A cadeia pública de Porto Alegre - PRESÍDIO CENTRAL

central o filme-Tatiana Gesser

31/05/2018 às 09:38
Leia nesta página:

A realidade vivenciada de perto pelos encarcerados no presídio central. A extrema degradância e condições desumanas para um ser humano sobreviver. O sistema punitivo, a vingança e não apenas a pena imposta.

A CADEIA PÚBLICA DE PORTO ALEGRE- PRESÍDIO CENTRAL

 

Mesmo dispondo de tal conhecimento, gostaria muito que todas pessoas de nossa sociedade assistissem ao documentário CENTRAL –O PODER DAS FACÇÕES NO MAIOR PRESÍDIO DO BRASIL[1].

Embora a maioria da sociedade atribui a frase mais conhecida e um tanto grosseira “ BANDIDO BOM É MORTO; BANDIDO TEM QUE SOFRER NA PRISÃO”, lhes digo: até o bandido ser um rosto conhecido seu, pois no momento que é seu amigo de infância, alguém próximo de sua família ou até mesmo algum familiar, a perspectiva desse olhar horrendo para o tratamento dos presos muda completamente.

A sociedade e alguns membros do judiciário, precisam entender que não terá fim a criminalidade superlotando as penitenciárias, essa superlotação gera um reflexo imenso, produzindo mais revolta entre os apenados e fomentando o ciclo vicioso do crime. Quanto mais se prende, certamente mais uma vida foi posta no lixo, sem a chance nenhuma de ter uma nova chance de uma vida digna aqui fora.

UTOPIA DO GOVERNO

Chega desse pensamento primitivo, onde supõem que “sustentamos” os presos, UTOPIA que nosso governo e a mídia criam, pois a comida servida para os detentos é repugnante, servida muitas vezes em potes, sequer possuem copos ou pratos, então, digo-lhes com toda certeza que não existe verbas distribuídas para a comida destes, se o preso não possui familiares para ajuda-lo, literalmente estará em estado degradante, desumano e cruel.

Conforme palavras sábias de Michel Foucault em seu livro VIGIAR E PUNIR, cito uma frase interessante, a qual se enquadra em nosso sistema punitivo atual:

“É preciso que a justiça criminal puna, em vez de se vingar”

(FOUCAULT, 2014, pg. 74) [2]

Ocorre que esta frase fora escrita no livro supracitado em meados do século XVIII, ou seja, não existem penas para a ressocialização do indivíduo, mas punição em forma de vingança, tanto pela sociedade quanto pelo judiciário.

A defesa do réu, qual supostamente praticou um crime, já não tem mais relevância, basta mínimo detalhe que contenha o nome do réu para decretar-lhe sua prisão preventiva, os princípios de ampla defesa, contraditório, processo justo e razoável se findou, interessa no feito a palavra da acusação.

Assistam ao filme e terão a base de como funciona verdadeiramente a Cadeia Pública de Porto Alegre, observará que não existe nenhuma verba gasta com os detentos, o Presídio Central é a extrema potencialização do crime, onde o estado já não possui o controle sobre os presos.

Em 1994, houve uma rebelião no respectivo presídio, utilizaram-se de reféns, houve tropa de choque e atiradores[3], ou seja, há mais de 20 anos o sistema é completamente falho e até hoje não fora realizada nenhuma mudança inexorável, nos dias atuais percebemos claramente que as facções que coordena o próprio presídio, bem como juntamente os funcionários.

RELATOS DO FILME

Conforme nosso Excelentíssimo Senhor Doutor Juiz da Vara de Execuções Criminais de Porto Alegre, o qual tenho imenso apreço, DR. Sidinei brzuska:

“ 89% de mortes ocorridas dentro do presídio são por questões de saúde, doenças virais como a tuberculose, e 11% pela própria violência entre os apenados”.

 

Sequer há enfermaria suficiente para atender os presos, vale lembrar que também são seres humanos e ficam doentes.

O Excelentíssimo Senhor Doutor Gilmar Bortolotto, hoje Procurador de Justiça, em sua manifestação no filme:

““É fábrica de bandidões. Conheço muitos que entraram ali como guris chorões e hoje mandam”.

Ou seja, ninguém percebeu que não está resolvendo prender, que a nossa realidade é cruel e a Cadeia Pública virou depósito de homens?!

E quanto aos diversos telefones que são encontrados quando é realizada a chamada “geral”, onde os policiais fazem uma varredura em determinada galeria (já está depredado e ainda destroem mais paredes entre outros). Como estes telefones chegam até os detentos? Com certeza a maioria não é através de suas companheiras, creio que alguém lucre muito com tudo isso, impossível as autoridades não perceberem a calamidade deste presídio e tudo continuar do mesmo modo.

Outrossim, a Cadeia Pública serviria como triagem, para presos que ainda não possuíssem condenações, porém está tudo misturado, presos cumprindo pena, primários em galerias comandadas por facções, lamentável tamanho estrago que ocorrerá após a saída destes detentos.

Como apontado no filme “ existe a realidade dos universitários e a realidade dos presos”.

Quando os universitários realizam a visita ao presídio, o verdadeiro sofrimento não é mostrado, podem até pensar que não é tão ruim viver naquele lugar, este filme foi de uma utilidade imensa para a sociedade.

De acordo com Carlos Alberto Elbert, cita em seu livro sobre o Minimalismo Penal:

O sistema penal intervém somente em casos que não possam ser solucionados por outras vias jurídicas ou sociais. A mínima intervenção significa que o estado deve interferir unicamente nos casos mais graves, protegendo os bens jurídicos mais importantes, sendo o direito penal a última ou extrema ratio quando já fracassaram as restantes alternativas do direito (ELBERT, 2009, pg. 129) [4].

Estamos enfrentando um problema devastador e quem irá suportar tamanha criminalidade somos nós, a sociedade.

O judiciário deveria estar lutando para combater esse mal, ressocializando, ofertando oportunidades, não expondo aqueles que não necessitam adentrar uma galeria dominada por facção, podendo utilizar das medidas alternativas, mas a realidade é que o crime é fomentado todos os dias.

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Nossa Constituição Federal Prevê o Princípio da presunção da Inocência, previsto no artigo 5º, inciso LVII[5], o indivíduo não deveria ter que provar a todo custo sua inocência, o ônus cabe ao acusador.

Ante o exposto, sugiro que assistam ao filme, reflitam, lutem por aqueles que estão com suas defesas cerceadas. Quanto aqueles que as vezes sem querer habitam dentro de um mundo que não existe, assista ao filme 2, 3, quantas vezes forem necessárias, até crer que estamos enfrentando um enorme problema.

E colegas, jamais desistam dos diretos e garantias individuais que todos nós temos direito.


[1]https://www.centralofilme.com.br// Filme de TATIANA SAGER. Data 17/05/2018.

[2]  FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: Nascimento da prisão. 42. ed. Rio Ed Janeiro: Vozes, 2014. Raquel Ramalhete.

[3]Dispoinivel em  https://www.youtube.com/watch?v=QUCDURM2wPA. Acesso 31 de maio de 2018.

[4] ELBERT, Carlos Alberto. Novo manual básico de criminologia. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009. 289 p. Tradução ney fayet junior.

[5] Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

LVII - ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória;

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Sobre a autora
Jhenifer Mendonça

Graduanda em direito, efetuo diligências em geral , bem como presto serviço como preposta.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Já havia elaborado outro artigo : A perspectiva mediante udo da tornozeleia eletrônica, onde abordo a ressocialização do apenado. Creio que o referido filme aborda exatamente a punição, a vingança e jamais a segunda chance. A superlotação, depósito de homens, estado alarmante.

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