa da publicação Greve dos caminhoneiros ou dos patrões? Um caso de segurança nacional
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Um caso de lockout e a lei de segurança nacional

29/05/2018 às 12:45
Leia nesta página:

E se a dita greve dos caminhoneiros não estiver envolvendo só pessoas físicas? E se as questões levantadas não se limitarem apenas à baixa dos preços nos combustíveis?

I - O FATO 

Observe-se o que diz o Jornal do Brasil em sua edição de 24 de maio do corrente ano:

“A greve dos caminhoneiros e o avanço do desabastecimento agitaram o Senado e a Câmara. Os governistas de hoje culpando governos passados, os petistas denunciando a política de preços da era Temer. Fora dessa briga, o deputado Miro Teixeira advertiu na tribuna: isso não é greve. Há informações seguras de que se trata de um lockout empresarial que pode ter objetivos políticos. Persistindo a greve e seus efeitos, virá a repressão e a convulsão. E estará feito o prato para quem pensa em adiamento das eleições. Por sinal, parlamentares da direita foram os que mais elogiaram a valentia dos caminhoneiros.”

Bem acentuou Bernardo Mello Franco, em sua coluna para o Globo, em 25 de maio de 2018:

"A crise de desabastecimento não foi provocada por uma mera greve de caminhoneiros. Há participação explícita de grandes empresários de transportes na paralisação. Greve apoiada por patrões não é greve, é locaute. Nem sempre se limita a buscar vantagens financeiras. Pode embutir outros fins, como desestabilizar governos e tumultuar eleições."

Do que se lê na Folha, do dia 25 de maio do corrente, para o economista José Pastore, especialista em relações do trabalho, o setor de transporte de carga está praticando um locaute. "O locaute não pode ser feito por donos de caminhões, sejam pessoas físicas ou jurídicas", afirmou.

O pano de fundo de toda a insatisfação é a alta no preço num momento financeiramente ruim para todos. As margens de lucro do setor são espremidas pela política de preço da Petrobras, que passou a seguir as variações do mercado internacional. Com a explosão da cotação do petróleo que bateu US$ 80 por barril, a situação se agravou.

O lockout é um meio de autodefesa do empregador, quando este se recursa a oferecer aos trabalhadores as ferramentas para o exercício das suas atividades, “fechando as portas” da empresa, impedindo que os trabalhadores possam entrar, independentemente da classe, função ou hierarquia. Em outras palavras, é uma forma de o empregador no levar a classe de empregados a aceitar determinada condição ou determinação de sua parte. A prática do lockout é ilícita quando tiver o objetivo de frustrar a negociação ou dificultar o atendimento das reinvindicações dos empregados.

O lockout não se trata de um direito, mas, diante da liberdade de atos garantidos constitucionalmente, existe de modo indireto a liberdade de assim proceder, desde que devidamente explicada a necessidade, surgindo então a distinção com a greve, na qual os empregados têm liberdade quanto à decisão de aderi-la, e no lockout todos os empregados são atingidos.

Dir-se-á que isso pode ser frequente num país que depende de forma incisiva na sua malha terrestre de distribuição de transporte.

A Associação Nacional dos Transportadores Ferroviários (ANTF), que reúne gigantes do setor como Vale, Rumo e MRS, afirma que as ferrovias transportam 25% das cargas no país, enquanto o Ilos estima em 20%.

Foi nesse vácuo de planejamento e de investimento que as rodovias cresceram. Elas são menos complexas e mais baratas que ferrovias ou hidrovias e conseguem ser concluídas em menos tempo. Como os governos se pautam pelo calendário eleitoral, dizem analistas, a descontinuidade impera. Não faltaram programas de concessões: Avançar, PACs, PIL 1 e 2, Crescer. A cada mandato, novas concessões eram previstas, mas pouco saía do papel. O resultado é que, na área de ferrovias, a malha em operação hoje é menor do que a que existia antes do processo de privatização da Rede Ferroviária Federal Sociedade Anônima (RFFSA), estatal que operava ferrovias brasileiras até 1996.

Esta não é a primeira vez em que caminhoneiros aproveitam a fraqueza do governo de turno para impor perdas a toda a sociedade com greves truculentas.

Assim se deu em julho de 1999, quando o país vivia uma crise econômica e a popularidade de Fernando Henrique Cardoso definhava. Ao longo de quatro dias, promoveram-se bloqueios de estradas e o desabastecimento de produtos de todo tipo. O Planalto dobrou-se, suspendendo reajustes de preços do óleo diesel e de pedágios.

II - A ILEGALIDADE DO MOVIMENTO 

O lockout é greve patronal que tanto serve para pressionar o poder público para modificar uma decisão considerada prejudicial às empresas, como para compelir os empregados a aceitar uma proposta patronal, ou a alterar condições insuportáveis para a empresa ou, a induzir os empregados a desistir da greve e de zelo, de braços caídos etc, como acentuou Eduardo Gabriel Saad(Constituição e direito do trabalho, pág. 210). 

Disse Maurício Godinho Delgado(Direito Coletivo do Trabalho, 2014):

”Lockout é a paralisação provisória das atividades da empresa por determinação empresarial, objetivando frustrar através de pressões as negociações coletivas ou dificultar o atendimento das reivindicações coletivas obreiras.”

Esta paralisação da empresa por iniciativa do empregador que os italianos chamam de "serrata" e os espanhóis "paro" ou "cierre patronal" é concertada e coletiva, que impede os empregados de trabalharem, tem caráter temporário e objetiva a defesa dos interesses do empregador." 

A legislação brasileira proíbe expressamente o lockout. Tanto a Consolidação das Leis do Trabalho como a Lei da Greve regulam o tema:

CLT - DO "LOCK-OUT" E DA GREVE

Art. 722 - Os empregadores que, individual ou coletivamente, suspenderem os trabalhos dos seus estabelecimentos, sem prévia autorização do Tribunal competente, ou que violarem, ou se recusarem a cumprir decisão proferida em dissídio coletivo, incorrerão nas seguintes penalidades:

a) multa de cinco mil cruzeiros a cinquenta mil cruzeiros; (Vide Leis nºs 6.986, de 1982 e 6.205, de 1975)

b) perda do cargo de representação profissional em cujo desempenho estiverem;

c) suspensão, pelo prazo de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, do direito de serem eleitos para cargos de representação profissional.

§ 1º - Se o empregador for pessoa jurídica, as penas previstas nas alíneas b e c incidirão sobre os administradores responsáveis.

§ 2º - Se o empregador for concessionário de serviço público, as penas serão aplicadas em dobro. Nesse caso, se o concessionário for pessoa jurídica o Presidente do Tribunal que houver proferido a decisão poderá, sem prejuízo do cumprimento desta e da aplicação das penalidades cabíveis, ordenar o afastamento dos administradores responsáveis, sob pena de ser cassada a concessão.

§ 3º - Sem prejuízo das sanções cominadas neste artigo, os empregadores ficarão obrigados a pagar os salários devidos aos seus empregados, durante o tempo de suspensão do trabalho.

Lei 7.783/89 (Lei da Greve):

Art. 17. Fica vedada a paralisação das atividades, por iniciativa do empregador, com o objetivo de frustrar negociação ou dificultar o atendimento de reivindicações dos respectivos empregados (lockout).

Parágrafo único. A prática referida no caput assegura aos trabalhadores o direito à percepção dos salários durante o período de paralisação.

Trata-se da proibição do lockout, que é a cessação das atividades pela empresa, como forma de conflito trabalhista apenas, não vedado, pela lei, se a sua finalidade não for essa. Os salários dos empregados são assegurados durante o lockout. 

É proibido pela Constituição portuguesa no número 4 do artigo 57º. E também é prática proibida na ordem jurídica brasileira quando tiver o objetivo de frustrar negociação ou dificultar o atendimento de reivindicações dos respectivos empregados (Lei nº 7.783/89,17), evitando-se sua utilização como estratégia para enfraquecer a união dos trabalhadores durante uma greve. Há legislações nos quais permite-se o locaute, tais como na França, no qual há a permissão, desde que decorrente de força maior ou se houver uma cláusula de exceção de contrato não cumprido.

Como disseram Marcos da Silva e Ariane F. Oliveira(Direitos Coletidos do Trabalho - Lockout):

"Pode ocorrer paralisação das atividades da empresa em que os objetivos sejam estranhos aos interesses da classe obreira, a paralisação das atividades da empresa neste caso é vista como um protesto que vista chamar a atenção do governo sobre os aspectos políticos ou econômicos do País, é uma forma de pressionar o governo a tomar medidas que venham contribuir para a continuidade das atividades empresariais, quando esta se encontra dificultosa tanto pela carga tributária como por imposições burocráticas, este é o Lockout extra trabalhista ou político, pois o objetivo principal é promover uma pressão política ou social."

Amauri Mascaro Nascimento(Comentários à lei de greve, pág. 138), no entanto, ensinava que há um certo paralelo entre o locaute e a greve porque em ambas há a paralisação do trabalho, porém na greve tal se dá por iniciativa dos trabalhadores, e no locaute ocorre por decisão do empregador que, fechando as portas interrompe a atividade econômica, impossibilitando assim a execução dos serviços pelos trabalhadores.

Mas, ainda ensinou Amauri Mascaro Nascimento(obra citada) que  " há, no entanto, que se observar que o locaute a que se refere a lei n. 7.783 é o trabalhista, aquele que visa dificultar ou prejudicar a negociação coletiva com os trabalhadores. Logo não foi incluído nas cogitações da lei nem se submete aos seus comandos, o locaute sem esse objetivo."

III - A QUESTÃO TRIBUTÁRIA 

O governo resolveu negociar.

 Caminhoneiros e empresas com dificuldades para repassar aos preços a alta de custos do diesel queriam passar a conta para o Tesouro Nacional. Conseguiram, em parte.

O governo vai deixar de cobrar a Cide sobre o diesel; vai bancar o desconto que a Petrobras der para o combustível. Isso vai implicar uma combinação de: 1) aumento da dívida pública e do gasto com juros; 2) corte de gastos em outra área; 3) aumento de impostos para alguém.

O governo, a Petrobrás e o Congresso atenderam à principal reivindicação dos caminhoneiros em greve, a redução do preço do diesel, mas nem assim esses profissionais aceitaram encerrar o movimento que tem trazido inúmeros e substanciais transtornos a todos os brasileiros. O nome disso é chantagem e irresponsabilidade.

Não bastou que a Petrobrás contrariasse brevemente sua política de preços, de livre mercado, e aliviasse o custo do diesel em 10% por 15 dias, tempo em que se poderia chegar a uma solução negociada. Não bastou que o governo aceitasse zerar a alíquota da Cide, o imposto do combustível. Também não bastou que a Câmara aprovasse, a toque de caixa, a reoneração da folha de diversos setores em troca do fim da cobrança do PIS-Cofins sobre o diesel – uma forma de subsidiar o preço do combustível com o imposto cobrado de outros setores da economia. Os caminhoneiros informaram que vão continuar sua greve até que o Senado aprove o projeto que zera o PIS-Cofins sobre o diesel e que o presidente Michel Temer o sancione – o que só deve acontecer na semana que vem.

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Há maior incidência da carga do ICMS sobre os combustíveis cobrada pelos Estados-membros. 

O  ICMS é mais prejudicial porque é um percentual sobre o preço final, enquanto os outros impostos (PIS, Cofins e Cide) incidem como um valor fixo. Os impostos federais representam 16% do preço da bomba. 

No sétimo dia de paralisação dos caminhoneiros, o governo decidiu ceder ainda mais aos pedidos da categoria. Após reunião realizada no Palácio do Planalto com caminhoneiros, o presidente Michel Temer anunciou uma redução no preço do diesel de R$ 0,46 por litro na bomba e que o preço do produto seguirá congelado por 60 dias, o dobro do prazo previsto no acordo anunciado na última quinta-feira, que não surtiu efeito. Numa nova tentativa de encerrar a greve, Temer anunciou que serão editadas três medidas provisórias (MPs), o que garante a entrada em vigor em caráter imediato.

IV - A QUEM INTERESSARÁ O CAOS 

Enquanto isso, o caos se multiplica. Já se verifica desabastecimento de alimentos em diversas cidades do País. O transporte público está funcionando de maneira precária. Alguns importantes aeroportos informaram que em breve não terão mais combustível e terão de fechar. O atendimento na área de saúde começou a ser afetado. O preço da gasolina disparou nos postos, que registram imensas filas de consumidores desesperados. A manutenção de tal estado de coisas, apesar das generosas concessões feitas aos caminhoneiros, demonstra inaceitável comportamento, que deve ser punido com rigor. Do contrário, a sociedade viverá sempre na dependência dos humores e da agenda de agitadores cujos interesses privados estão muito longe de coincidir com os do resto do País.

A quem interessará o caos?

Como bem alertou Celso Ming, em sua coluna para o Estadão, em 25 de maio do corrente ano: “O resumo da ópera dos combustíveis tem dois lados convergentes: o econômico e o político. O lado econômico é o rombo brutal das contas públicas conjugado com a velha corrupção, que desemboca na voracidade fiscal tanto do governo central como dos Estados e dos municípios. Os preços cobrados sobre tanta coisa essencial se transformaram em alentados chassis de arrecadação.

Quase imperceptivelmente, os preços dos combustíveis, da energia elétrica e dos serviços urbanos se transformaram em instrumentos de extorsão de impostos do contribuinte. De cada litro de óleo diesel, 28% são impostos; e de cada litro de gasolina, 45% são impostos e taxas. Nos municípios, por exemplo, a cobrança de multas de trânsito deixou de ser meio de educação do motorista e do pedestre ou, até mesmo, deixou de ser instrumento de financiamento de melhorias do sistema viário. Resume-se quase inteiramente a máquina destinada a esfolar os proprietários de veículos e os desatentos de sempre, que não se dão conta do alcance dos olhos do grande irmão, que são todos esses radares encarapitados nos postes, ao longo das ruas e das rodovias.”

Há uma conta pairando sobre a sociedade e ela será cara.

O  recuo no diesel coloca em sério risco o projeto das refinarias. Empresas multinacionais vão pensar duas vezes antes de comprar o controle de refinarias no Brasil, quando se sabe que o governo federal pode impor uma política de preços à Petrobrás que a qualquer momento pode desequilibrar todo o mercado.

V - A QUESTÃO PENAL 

Para o caso, podem ser aplicados dispositivos da Lei de Segurança Nacional.

A Lei 7.170/83, mais conhecida como Lei de Segurança Nacional, foi promulgada pelo regime militar em 1983, com a justificativa de definir crimes contra a segurança nacional e a ordem política e social. Portanto, um texto legal criado num regime de exceção, com o objetivo maior de proteger a ditadura que se instalou no país. Porém, essa norma não foi revogada e ainda se encontra em pleno vigor. Analisando seu conteúdo à luz de um Estado democrático de Direito, constitui-se certamente um entulho autoritário que permanece até nossos dias, embora, ao que parece, vinha sendo um tanto esquecida.

É certo que a lei de segurança nacional é plena de enunciados vazios, abertos, que podem levar à sua não efetividade.

O artigo 23, I, da Lei de Segurança Nacional indica o crime de incitar à sublevação da ordem pública ou social.

O art. 1.º da lei esclarece: "Esta lei prevê os crimes que lesam ou expõem a perigo de lesão: I - a integridade territorial e a soberania nacional; II - o regime representativo e democrático, a Federação e o Estado de Direito; III - a pessoa dos chefes dos Poderes da União." Criticando o projeto de que resultou o texto definitivo da lei, em parecer aprovado pelo Instituto dos Advogados Brasileiros, Heleno Fragoso sugeriu que esse art. 1.° tivesse a seguinte redação: "Esta lei prevê crimes que lesam ou expõem a perigo: I - a existência, a integridade, a unidade e a independência do Estado; II – a ordem política e social, o regime democrático e o Estado de Direito". Desta forma se teria melhor especificado a objetividade jurídica desses crimes, indicando, com maior precisão, o âmbito da segurança externa e, com mais propriedade, os bens que importa preservar, no âmbito da segurança interna.

O art. 2.° da lei estabelece que devem levar-se em conta, na aplicação da lei, a motivação e os objetivos do agente e a lesão, real ou potencial, aos bens jurídicos anteriormente mencionados, sempre que o fato esteja também previsto em outras leis penais. Isso significa que nos crimes políticos próprios (em que a ação, por sua natureza, se dirige a atentar contra a segurança do Estado), o fim de agir (motivação política) é elementar ao dolo. Nos crimes políticos impróprios (crimes comuns cometidos com propósito político) a aplicação desta lei depende de indagação sobre os motivos (que devem ser políticos)e os objetivos (que devem ser subversivos). E depende também da existência de lesão, real ou potencial, aos bens jurídicos que a lei tutela.

Esses atos podem configurar quatro crimes federais: os previstos nos artigos 261, 262, 265 e 330 de Código Penal. Os normativos referem-se a atos que expõem a perigo ou tentam impedir ou dificultar navegação marítima, fluvial, aérea ou por qualquer outro meio de transporte público (artigos 261 e 262). Também é tipificada como crime a prática de atentar contra a segurança ou funcionamento de serviços de utilidade pública como água e luz (art. 265), bem como a desobediência a ordem legal de funcionário público (art 330).

São duas as modalidades de conduta previstas no artigo 261 do CP. A primeira é expor a perigo embarcação ou aeronave. A segunda conduta é a de impedir ou dificultar a navegação marítima, fluvial ou aérea, causando embaraços, tornando difícil o voo. Mas não é necessário que torne impossível a navegação, bastando que sofra qualquer prejuízo. Em ambas exige-se o dolo, seja na vontade de atentar contra a aeronave, seja de impedir ou dificultar o voo.

O crime é de perigo concreto e não de perigo abstrato. Admite-se a tentativa. 

Com relação ao tipo penal do artigo 261 do Código Penal tem-se a opinião de Magalhães Noronha( Direito penal, volume III,  São Paulo, Saraiva, 1977, pág. 403):. “ Compõem-se o dispositivo de duas partes: “Expor a perigo embarcação ou aeronave, própria ou alheia e “ praticar qualquer ato tendente a impedir ou dificultar a navegação marítima, fluvial ou aérea!. Na primeira, vê-se perfeitamente tratar-se de crime de perigo como as espécies anteriores, empregando o código as mesmas expressões: “expor a perigo” etc. Quanto à segunda, nada na oração nos indica que este seja da mesma natureza; ao contrário, somos levados naturalmente a crer que se contemplou aí um delito de perigo abstrato; basta a prática de uma das ações agora mencionadas, sem haver o perigo real de acidente ou desastre para o meio de transporte.”

Os crimes de perigo abstrato ou presumido são aqueles cujo perigo é ínsito na conduta e presumido, segundo a doutrina, juris et de iure. Por sua vez, como revela Ângelo Roberto Ilha da Silva(Dos crimes de perigo abstrato em face da Constituição, São Paulo, ed. RT, 2003, pág. 72).os crimes de perigo concreto pressupõem a afirmação do perigo no caso concreto a posteriori, exigindo -se a verificação efetiva do perigo, devendo este ser constatado caso a caso.

O tipo subjetivo está consubstanciado na vontade de impedir ou de impedir ou de dificultar o funcionamento do transporte público, exigindo-se que o agente tenha consciência de que está expondo a perigo a incolumidade pública(RT 430/401). Mas é indiferente o intuito com que o agente atua, uma vez que a lei não prevê o dolo específico, nessa modalidade.

Se há sabotagem por motivação política, aplica-se o artigo 15 da Lei de Segurança Nacional.

Por sua vez, determina o artigo 262 do CP:

Expor a perigo outro meio de transporte público, impedir-lhe ou dificultar-lhe o funcionamento: Pena - detenção, de um a dois anos. § 1º - Se do fato resulta desastre, a pena é de reclusão, de dois a cinco anos. ... Pena - detenção, de três meses a um ano.

Trata-se de crime contra a incolumidade pública.

O artigo 262 do CP visa à segurança de outros meios de transporte, não incluido nos dispositivos anteriores: ônibus, embarcações lacustres, lotações, táxis etc desde que se destinem a transporte público.

No artigo 262 do CP duas são as modalidades incriminadas: expor a perigo outro meio de transporte público(colocar-se em perigo, dela podendo resultar uma probabilidade de desastre); impedir ou dificultar-lhe o funcionamento(de outro meio de transporte público(impedir é não permitir; interromper, fazer cessar e dificultar é tonar mais difícil). Trata-se de crime de perigo concreto que exige o dolo. Para Heleno Fragoso(Lições de Direito Penal, Parte Especial, 1965, V.III, pág. 817), na modalidade de expor a perigo bastaria o dolo eventual. Pede-se o dolo genérico. Admite-se a tentativa. Mas se a ação visa à perturbação político-social, aplica-se o artigo 15 da Lei 7.170, de 14 de dezembro de 1983, Lei de Segurança Nacional.

Art. 263 do CP - Se de qualquer dos crimes previstos nos arts. 260 a 262, no caso de desastre ou sinistro, resulta lesão corporal ou morte, aplica-se o disposto no art. 258.

Por sua vez, o artigo 265 do CP prescreve:

Atentar contra a segurança ou o funcionamento de serviço de água, luz, força ou calor, ou qualquer outro de utilidade pública: Pena - reclusão, de um a cinco anos, e multa.

O sujeito passivo é a coletividade.

O objeto jurídico do crime é a incolumidade pública, especialmente os serviços de utilidade pública.

O tipo objetivo do crime do artigo 265 do CP é atentar contra a segurança, tornando o serviço inseguro. Atentar contra o funcionamento é pôr em risco à continuidade do funcionamento.

O tipo subjetivo é o dolo genérico.

Se a finalidade é a perturbação político-social, aplica-se o artigo 15 da Lei de Segurança Nacional.

O crime de desobediência tem previsão de pena de detenção, de quinze dias a seis meses, e multa, sendo crime de menor potencial ofensivo, sujeito a disciplina da Lei 9.099/95 e aos seus institutos, como a transação penal, a suspensão condicional do processo, por exemplo.

O crime de desobediência exige, para a sua configuração, a existência de pessoa determinada, contra quem foi expedida a ordem da autoridade. Com isso se diz que a ordem deve emanar de funcionário público, que somente poderá ser o empregado público, no sentido estrito do direito administrativo, como relevou Nelson Hungria (obra citada), pois somente este é o agente do Poder Público, em cujo nome atua, expedindo ordem de cumprimento obrigatório.

Essa ordem deverá ser, de forma indispensável, transmitida diretamente ao destinatário, pois não haverá crime se este não tiver o induvidoso e inequívoco conhecimento da mesma (RT 427/424; 427/426; 531/327). Somente em casos excepcionais será admitida a notificação por edital (comprovando a acusação de que o agente teve perfeito e completo conhecimento de todos os seus termos).

Pratica o crime quem desobedece a ordem legal emanada de autoridade competente. O particular, geralmente, e o funcionário público, podem ser sujeitos ativos do crime de desobediência (RT 418/249). É necessário, no entanto, que não esteja no exercício da função (RT 738/574).

A ordem deve conter cominação expressa, não sendo bastante a mera solicitação, como explicita Heleno Cláudio Fragoso (Jurisprudência Criminal, nº196).É exemplar a lição de Soler (Derecho Penal argentino, título V, pág. 112), lembrada por Paulo José da Costa Jr. (obra citada, pág. 507), para quem não se deve atribuir uma grande capacidade de expansão à norma que preceitua o crime de desobediência, em sua exegese. Assim se entende que a resistência passiva à prisão não configura crime. Como exemplo se tem a falta de tipicidade nos casos em que o depoente se recusa a assinar o depoimento, sem assistência de advogado.

O crime se consuma quando há o desatendimento à ordem legal expedida. Se se tratar de omissão, o momento consumativo se apresenta quando decorrer o prazo para o cumprimento da obrigação, não sendo possível a tentativa.

Voltemos a lição de Heleno Cláudio Fragoso (Lições de Direito Penal, volume II, 5ª edição, pág. 459), para quem é mister que a ordem seja legal, isto é, fundada em lei e emanada da autoridade competente, agindo nos limites de suas atribuições, com observância das formalidades legais. Mas, estabelecida a legalidade, será indiferente a justiça ou a injustiça da ordem, assegura Heleno Cláudio Fragoso (obra citada, pág. 459). Mas se impõe que o destinatário da ordem tenha o dever jurídico de obedecer (RTJ 103/139).

Entende-se que o dolo é o genérico consistente na vontade de desobedecer à ordem legal do funcionário público. Deve o agente ter ciência da determinação e consciência da antijuridicidade de sua conduta.

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Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROMANO, Rogério Tadeu. Um caso de lockout e a lei de segurança nacional. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5445, 29 mai. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/66465. Acesso em: 22 dez. 2024.

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