A legislação que rege os acidentes do trabalho no Brasil remonta ao ano de 1918, quando se logrou aprovar o projeto de lei sobre acidentes do trabalho, que fora organizado pela Comissão Especial de Legislação Social, tendo á frente, como relator, o Deputado Andrade Bezerra.Desse projeto surgiu o Decreto nº 3.724, de 15 de janeiro de 1919, modificado pelo Decreto nº 13.493, de 05.03.1919 e, por fim, regulamentado pelo Decreto nº 13.498, de 12.03.1919, constituindo-se, assim, a primeira lei brasileira em favor do trabalhador acidentado.
Por se tratar de legislação pioneira, o Decreto nº 3.724 teve importância fundamental, não só porque constituiu o marco inicial da emancipação do infortúnio laboral no tocante ao direito comum, como a conquista do trabalhador, no âmbito das relações de trabalho, em se ver protegido na eventualidade de traumatismos e doenças das condições de trabalho.
Adotando a teoria do risco profissional, cujo criador foi Félix Faure perante o Parlamento de França, em 1883, passou-se a entender que assim como o empregador suporta o desgaste e a destruição de seu material, bem como os gastos de amortização do que lhe útil, como os riscos de incêndio, responsabilidade civil, etc, deve igualmente suportar a responsabilidade pelos acidentes ocorridos no trabalho realizado em seu proveito. Assim, todo aquele cuja missão é dirigir um trabalho que lhe confere benefícios é, a priori, responsável pelos acidentes que possam resultar no curso de sua execução.
Tivemos, a seguir, o Decreto nº 24.637, de 10.07.1934 que, embora tenha igualmente adotado a teoria do risco profissional, constituiu inequívoco avanço na legislação infortunística notadamente porque, em seu artigo 36, obrigava aos empregadores à garantia de seguro contra acidentes do trabalho em instituição particular, ou optar por um depósito nas Caixas Econômicas da União ou do Banco do Brasil, em moeda corrente, ou título da dívida pública federal.
O grande marco da legislação infortunística foi o Decreto nº 7036, de 10.11.1944, regulamentado pelo Decreto nº 18.809, de 05.05.1945, tendo vigorado durante trinta e um anos, com a adoção, também, da teoria do risco profissional, isso porque, resumidamente:
a) a) Ampliou o conceito de infortúnio laboral, equiparando o acidente à doença resultante das condições de trabalho (art. 1º). Estabeleceu com nitidez a distinção entre doenças profissionais, que são inerentes a determinados ramos de atividade, e doenças resultantes das condições especiais ou excepcionais em que o trabalho é realizado;
b) b) Admitiu a teoria da concausa, retirando do conceito de acidente do trabalho a causa única e exclusiva existente na legislação anterior;
c) c) Consagrou o acidente in itinere, ou de trajeto;
d) d) O empregador deveria responder pelo ressarcimento acidentário, porém, por força de norma expressa (art. 94), estava obrigado as segurar seus empregados contra riscos de acidentes do trabalho em seguradora privada. A desobediência ao preceito legal importava na imposição de multa ao empregador relutante;
e) e) Aperfeiçoou, através de nova disciplina, a assistência médica, farmacêutica e hospitalar ao acidentado;
f) f) Tornou mais ampla a comunicação do acidente do trabalho, concorrentemente a cargo do empregador, do próprio acidentado ou por quem dele tomasse conhecimento, dentro de 24 horas, salvo impedimento justificável;
g) g) A incapacidade temporária passou a ser total, deixando de existir a distinção entre incapacidade temporária total e parcial prevista no Decreto 24.637, de 10.07.1934;
h) h) De forma pioneira obrigou aos empregadores proporcionar aos empregados a segurança e higiene do trabalho, protegendo-os especialmente contra as imprudências que possam resultar do exercício habitual da profissão;
i) i) Inovou quanto à readaptação e o reaproveitamente do trabalhador acidentado, norma que se constituiu de grande alcance social;
j) j) Inovou, ainda, na obrigatoriedade das seguradoras particulares fornecerem estatísticas dos infortúnios laborais aos órgãos do Governo, obrigação também do Judiciário quando verificasse que o empregador não tinha cobertura de seguro particular;
l) Previu o arresto de bens do empregador, no acautelamento de interesses do acidentado. Em substituição ao arresto permitia-se a caução;
m) m) Instituiu o rito sumário e a ação revisional;
n) n) Excluiu a indenização de direito comum, salvo na eventualidade de dolo do empregador ou de seus prepostos;
o) o) Estabeleceu que o critério de avaliação das incapacidades, adotada a perícia judicial, deveria se ater a tabelas expedidas pelo Serviço Atuarial, do Ministério do Trabalho;
p) p) Introduziu o sistema de manutenção de salário para os casos de incapacidade permanente e morte dos empregados.
O Decreto 7036/44 tinha conceitos claros e sua redação buscava, de forma simples e humana, reparar e prevenir os infortúnios da forma mais ampla possível.
A Tabela de Indenizações por Incapacidade Permanente, constante da Portaria nº 4, de 11.06.1959, do Serviço Atuarial, era explícita e oferecia dados precisos para se aferir a incapacidade do infortunado, levando em consideração:
a)-A especialização da profissão (classificação profissional);
b)-Idade da vítima;
c)- As condições de saúde compatíveis com o exercício da atividade e os acréscimos na indenização em razão da atividade do infortunado.
Mas, por paradoxal que pareça, embora o Decreto-Lei 7036/44 estivesse cumprindo satisfatoriamente o seu papel na proteção do trabalhador acidentado, eis que, a partir de então, passou-se a cogitar que o seguro acidentário deveria sair da iniciativa privada e ser estatizado e, nessa direção, surgiram várias legislações que serviram para desfigurar inteiramente as normas do infortúnio laboral.
A Lei nº 6.367, de 19.10.1976, embora reconhecendo a estatização do seguro por acidentes do trabalho, foi a última legislação específica no tocante à matéria, eis que todas as normas jurídicas que vieram posteriormente a disciplinar o infortúnio laboral passaram a integrar a lei de benefícios da Previdência Social.
Portanto, desde a edição da Lei nº 8.213/91, de 24.06.1991, dispondo sobre Planos de Benefícios da Previdência Social, não se tem no Brasil uma legislação apenas voltadas para os acidentes do trabalho, mas sim uma miscelânea de normas previdenciárias em sentido estrito e de infortunística laborativa, em um só estatuto, sem a existência de um capítulo ou título especial e exclusivo para esta última.
Cabe ao intérprete buscar aqui e ali, dentro da legislação previdenciária, o que se adapta ou não ao infortúnio do trabalho, o que, decididamente, não é bom.
As normas acidentárias do trabalho, na esteira da tradição que ficou sedimentada em nossa legislação especial duramente conquistada, foram desfiguradas ao longo da estatização dessa modalidade de seguro, restando apenas os requisitos tidos como essenciais: vínculo de emprego, ou o trabalho rural (art. 11-VII, da Lei nº 8.213/91) nexo causal ou concausal entre a lesão (ou doença) e o trabalho, bem como existência da incapacidade laborativa.
No momento, a forma de estabelecer a incapacidade laborativa permanente ficou limitada ao auxílio-acidente de 50% (incapacidade parcial) ou aposentadoria por invalidez acidentária (incapacidade total), o que, em termos de avaliação do deficit que o infortunado apresenta se constitui aberração, ferindo ao bom-senso de quantos estão acostumados a verificar que as lesões não repercutem apenas de duas formas na pessoa do acidentado, mas de inúmeras formas. A perda de uma falange é menor do que a de dois dedos, que é menor do que a perda da mão. O Regulamento da Previdência Social (Decreto 3.048/99), contudo, não oferece critério que se afigure sério e seguro na fixação das incapacidades laborativas.
Embora a Constituição Federal em seu artigo 201-§ 10º, através da Emenda Constitucional nº 20/98, tenha estabelecido que "a lei disciplinará a cobertura do risco de acidente do trabalho, a ser atendida concorrentemente pelo regime geral da previdência social e pelo setor privado", até os dias que correm não se tem notícia de que esteja tramitando no Congresso Nacional algum projeto de lei que venha atender à determinação constitucional. Se existe algum projeto nesse sentido, o mundo jurídico interessado dele não teve o conhecimento necessário, a fim de contribuir para eventual aperfeiçoamento.
O que, efetivamente, conduziu nossos governantes ao desinteresse pela edição de uma nova lei de acidentes do trabalho?
A resposta não é fácil, mas, a explicação mais apropriada é a de que não existe interesse da Previdência Social – diga-se, também, em especial, do Governo- em dividir com a seguradora particular o produto da arrecadação resultante dos percentuais incidentes sobre o total da remuneração paga, devida ou creditada a qualquer titulo aos empregados e trabalhadores avulsos, arrecadação essa que assume vultosas quantias.
O interesse de não dividir com a iniciativa privada esse imenso "bolo" arrecadatório fica mais aguçado quando - e isso vem ocorrendo sistematicamente há anos - a Previdência Social, com o braço forte do Governo, provoca sistemáticas alterações na Lei de Planos e Benefícios, reduzindo os valores mensais que devem ser pagos aos segurados acidentados, através de artifícios que alteram a forma de calcular.
Ao tempo da Lei 6.367/76 a forma de calcular a indenização acidentária levava em conta o salário do segurado vigente no dia do acidente, não podendo ser inferior a 92% de seu salário de benefício (cf. artigo 5º da mencionada lei).
Agora o cálculo se faz através da média aritmética simples dos maiores salários-de-contribuição, correspondente a oitenta por cento de todo o período contributivo (art. 32-II, do Decreto nº 3.048/99, acrescentado na disposição de lei através do Decreto nº 3.265, de 29.11.99).
Não é só: com o advento da Lei nº 9.528/97, o artigo 86 da Lei nº 8.213/91 sofreu alteração, deixando o auxílio-acidente de ser vitalício e tendo validade apenas até o início de qualquer aposentadoria, circunstância que se afigurou altamente danosa e injusta ao acidentado. O aposentado por tempo de serviço que retorne à atividade e venha a se acidentar no trabalho, atualmente não tem direito à indenização acidentária sob responsabilidade da autarquia previdenciária, por expressa exclusão legal.
A Lei nº 9.528/97 também restabeleceu o parágrafo 4º do art. 86, com nova redação, fazendo referência à perda da audição, dispositivo casuístico, inoportuno, que deveria constar apenas do Regulamento da Previdência Social, pois se trata de lesão cuja etiologia e extensão somente será estabelecida em exame médico pericial.
Pelo que se verifica, portanto, todas essas alterações legislativas que ocorreram ao longo dos anos, além de terem desfigurado por completo o intuito de ressarcimento do infortúnio laboral, geraram indiscutíveis vantagens ao segurador solitário, no caso o Instituto Nacional do Seguro Social-INSS.
Parece evidente, pois, que a arrecadação obtida pela autarquia previdenciária, através da incidência de percentual na folha de pagamento das empresas- que se acha em constante crescimento – e a contrapartida do pagamento dos benefícios acidentários com achatamento em seus valores mensais, bem como restrição na cumulação de benefícios, faz gerar um lucro nada desprezível, que não aconselha seja compartilhado com ninguém.
Os fatos apontados, que têm sido discutidos rotineiramente por especialistas nas questões previdenciárias, têm peso considerável para explicar o silêncio do Governo na edição de nova lei de acidentes do trabalho, em que as seguradoras particulares teriam o seu quinhão de participação.
As centrais sindicais em muitas oportunidades fazem alarido estridente em favor dos trabalhadores. Contudo, no tocante à nova legislação sobre acidentes do trabalho quedam-se inertes e desinteressadas, jamais esboçando qualquer tipo de movimento no sentido de se iniciar o debate sobre o novo estatuto infortunístico.
O Governo, como se pode deduzir, não tem interesse político na edição de nova lei acidentária, já que obtém vantagens diante da legislação em vigor.
Logo, enquanto não houver pressão da classe trabalhadora, através de seus órgãos representativos, junto ao Congresso Nacional, certamente a situação permanecerá como está, ou seja, sem a realidade de uma nova lei de acidentes do trabalho que efetivamente venha de encontro aos anseios do justo e amplo ressarcimento dos infortunados, como sempre foi da tradição de nosso Direito.