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A aplicabilidade do princípio da proteção integral no procedimento infracional

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09/07/2018 às 14:33
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4) O PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO INTEGRAL NO ÂMBITO INFRACIONAL

Até a entrada em vigor do Estatuto da Criança e do Adolescente a comunidade cunhava a criança ou adolescente em conflito com a lei de “menor infrator”, relacionando-o diretamente com a criminalidade, criando uma verdadeira repugnância a essa população. Essa reação para com essa parcela da população fazia com que estes fossem cada vez mais marginalizados na sociedade.

Em contraposição à “doutrina da situação irregular” e alcunha de “menor infrator”, o Estatuto da Criança e do Adolescente, inspirado nas manifestações internacionais, instituiu a filosofia da Proteção Integral. Desaparece, portanto, o termo “menor infrator” na legislação, substituindo por adolescente em conflito com a lei. 

Essa nova filosofia exige uma transformação na cultura e pensamento da sociedade como um todo, onde as crianças e adolescentes deixam de ser enxergados como delinquentes e passam a ser sujeito de direitos e interesses superiores em virtude da condição peculiar de pessoas em formação.Nesse sentido Guilherme Freire de Melo Barros entende que 

A lei tem o objetivo de tutelar a Criança e o adolescente de forma ampla, não se limitando apenas a tratar de medidas repressivas contra seus atos infracionais. (Barros, 2012)

Contudo, não basta uma mudança na legislação, tendo em vista que é na sua aplicação que se verifica uma maior transformação da sociedade. Insta mencionar que não é a toa que o constituinte estabeleceu ser dever da família, da sociedade e do Estado assegurar a proteção integral das crianças e dos adolescentes, vez que cabem a todos os institutos e segmentos sociais interpretar e aplicar as normas de maneira que prevaleça os interesses do menor, bem como sejam observados seus direitos.

4.1) O ATO INFRACIONAL

A delinquência no seu amplo sentido, que tenha como autor a criança ou o adolescente, vem alargando seus limites e recebe um tratamento diferenciado em relação às infrações praticadas por agentes capazes e imputáveis. Daí advém a preocupação do legislador em estabelecer critérios e princípios acerca dos atos infracionais e também as medidas a serem aplicadas aos menores de 18 anos. Nesse sentido o § único do artigo 2o do ECA dispõe que “nos casos expressos em lei, aplica-se excepcionalmente este Estatuto às pessoas entre 18 (dezoito) e 21 (vinte e um) anos de idade”.

Cumpre ressaltar que o legislador preferiu usar a expressão ato infracional no lugar de infração penal, porque esta expressão poderia ter um sentido pejorativo. Assim, teoricamente, crianças e adolescentes não cometem crimes e contravenções, mas apenas atos infracionais. Sobre tal questão preceitua SILVA (1992, p. 161): “O menor comete, sim, infração penal, apenas não é processado criminalmente por ser considerado um inimputável sob a ótica do Texto Maior”.

O crime, na definição da maioria dos doutrinadores, é considerado como fato típico, antijurídico e culpável. Assim, devido à inimputabilidade do menor de 18 anos, quando a criança ou adolescente comete uma infração, esta não é considerada como crime, por faltar um dos seus requisitos, qual seja a culpabilidade. Ou seja, o ato atribuído à criança ou ao adolescente, embora enquadrável como crime ou contravenção, pela sua idade, não constitui tais delitos, mas sim simples ato infracional. A conduta de seu agente não configura uma ou outra daquelas infrações, por se tratar simplesmente de um tratamento que deve ser diferenciado ao seu agente, que é próprio e específico (MACIEL, 2006).

Em que pese a criança e o adolescente possam praticar um ato infracional igualmente, o Estatuto da Criança e do Adolescente as diferem quanto ao tratamento concedido. Enquanto às crianças em conflito com a lei são lhe aplicadas as medidas de proteção, aos adolescentes é cabível aplicação de medidas socioeducativas e algumas medidas de proteção. Tal conclusão se extrai do artigo 105 do ECA que dispõe que “ao ato infracional praticado por criança corresponderão as medidas previstas no art. 101.”

Portanto, a pessoa com idade até 12 anos incompletos, se praticar algum ato infracional, será encaminhada ao Conselho Tutelar e estará sujeita às medidas de proteção, já a pessoa com idade entre 12 de 18 anos ao praticar ato infracional, estará sujeito a processo contraditório, com ampla defesa e poderá receber uma “sanção” denominada medida socioeducativa.

4.2) AS MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS

O Estatuto da Criança e do Adolescente elenca as medidas socioeducativas no artigo 112 e seguintes, como consequências da prática de ato infracional praticado por adolescente. Dispõe o art. 112 do ECA:

Art. 112. Verificada a prática de ato infracional, a autoridade competente poderá aplicar ao adolescente as seguintes medidas:

I – Advertência

II – Obrigação de reparar o dano

III – Prestação de serviço à comunidade

IV – Liberdade Assistida

V – Inserção em regime de semiliberdade

VI – Internação em estabelecimento educacional

VII – Qualquer uma das previstas no artigo 101, I a VI.

Observa-se que o Estatuto limita-se a dispô-las em um rol taxativo e a traçar suas hipóteses de cabimento. Sabe-se que as medidas sócio-educativas constituem na resposta estatal, aplicada pela autoridade judiciária, ao adolescente que cometeu ato infracional, no entanto o Estatuto da Criança e do Adolescente restou omisso no que diz respeito à identificação da natureza jurídica dessas medidas socioeducativas. 

É neste ponto que a doutrina menorista trava seus maiores debates e divergências, vez que a partir da constatação da natureza jurídica das medidas socioeducativas é possível traças diretrizes e regras de tratamento dispensadas aos adolescentes. Em que pese a divergência, há um consenso no que diz respeito a natureza pedagógica destas. 

As medidas socioeducativas possuem uma finalidade educativa e de inclusão social plena do adolescente, em respeito à peculiar condição de ser humano em fase de desenvolvimento, destinatário de proteção integral. Segundo Olympio de Sá Sotto Maior Neto (MPGO, V. 2, p. 18), em sua reflexão sobre o ato infracional e as medidas socioeducativas dispõe que:

“Quando se trata de adolescente autor de ato infracional, a proposta é de que, no contexto da proteção integral, recebe ele medidas socieducativas (portanto, não punitivas), tendentes a interferir no seu processo de desenvolvimento objetivando melhor compreensão da realidade e efetiva integração social (o educar para a vida social visa, na essência, o alcance de realização pessoal e participação comunitária, componentes próprios da cidadania).”

Enquanto a finalidade do processo penal é a aplicação da pena, no procedimento socioeducativo a finalidade é pedagógica e de transformação da realidade do adolescente, tendo como instrumento as medidas socioeducativas. O que se debate é se tais medidas são ou não penas, isto é, se possuem natureza puramente pedagógica ou também sancionatória. Nesse sentido PACAGNAN atribuía à medida socioeducativa seu aspecto de pena: “Queira ou não denominá-la assim, trata-se de uma sanção, uma ordem imposta ao adolescente” (1995, p. 30). Sobre a natureza das medidas socioeducativas, Volpi explica:

"As medidas socioeducativas comportam aspectos de natureza coercitiva, uma vez que são punitivas aos infratores, e aspectos educativos no sentido da proteção integral e oportunização, e do acesso à formação e informação. Sendo que em cada medida esses elementos apresentam graduação de acordo com a gravidade do delito cometido e/ou sua reiteração." (VOLPI, 2011, pág. 20)

No mesmo sentido de Volpi, Konzen, referenciado por Schmidt, orienta:

A medida socioeducativa, seja pena ou seja sanção, significa, para seu destinatário, a reprovação pela conduta ilícita, providência subseqüente que carrega em si, seja a conseqüência restritiva ou privativa de liberdade, ou até mesmo modalidade de simples admoestação, o peso da aflição, porque sinal de reprovação, sinônimo de sofrimento porque segrega do indivíduo um de seus bens naturais mais valiosos, a plena disposição e exercício da liberdade. (SCHMIDT, 2011, pág. 30)

Assim, tem-se que a medida socioeducativa também é punitiva. Mesmo a pena por crime, como disposto na Lei de Execução Penal, tem seu lado  socioeducativo: pune-se e tenta-se, com a punição, reeducar. O procedimento para a aplicação da medida socioeducativa no Estatuto da Criança e do Adolescente é semelhante ao processo criminal: iniciativa do Ministério Público (artigo 182), cientificação da acusação (artigo 184, parágrafo 1o), interrogatório (artigo 186), defesa prévia (artigo 186, parágrafo 3o), instrução e julgamento (artigo 186, parágrafo 4o), alegações finais, e sentença.

Desta feita, em virtude da dupla natureza das medidas socioeducativas, pedagógica e sancionatória, são assegurados ao adolescente em conflito com a lei todos os direitos assegurados pelo Direito Penal, para que o mesmo possa ter um julgamento justo e igualitário. A grande diferença entre o “Direito do Menor” e o Direito Penal está em que este leva o juiz, em seu julgamento, a colocar em primeiro lugar o ato praticado, e somente depois olha-se para o homem que está em julgamento para examinar sua personalidade, e só então fixar a pena definitiva. O juiz de menores, ao contrário, analisa primeiro o menor que tem à sua frente, para então considerar o ato criminoso praticado. Essa é a essência desse direito intuitivo, que tem como pressuposto principal a reeducação e ressocialização desse menor.

4.3) UTILIZAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO INTEGRAL NA APLICAÇÃO DAS MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS

A partir da constatação da natureza punitiva das medidas socioeducativas abre-se espaço para o reconhecimento do Direito Penal Infanto-juvenil. 

O Direito Penal Infanto-juvenil é caracterizado pela subsidiariedade, isto é, sua aplicação apenas se mostra necessário quando outras esferas do Direito da Criança e Adolescente falharem na missão de proteção destas pessoas. Primeiro se busca a proteção de seus direitos através de políticas públicas, na omissão ou insuficiência destas aciona-se o sistema de medidas de proteção e por fim surgem as medidas socioeducativas.

O reconhecimento deste sub-ramo do Direito da Criança e do Adolescente se faz necessário e imprescindível para conter arbitrariedades no procedimento infracional tão comuns na doutrina tutelar, em que havia ampla discricionariedade do magistrado tanto no procedimento quanto na escolha da punição do menor. Outrossim, o juiz de menores decidia com base na sua íntima convicção do que é melhor para o menor, desprezando o interesse do adolescente.

Nesse sentido Zaffaroni e Pierangeli ensinam que 

Resulta disso ser inadmissível a absoluta discricionariedade e à falta de garantia existentes no direito do menor que tende, sob o pretexto de um paternalismo, converte-se num discurso de justificação de uma ordem repressiva, muitas vezes lesiva aos direitos humanos do que o sistema penal para os adultos. (Zaffaroni e Pierangeli, 2006)

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O Direito Penal Infanto-juvenil impõe a observância das garantias e princípios,  tanto os previstos na legislação criminal quanto os decorrentes da doutrina da proteção integral. As garantias e princípios, de observância compulsória pelo julgador, tem como finalidade a limitação da intervenção punitiva estatal. Assim ,no procedimento para imposição de medida socioeducativa devem ser respeitadas as garantias penais dirigidas aos adultos além das garantias previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente, consagrando o Princípio da Proteção Integral. 

No âmbito infracional, o Princípio da Proteção Integral tem por fim o respeito das garantias e direitos do adolescente em conflito com a lei, a consideração de pessoa ainda em formação e o melhor interesse daquele. Portanto, é forçoso concluir que os interesses da criança e do adolescente são superiores. A superioridade decorre do dever de proteção pela família, sociedade e Estado, tendo em vista sua condição de sujeitos de direitos e de pessoa em formação e desenvolvimento.

Ocorre que o reconhecimento do Direito Penal Infanto-juvenil, embora essencial, está em vias de construção paulatina nos Tribunais pátrios. 

Em que pese exista vasta doutrina elencando os direitos fundamentais da criança e do adolescente, estes são comumente utilizados para agravar a situação do adolescente em conflito com a lei, em nome do “melhor interesse do menor”. Em recente decisão, o Superior Tribunal de Justiça entendeu afastar a garantia da presunção de inocência para promover a execução provisória da medida socioeducativa de internação. Senão vejamos a ementa do acórdão.

DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. CUMPRIMENTO IMEDIATO DE MEDIDA SOCIOEDUCATIVA INDEPENDENTE DE INTERNAÇÃO PROVISÓRIA.

Mesmo diante da interposição de recurso de apelação, é possível o imediato cumprimento de sentença que impõe medida socioeducativa de internação, ainda que não tenha sido imposta anterior internação provisória ao adolescente. Cuidando-se de medida socioeducativa, a intervenção do Poder Judiciário tem como missão precípua não a punição pura e simples do adolescente em conflito com a lei, mas, principalmente, a ressocialização e a proteção do jovem infrator.

Deveras, as medidas previstas nos arts. 112 a 125 da Lei n. 8.069/1990 não são penas e possuem o objetivo primordial de proteção dos direitos do adolescente, de modo a afastá-lo da conduta infracional e de uma situação de risco. Por esse motivo, deve o juiz orientar-se pelos princípios da proteção integral e da prioridade absoluta, definidos no art. 227 da CF e nos arts. 3° e 4° do ECA. Desse modo, postergar o início de cumprimento da medida socioeducativa imposta na sentença que encerra o processo por ato infracional importa em "perda de sua atualidade quanto ao objetivo ressocializador da resposta estatal, permitindo a manutenção dos adolescentes em situação de risco, com a exposição aos mesmos condicionantes que o conduziram à prática infracional".

Observe-se que não se cogita equiparar o adolescente que pratica ato infracional ao adulto imputável, autor de crime, pois, de acordo com o art. 228 da CF, os menores de dezoito anos são penalmente inimputáveis e estão sujeitos às normas da legislação especial. Por esse motivo e considerando que a medida socieducativa não representa punição, mas mecanismo de proteção ao adolescente e à sociedade, de natureza pedagógica e ressocializadora, não calharia a alegação de ofensa ao princípio da não culpabilidade, previsto no art. 5°, LVII, da CF, sua imediata execução.

Nessa linha intelectiva, ainda que o adolescente infrator tenha respondido ao processo de apuração de prática de ato infracional em liberdade, a prolação de sentença impondo medida socioeducativa de internação autoriza o cumprimento imediato da medida imposta, tendo em vista os princípios que regem a legislação menorista, um dos quais, é o princípio da intervenção precoce na vida do adolescente, positivado no parágrafo único, VI, do art. 100 do ECA.

Frise-se que condicionar o cumprimento da medida socioeducativa ao trânsito em julgado da sentença que acolhe a representação - apenas porque não se encontrava o adolescente já segregado anteriormente à sentença - constitui verdadeiro obstáculo ao escopo ressocializador da intervenção estatal, além de permitir que o adolescente permaneça em situação de risco, exposto aos mesmos fatores que o levaram à prática infracional. Ademais, a despeito de haver a Lei n. 12.010/2009 revogado o inciso VI do art. 198 do referido Estatuto, que conferia apenas o efeito devolutivo ao recebimento dos recursos - e não obstante a nova redação conferida ao caput do art. 198 pela Lei n. 12.594/2012 - é importante ressaltar que continua a viger o disposto no art. 215 do ECA, o qual prevê que "O juiz poderá conferir efeito suspensivo aos recursos, para evitar dano irreparável à parte".

Ainda que referente a capítulo diverso, não há impedimento a que, supletivamente, se invoque tal dispositivo para entender que os recursos serão recebidos, salvo decisão em contrário, apenas no efeito devolutivo, ao menos em relação aos recursos contra sentença que acolhe representação do Ministério Público e impõe medida socioeducativa ao adolescente infrator, sob pena, repita-se, de frustração da principiologia e dos objetivos a que se destina a legislação menorista.

Pondere-se, ainda, ser de fundamental importância divisar que, ante as características singulares do processo por ato infracional - sobretudo a que determina não poder o processo, em caso de internação provisória, perdurar por mais de 45 dias (art. 183 do ECA) - não é de se estranhar que os magistrados evitem impor medidas cautelares privativas de liberdade, preferindo, eventualmente, reservar para o momento final do processo - quando, aliás, disporá de elementos cognitivos mais seguros e confiáveis para uma decisão de tamanha importância - a escolha quanto à medida socioeducativa que se mostre mais adequada e útil aos propósitos ressocializadores de tal providência.

Sob outra angulação, não seria desarrazoado supor que, a prevalecer o entendimento de que somente poderá o juiz impor ao adolescente o cumprimento imediato da medida socioeducativa de internação fixada na sentença se já estiver provisoriamente internado, haverá uma predisposição maior, pela autoridade processante, de valer-se dessa medida cautelar antes da conclusão do processo. Em suma, há de se conferir à hipótese em análise uma interpretação sistêmica, compatível com a doutrina de proteção integral do adolescente, com os objetivos a que se destinam as medidas socioeducativas e com a própria utilidade da jurisdição juvenil, que não pode reger-se por normas isoladamente consideradas. (HC 346.380-SP, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, Rel. para acórdão Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 13/4/2016, DJe 13/5/2016)

Observa-se que a Egrégia Corte, com fulcro no caráter ressocializador da medida socioeducativa, decidiu pelo cumprimento imediato da medida de internação fixada na sentença de primeiro grau, ainda quando interposto recurso de apelação. Discutiu-se a atribuição de efeito suspensivo na apelação e a execução provisória da medida socioeducativa na situação em que o adolescente respondeu o procedimento infracional em liberdade.

Imprescindível analisar a orientação jurisprudencial com viés da doutrina da proteção integral e das garantias do Direito Penal Infanto-juvenil, por tratar-se de pessoa em desenvolvimento. Insta mencionar que, caso um adulto, que se encontre em liberdade, seja condenado à pena de reclusão em regime inicialmente fechado, e interponha apelação, esta terá, obrigatoriamente, duplo efeito, devolutivo e suspensivo. Em outras palavras não seria possível o cumprimento imediato da pena em razão da garantia constitucional da presunção de inocência. 

Em 2016, o Supremo Tribunal Federal mitigou o princípio da presunção de inocência e permitiu o cumprimento imediato da pena após a confirmação por Tribunal de Segundo grau da condenação, ainda que interposto recurso extraordinário e especial. Senão vejamos a ementa da decisão.

EMENTA: CONSTITUCIONAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA (CF, ART. 5o, LVII). ACÓRDÃO PENAL CONDENATÓRIO. EXECUÇÃO PROVISÓRIA. POSSIBILIDADE. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. JURISPRUDÊNCIA REAFIRMADA.

1. Em regime de repercussão geral, fica reafirmada a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal no sentido de que a execução provisória de acórdão penal condenatório proferido em grau recursal, ainda que sujeito a recurso especial ou extraordinário, não compromete o princípio constitucional da presunção de inocência afirmado pelo artigo 5o, inciso LVII, da Constituição Federal.

2. Recurso extraordinário a que se nega provimento, com o reconhecimento da repercussão geral do tema e a reafirmação da jurisprudência sobre a matéria. (STF. Plenário virtual. ARE 964246 RG, Rel. Min. Teori Zavascki, julgado em 10/11/2016 (repercussão geral).

No entanto, embora mitigado, o princípio prevalece até a decisão condenatória de segundo grau, ou seja, observa-se o efeito suspensivo do recurso de apelação, impedindo o imediato cumprimento da pena imposta na sentença de primeiro grau. Não é de difícil percepção que a recente orientação do Superior Tribunal de Justiça com fundamento no caráter pedagógico da medida de internação impôs ao adolescente tratamento mais gravoso que se fosse um adulto em situação semelhante.

Na contramão dessa decisão, o SINASE (Lei n° 12.594/2012) estabelece o princípio da legalidade, dispondo no artigo 35 que ao adolescente não pode ser dispensado tratamento mais gravoso que o dispensado ao adulto. Ainda, há que se analisar que, muito embora a medida socioeducativa tenha finalidade educativa, não se pode olvidar seu caráter punitivo e sancionatório, ainda mais quando se impõe de medida de internação.

Ocorre que ignorar a natureza impositiva, retributiva e punitiva das medidas socioeducativas em contrapartida à prática infracional importa grave violação aos direitos do adolescente, que merece ser escudado pelo sistema garantista do direito penal infanto-juvenil. A medida socioeducativa de internação é medida privativa do direito à liberdade do adolescente, restringindo o direito à convivência familiar e comunitária e inclusão social integral. Na ótica do Direito Penal Infanto-juvenil, esta medida tem correlação com o regime fechado de cumprimento de pena, que possui finalidade retributiva e preventiva. 

Sobre finalidade retributiva da medida socioeducativa, Wilson Donizete Liberati, referenciado Guilherme Freire de Melo Barros, expõe que “ela pode ser considerada uma medida de natureza retributiva na medida em que é uma resposta do Estado à prática do ato infracional praticado”. A mitigação da garantia constitucional da presunção de inocência e, em consequência, imposição de medida privativa de liberdade vai na contramão da filosofia garantista e da proteção integral. 

Não se olvida que o Estatuto elegeu o Princípio da Atualidade como norteador da aplicação das medidas socioeducativas, no entanto este não tem o condão de reduzir as garantias constitucionais nem ao menos de preferir a celeridade da atuação estatal ao invés do princípio da culpabilidade prevista no artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal de 1988.

Trata-se de pessoa em desenvolvimento e em formação física e psicológica, que carece de proteção integral e especial quando comparado ao adulto. A Declaração dos Direitos Da Criança de 1959 já mencionava: “a criança, em virtude de sua falta de maturidade física e mental, necessita proteção e cuidados especiais, inclusive a devida proteção legal, tanto antes quanto após seu nascimento”.

É imperioso destacar que a medida de privação de liberdade, em que pese ter, em tese, finalidade educativa, é medida gravosa que deve ser aplicada como “ultima ratio”. Por vezes, inclusive, tal medida tem efeito dessocializador quando não há promoção educacional, profissional e familiar do adolescente, somados esforços em conjunto de instituições envolvidas na execução das medidas socioeducativas. Sobre os efeitos negativos da segregação, Zaffaroni e Pierangeli ensinam que:

"Na realidade latino-americana constata-se, desgraçadamente, que a legião de menores serve tão-somente para submetê-los a uma situação mais gravosa e repressiva do que a do maior; exatamente em razão de sua pouca idade, sofre os efeitos negativos de uma segregação, de forma mais grave do que o adulto, posto que está atinge de maneira mais profunda a sua personalidade". (Zaffaroni e Pierangeli, 2006) 

Sabe-se que o Estatuto da Criança e do Adolescente determina a aplicação das regras recursais do Código de Processo Civil, bem como prevê que o recurso de apelação será recebido somente no efeito devolutivo, nos termos do artigo 199-A do Estatuto em epígrafe. No entanto, reconhecendo no procedimento infracional um Direito Penal Infanto-juvenil, cabem aos aplicadores das normas interpretá-las sistematicamente e finalisticamente, observando os objetivos da Doutrina da Proteção Integral erguida pelo constituinte originário e regulamentada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente.

Portanto, tratando-se de tratamento mais gravoso ao adolescente, o imediato cumprimento da medida de internação antes do trânsito em julgado da sentença que a determina, fere seu direito a recorrer em liberdade e vai na contramão dos Princípios da Proteção Integral, do Melhor Interesse do Menor e da Presunção de Inocência. 

O Princípio da Proteção Integral impõe que os intérpretes e aplicadores das normas dirigidas à criança e ao adolescente, em nome de um superior interesse, não agravem a situação daqueles que buscam proteger e sim, proporcione o maior benefício possível. Sobre o Princípio do Melhor Interesse, Guilherme Barros ensina que:

"Esse postulado traduz a ideia de que, na análise do caso concreto, os aplicadores do Direito - advogado, defensor público, promotor de justiça e juiz - devem buscar a solução que proporcione o maior benefício possível para à criança ou adolescente." (Barros, 2012)

É certo que prefere-se adoção de políticas públicas e medidas que menos interfiram na autonomia do adolescente. Em último caso, demonstrado a necessidade e utilidade da medida socioeducativa, às autoridades e instituições envolvidas na apuração da prática de ato infracional cabem observância de todos os direitos do adolescente. Nesse sentido, Zaffaroni e Pierangeli entendem que: 

"Resulta claro, não obstante, que a tutela do menor — produto da característica formadora deste ramo jurídico — não pode traduzir-se num paternalismo de entidade que desconheça as mínimas garantias processuais — o que pode afetar a própria base da família —, nem negar a realidade de que o menor é uma pessoa em formação, isto é, que a tutela não pode negar todos os direitos do tutelado, já que em tal caso chegaria a ser mais tremenda que a pena." (Zaffaroni e Pierangeli, 2006)

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Sobre a autora
Amanda Louise Ribeiro da Luz

Defensora Pública do Estado do Espírito Santo. Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Rondônia. Especialista em Direito Civil, Direito Processual Civil e Direito do Consumidor pela Universidade Leonardo Da Vinci – UNIASSELVI. Aprovada no concurso público para Defensor Público da Bahia. Aprovada no concurso público para Defensor Público do Paraná.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LUZ, Amanda Louise Ribeiro. A aplicabilidade do princípio da proteção integral no procedimento infracional. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5486, 9 jul. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/66600. Acesso em: 21 nov. 2024.

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