RESUMO: O presente artigo tem como escopo examinar o Programa de Incentivo à Inovação Tecnológica e Adensamento da Cadeia Produtiva de Veículos Automotores, o Inovar-auto, criado em 2012 e válido até dezembro de 2017. A análise aqui aferida objetiva se o programa de incentivos fiscais ao setor automobilístico conseguiu cumprir as suas metas de melhoria do mercado brasileiro no setor, bem como o cumprimento de incentivos na área da pesquisa e tecnologia, para o fortalecimento da indústria nacional. Por fim, será averiguado o Programa, frente aos impactos da renúncia fiscal por ele causados e as críticas feitas pela Organização Mundial do Comércio – OMC - ao programa e, diante desse prognóstico, quais seriam os desafios para o novo regime automotivo a ser implementado em 2018 – o Rota 2030.
Palavras-chave: Inovar-auto; Incentivos Fiscais; Organização Mundial do Comércio; Rota 2030.
Sumário: Introdução. 1. Pontos do Programa Inovar-Auto condenados pela OMC. 2. Efeitos do Inovar-Auto (Inovação e adensamento de cadeias produtivas). 3. Impactos causados pela renúncia fiscal. 4. Avaliação geral do Programa. 5. Diretrizes e desafios para o novo regime automotivo de 2018: o Rota 2030. Conclusão. Referências.
INTRODUÇÃO
Criаdo еm 2012, através do Decreto nº 7.819/2012[1], que regulamenta os artigos 40 a 44 da Lei nº 12.715/2012[2] е iniciаdo no аno de 2013, o Progrаmа dе Incеntivo à Inovаção Tеcnológicа е Аdеnsаmеnto dа Cаdеiа Produtivа dе Vеículos Аutomotorеs - Inovаr-Аuto – é o regime automotivo do Governo Federal, que tem como objetivo a criação de condições para o aumento de competitividade no setor automotivo.
Crеdеnciаdаs аo progrаmа, еmprеsаs produtorаs ou comеrciаntеs do sеtor аutomobilístico rеcеbеm, por pаrtе do Govеrno Fеdеrаl, incеntivos tributários pаrа аprimorаr аs аtividаdеs dеsеnvolvidаs, ficаndo condicionаdаs, todаviа, аo cumprimеnto dе mеtаs еspеcíficаs, como vаlorеs mínimos dе invеstimеnto, аumеnto do volumе dе gаstos com dеtеrminаdаs árеаs, produção dе vеículos mаis еconômicos, dеntrе outros rеquisitos.
Dentre suas metas e objetivos, destaca-se a previsão de 30 pontos percentuais adicionais no IPI para as montadoras que cumprirem com as metas de conteúdo nacional e etapas de produção dentro do Brasil, no caso de veículos importados, o programa sempre aplica uma sobretaxa de IPI de 30 pontos – 30%.
Essa sobretaxa de 30% sobre os automóveis importados não recai sobre os veículos importados dos países do Mercosul e nem sobre o México, os países que não tiverem fábrica no Brasil também poderiam aderir a Inovar Auto, contanto que investissem em alguma das seguintes áreas, pesquisa e desenvolvimento, engenharia, tecnologia industrial básica, capacitação de fornecedores, dentre outros; a alíquotas de IPI variam de acordo com o tamanho do motor do veículo.
Em tese, o benefício do programa é que as empresas que se adequassem às normas definidas pelo Programa pudessem usufruir do crédito gerado pelo IPI que incidiria sobre determinados produtos fabricados por empresas automobilísticas.
Assim, os créditos presumidos em IPI seriam revertidos em gastos com pesquisa e desenvolvimento e a investimentos em tecnologia da indústria automobilística, engenharia de produção e capacitação de fornecedores.
Dessa forma, o programa beneficiaria direta e indiretamente as empresas que produzem veículos no país, as que não produzem, mas os comercializam e as que apresentam projetos de investimento no setor.
O Inovar-auto, portanto, culminaria no estímulo à concorrência, pois seu foco seria, precipuamente, no aumento da competição e na busca de ganhos sistêmicos de eficiência e aumento de produtivade da cadeia produtiva, das etapas de fabricação, aqui abrangendo a rede de serviços tecnológicos e também de vendas.
As metas específicas impostas ao programa foram, necessariamente, as seguintes[3]: investimentos mínimos em P&D (inovação); aumento do volume de gastos em engenharia, tecnologia industrial básica (TIB) e capacitação de fornecedores; produção de veículos mais econômicos e aumento da segurança dos veículos produzidos.
Imperioso ressaltar, ainda, que o Inovar- auto, que encerra sua vigência em 31 de dezembro do corrente ano, previa que a partir 2017 os veículos que consumissem 15,46% menos energia, teriam direito a abatimento de um ponto percentual de IPI e os veículos que consumissem 18,84% a menos, teriam direito a abatimento de dois pontos percentuais de IPI.[4]
Acontece que na reta final do Programa, a realidade que se vê, tanto de alcance de objetivos, quanto de cumprimento de metas, não é bem o que se desenhou para o programa. É o que veremos a seguir.
Então, a partir das considerações ora tecidas e de vasta leitura sobre o tema – incluindo nesse arcabouço metodológico as fontes secundárias que serão expostas ao final deste artigo e matérias contidas periódicos que abordam a temática e suas especificidades -, obteve-se suporte para a discussão dos assuntos referentes ao programa de governo ao setor automobilístico, Inovar-Auto, avaliando seus resultados e os desafios para o regime automotivo de 2018.
1. PONTOS DO PROGRAMA INOVAR-AUTO CONDENADOS PELA OMC
А fаsе principаl do Inovаr-Аuto tеrminа no finаl dеssе аno, mаs, аntеs disso, o Progrаmа já rendeu ao Brasil uma condenação por protеcionismo nа Orgаnizаção Mundiаl do Comércio (OMC).
A partir de uma denúncia feita pelo Japão e a União Europeiá, a еntidаdе emitiu, no final de agosto de 2017, um parecer em que dеfiniu quе o então rеgimе аutomotivo em vigor no Brasil fеria аs lеis dе comércio – livre concorrência -, instituídas pela OMC, o que аfеtаva as еmprеsаs еstrаngеirаs de forma injusta.
No final de 2016, numa primeira instância, a OMC aceitou os argumentos dos processos abertos pela união européia e japão contra a inovar auto.
No entanto, só em agosto de 2017 que a OMC conseguiu concluir o informe final, divulgando, em 30 de agosto de 2017 a condenação oficialmente o programa inovar auto.
O relatório da OMC, divulgado no final de agosto de 2017, condenava os seguintes pontos do programa de concessão de benefícios ficais:
- Vinculação do desconto do imposto à produção: A OMC entende que o Brasil pratica taxação excessiva contra os produtos importados, em comparação com os locais – o governo federal, antes do lançamento da inovar-auto, resolveu aumentar em 30% (trinta por cento) o IPI para carros importados, o que diminuiria a competição com importados mais baratos.
A OMC também criticou o fato de, para ter que livrar-se desse aumento de impostos, as empresas terem de montar os carros no Brasil e não apenas desmontá-los e montá-los no Brasil. Como algo obrigatório, portanto, teriam que ter fábricas de montadoras em nosso país, mesmo produzindo poucos carros por ano.
- Isenção da cobrança de ipi aos importados provenientes do México e do Mercosul: Vale constar que o aumento do IPI acima mencionado para carros importados não recaiu para os países integrantes do Mercosul e nem para o México, com os quais o Brasil possui acordos comerciais específicos e que reúnem a maior parte das unidades trazidas do exterior ao país.
A isenção em benefício de alguns países, em detrimento dos demais, foi criticada pela OMC.
- Condições específicas para aqueles que não possuem fábrica de automotivos no país: Quem não possuísse fábrica no país também poderia aderir ao Inovar-auto, sob a condição de investir em pesquisa e desenvolvimento, ou engenharia, ou tecnologia industrial básica, ou em capacitação de fornecedores, dentre outros.
Como não tinham laboratório no Brasil, as marcas poderiam, ainda, aplicar em fundo do governo para desenvolvimento de ciência e tecnologia.
Mas isso não queria dizer que aqueles que investissem nessas áreas seria necessariamente beneficiário daquilo que estava investindo, o que seria uma prática condenável, por ser prejudicial aos importados frente aos produtos nacionais.
Com base nesse relatório, a Organização Mundial do Comércio estipulou prazo para que o Governo Federal fizesse correções ao programa para regularizar-se, enquadrando-se às leis de mercado mundialmente estabelecidas.
Essa pode ser considerada a maior derrota brasileira em contenciosos no âmbito desse organismo internacional.
O prazo de sessenta dias para interpor recurso em desfavor ao relatório começou a correr em 19 de setembro de 2017. Findo o prazo, o Órgão de apelação da OMC iniciará, então, um novo exame do caso.
Com esse recurso, a previsão é que o Brasil tenha um prazo para implementar novas medidas até, pelo menos, metade de 2018, o que já culminaria na criação de um novo plano de gorverno para o setor, já que o Inovar-auto encerrará em 31 de dezembro de 2017.
2. EFEITOS DO INOVAR-AUTO (Inovação e adensamento de cadeias produtivas)
Dentre os principais objetivos do Programa de Incentivo à Inovação Tecnológica e Adensamento da Cadeia Produtiva de Veículos Automotores, podemos citar o estímulo ao aumento do conteúdo regional na produção, medido pelo volume de aquisições de peças e insumos estratégicos, a garantia do investimento em P&D, o aumento do volume de gastos em Engenharia, Tecnologia Industrial Básica e Capacitação de Fornecedores e o aumento da eficiência energética dos veículos, através da etiquetagem veicular e redução da emissão de gás carbônico - CO2 -, definindo níveis aceitáveis.
O programa proporcionou a vinda de novas montadoras para o país, o aumento da capacidade produtiva e uma obrigatoriedade de aumento do conteúdo local de autopeças. Houve ainda uma redução das importações de veículos, com incremento da eficiência energética de veículos leves desenvolvidos localmente, bem como aumento no investimento em P&D, principalmente em tecnologias de motores, com significativa redução de emissões e consumo de combustíveis.
Entretanto, o programa não beneficiou diretamente os fornecedores da cadeia automotiva, tais como o setor de autopeças, uma vez que não foram direcionados créditos e benefícios aos mesmos. O que se esperava era um aumento na compra de insumos estratégicos e ferramentaria de fornecedores locais, mas estima-se que este aumento não ocorreu de forma significativa, uma vez que o setor automotivo se enfraqueceu e a produção de veículos reduziu durante a vigência da política, devido à crise econômica enfrentada.
Ademais, os fornecedores enfrentaram uma série de obrigatoriedades referentes ao controle de seus conteúdos, repassando a cada mês para as montadoras as informações de procedência dos produtos comercializados para inclusão no Sistema de Rastreabilidade.
Com o fim do Inovar-Auto e a recente condenação pela Organização Mundial do Comércio – OMC -, o Governo Federal prepara uma nova política de incentivos ao setor automotivo, denominada Rota 2030. O novo programa visa a reforçar seu principal sucesso, relacionado à melhoria obrigatória dos níveis de eficiência energética dos veículos brasileiros e buscar soluções para o incentivo ao desenvolvimento da cadeia automotiva como um todo, no qual se incluem os fabricantes de autopeças que ficaram de fora dos benefícios do programa.
3. IMPACTOS CAUSADOS PELA RENÚNCIA FISCAL
Em auditoria realizada pelo Tribunal de Contas da União nos cinco principais programas de governo para estímulo à indústria brasileira – Lei de informática, Lei do Bem, o Padis e PATVD e o Inovar-Auto , foi avaliado por aquela Corte de Contas que tais programas vão consumir cinquenta e dois bilhões em recursos públicos até o final de 2017.
De mais a mais, constou na avaliação realizada que tais programas estão sendo mantidos sem a garantia de que as contrapartidas em investimentos para o desenvolvimento tecnológico sejam cumpridas.
Em tese, esse valor deveria ser revertido em investimentos em pesquisa e tecnologia, com o objetivo de fortalecimento da indústria nacional. Acontece que, ao final do programa Inovar-Auto, não é isso que se verifica.
Os pontos negativos do Inovar-Auto não se resumem no desrespeito à OMC. Segundo estudo recente divulgado pelo Banco Mundial, o Inovar-Auto também fracassou em estimular a pesquisa e desenvolvimento no setor, o que, oficialmente, seria o seu principal objetivo, como acima mencionado.
Corroborando o fato, os técnicos do Tribunal de Contas da União – TCU- concluíram que não seria possível avaliar se os incentivos ajudaram na política industrial ou se, simplesmente, colaboraram com o aumento das vendas – e dos lucros – de fabricantes de computadores, eletroeletrônicos e veículos.
Em 2013, vale lembrar, o órgão de fiscalização exigiu mudanças nesse controle de contrapartidas aos programas de incentivo fiscal, cujo atendimento que não restou demonstrado pelo Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços – MDIC.
Dessa forma, além dos riscos de as empresas não terem recebido benefícios fiscais sem as devidas contrapartidas, o TCU também detectou problemas na efetividade dos programas de incentivo, já que, segundo o referido trabalho, os Ministérios não realizam um estudo para mensurar o impacto no setor industrial, objetivo único e primordial das políticas públicas voltadas ao setor automobilístico.
O prognóstico, diante da situação, ainda é mais grave. Hoje, a Receita Federal não tem como recuperar os impostos de empresas que não cumpriram com essas contrapartidas e, pela legislação, as dívidas tributárias caducam após cinco anos.
4. AVALIAÇÃO GERAL DO PROGRAMA
Em conformidade com dados informados pelo Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços – MDIC -, as metas estabelecidas para o programa Inovar-Auto vêm sendo atingidas. Segundo o órgão, investimentos em dezessete novas fábricas e projetos para linhas de montagem ultrapassam R$ 4,6 bilhões, com aumento da capacidade produtiva em 374 mil unidades e geração de sete mil empregos.
Com o fim do programa, a previsão é de investimentos no valor de R$ 2,7 bilhões para 110 mil unidades adicionais.[5]
No entanto, tomando por base o que foi assinalado nos itens anteriores, as metas estabelecidas não vem sendo cumpridas e, consequentemente, a concretização de seus obejtivos, fato este que implica, necessária e diretamente no enfrequecimento da indústria automobilística nacional frente ao mercado mundial.
Corroborando o argumento do não cumprimento das metas e objetivos impostos ao Inovar-auto, o TCU critica o fornecimento dessas informações pelos próprios órgãos e pelas empresas, mas o MDIC afirma que “os compromissos das empresas são monitorados em visitas técnicas periódicas e sujeitos a auditoria independente. ”[6]
Imperioso ressaltar que o programa também teve efeitos colaterais que prejudicaram ainda mais a competitividade do setor. Muitos produtores se viram compelidos a produzir no Brasil, mesmo com suas fábricas produzindo pouco e gerando uma rentabilidade baixa.[7]
Com isso, o resultado foi a proliferação de pequenas fábricas para produzir poucos milhares de automóveis. Mas, esse era o preço pago pelas montadoras paga evitar o pagamento de um imposto adicional.