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O acesso à Justiça no âmbito dos juizados especiais criminais

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3 MICROSSISTEMA DOS JUIZADOS ESPECIAIS

São características essenciais de todos os procedimentos os princípios constitucionais, tais como o da ampla defesa, do contraditório e da presunção da inocência, para mais, o legislador estipulou novos princípios norteadores dos Juizados Especiais Criminais.

Urge assentar, princípios são regras estruturantes, cujo conteúdo vincula todos os preceitos que o compõem, servindo de fundamento ao direito positivo, guiando e orientando o sentido e o alcance das normas, quer de forma direta ou subsidiária.

Os critérios orientadores do processo nos Juizados Especiais, nada mais são do que princípios processuais, uma agregação de todos os preceitos que originam, fundamenta e orienta o processo com aspiração de melhoria do mecanismo processual.

Por sua vez, os princípios gerais do processo, também conhecido como princípios fundamentais, são aqueles previstos de maneira explicita ou implícita na Constituição e na legislação infraconstitucional, como fontes norteadoras da atividade das partes, do juiz, do Ministério Público, dos auxiliares da justiça, da ação, do processo e do procedimento. (FIGUEIRA JR e LOPES, 2000, p. 66).

3.1 PRINCÍPIO DA ORALIDADE

Frederico Marques exara que “a oralidade do procedimento é o sistema segundo o qual as declarações frente aos Juízes e tribunais só possuem eficácia quando formuladas através da palavra oral. Em contraposição, o princípio da escritura, ou do procedimento escrito, é aquele que obriga o uso da forma escrita para que essas declarações sejam válidas”.

Em referência à oralidade é fluente que se entenda por procedimento oral um conjunto de princípios ligados entre si, e que a experiência tem demonstrado que, combinados à oralidade, constituem verdadeiro sistema procedimental com qualidades próprias. 

 O princípio da oralidade é representado de maneira muito ampla nos Juizados Especiais, pois a maioria dos atos processuais previsto na referida lei se realiza por meio oral, o qual se destaca em diversos instantes, como a títulos de exemplos, o artigo 75, caput da lei em comento, na fase preliminar, a audiência é oral e a vítima tem oportunidade de apresentar representação verbal. A previsão do artigo 77, caput, e § 3° é de acusação oral, bem como também a defesa é oral, apresentada antes do recebimento da denúncia ou queixa (artigo 81, caput).

3.2 PRINCÍPIO DA SIMPLICIDADE

A este princípio está anexado o aproveitamento do ato desde que tenha ele atingido sua finalidade e que nenhuma nulidade tenha sido pronunciada que pudesse decorrer prejuízo a alguma das partes. Impende às partes a demonstração desse prejuízo, não obstante o juiz pode declara-lo nulo de ofício.

A crítica que existia em relação e esse princípio é que, embora tivesse ele sido estabelecido como um dos critérios orientadores da lei dos Juizados Especiais, mais precisamente em sua disposição geral, no artigo 2°, os mesmos critérios foram repetidos no artigo 62, capítulo III, que trata das disposições gerias dos Juizados Especiais Criminais, mas, no entanto, com a supressão do princípio da simplicidade, conforme critica Lopes. (FIGUEIRA JR & LOPES, 2000, p. 514-515).

Contudo, tornou-se superada essa questão, uma vez que a redação do referido artigo, até então criticado, mormente pela repetição dos princípios gerais de maneira lacunosa, teve sua redação alterada pela Lei N. 13.603, de 9 de janeiro de 2018 para incluir a simplicidade como critério orientador do processo perante os Juizados Especiais Criminais.

3.3 PRINCÍPIO DA INFORMALIDADE

O princípio da informalidade, adotado pelos Juizados Especiais, Cíveis e Criminais, preconiza que não se pronunciará nenhuma nulidade sem que tenha havido prejuízo às garantias do devido processo legal.

É notório que os atos processuais devem realizar-se conforme a lei, aliás, essa é uma garantia de observância do devido processo legal. Coordenar e exigir sua presença e regular-lhes a sua composição interna e externa. É o que se intitula tipicidade do ato processual. Tipo do ato ensina Carnelutti, é o modelo, ou se quiserem, a amostra do ato que o legislador constrói com o objetivo de regular o procedimento, isto é, de fazê-lo idôneo para o seu fim. (LOPES, 2000, p. 521).

Destarte, para que o ato processual possa ser perfeito, produzindo seus efeitos jurídicos, é preciso que se ajuste às fórmulas descritas em lei. O ato tem que estar em conformidade com o modelo descrito na norma.

A regulamentação das normas processuais estabelece garantia para que as partes tenham uma participação efetiva na série de atos necessários à formação do convencimento judicial, no entanto, o que deve ser combatido nessa matéria, é o excesso de formalidades, que sacrifica o objetivo maior da justiça em favor de solenidades infrutíferas.

3.4 PRINCÍPIOS DA ECONOMIA PROCESSUAL

O processo é um instrumento pelo qual se busca a tutela jurisdicional, não se podendo exigir, portanto, um gasto exagerado, principalmente com relação aos bens que estão em discussão. E mesmo quando não se trata de bens materiais, é sensato que haja proporção entre fim e meio. Recomenda o princípio da economia processual um máximo resultado na atuação do Direito com o mínimo emprego possível de atividades processuais. A teor do disposto, típica aplicação do princípio em comento encontra-se em institutos como a reunião dos atos processuais em audiência onde há instrução, debates e julgamento no mesmo ato processual.  

A referida lei tem, inclusive, uma máxima de economia processual, mais precisamente em seu artigo 81, caput, ao instituir numa única audiência a apresentação de resposta à acusação, após o que o Juiz receberá, ou não, a denúncia ou queixa; havendo recebimento, serão ouvidas a vítima e as testemunhas de acusação e defesa, interrogando-se a seguir o acusado, se presente, passando-se imediatamente aos debates orais e à prolação da sentença.

3.5 PRINCÍPIO DA CELERIDADE

Em referência ao princípio da celeridade, faz-se por óbvio esse princípio autoexplicativo, pois há de se rememorar que nos Juizados Especiais Criminais umas das mais relevantes características é a Justiça feita de maneira mais rápida e menos burocrática.  Nesse interim, Mirabete (2002, p. 37-38) leciona que:

A referência ao princípio da celeridade diz respeito à necessidade de rapidez e agilidade no processo, com o fim de buscar a prestação jurisdicional no menor tempo possível. No caso dos Juizados Especiais Criminais, buscando-se reduzir o tempo entre prática da infração penal e a solução jurisdicional, evita-se a impunidade pela porta da prescrição e dar-se uma resposta rápida à sociedade na realização da Justiça Penal. O interesse social reclama soluções imediatas para resolver conflitos de interesse e é uma exigência da tranquilidade coletiva.


4 ACESSO À JUSTIÇA

Não obstante os princípios orientadores dos Juizados Especiais Criminais, e o contexto que justificou a criação destes, na busca por dar efetividade à norma e resgatar a credibilidade da Justiça Penal, o presente trabalho tem por objetivo verificar se com o advento dos Juizados Especiais no Brasil pode-se atestar que houve uma significativa mudança (para melhor) em termos de acesso à justiça. Acesso este aqui entendido enquanto qualidade. Há um acesso qualitativo à justiça nestas instituições?

É notório que os sistemas jurídicos modernos são criticados em todos os aspectos. Cada vez mais se procura saber a que preço e em benefício de quem esses sistemas funcionam. Essas críticas e indagações, no entanto podem tornar-se aliados na busca por meios que possibilite efetivar o acesso à justiça.

Nas palavras de Mauro Cappelletti e Bryant Garth (2002, p 8 ) a expressão “acesso à justiça” possui difícil definição, mas serve para determinar duas finalidades básicas do sistema jurídico- o sistema pelo qual as pessoas podem reivindicar seus direitos e/ ou resolver seus litígios sob os auspícios do Estado que, primeiro, deve ser realmente acessível a todos; segundo, deve produzir resultados que sejam individualmente e socialmente justos.

O conceito de acesso à justiça sofreu transformações importantes com os passar dos anos.  Nos estados liberais “burgueses” da modernidade, entre o século dezoito e dezenove, o Direito ao acesso à proteção judicial nada mais era do que o direito formal do indivíduo agravado de propor ou contestar uma ação, ou seja, apenas de acessar o judiciário. O Estado não agia para garantir a proteção de qualquer interesse do indivíduo. Permanecia inerte com relação a diversos entraves que surgia nesse caminhar em busca de uma tutela jurídica tais como habilidade adequadamente.

Mesmo recentemente, os estudos na esfera jurídica têm demonstrado que os problemas ainda são muitos. No Brasil, no entanto, os avanços a partir da Constituição da República de 1988 nesta seara são inegáveis, não obstante os problemas não tenham deixado de existir.

A Constituição da República de 1988 não tratou de maneira explícito o acesso à justiça, mas inseriu em seu artigo 5°, inciso XXXV, o acesso à justiça na forma de judicialização com o seguinte verbete: Art. 5º (...), inciso XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito

Conforme bem observado por SILVA (2014, p.434), torna-se ainda mais completa essa garantia constitucional ao adir o legislador ameaça a direito, o que não é sem significância, pois possibilita o ingresso em juízo para assegurar direitos simplesmente ameaçados. Com isto a Constituição amplia o direito de acesso ao Judiciário, antes da efetivação da lesão.

 Após um período de forte repressão e violação aos direitos e garantias fundamentais ocorrida na ditadura militar, no ano de 1988 foi promulgada a atual Constituição da República, alterando esse contexto. Percebe-se que a opção do legislador constituinte, à época, para o texto constitucional foi clara; vincular o acesso à justiça de uma forma que quem quer que tenha o seu direito ferido ou ameaçado pudesse se dirigir ao poder judiciário em busca de uma tutela jurisdicional.

Não obstante, o direito de acesso à proteção judicial não significa apenas o direito formal do sujeito agravado de propor e replicar uma ação. Muito mais do que acessar o Poder Judiciário, é necessário que o Estado dê suporte para que esses indivíduos tenham disponibilidade de meios que lhes propiciem reconhecer seus direitos e fazer sua defesa adequadamente. E esta é umas das metas da Carta Constitucional vigente desde 1988 no Brasil.

Como premissa básica desta pesquisa tem-se que os Juizados Especiais possam ser um meio, como é em muitos países como Estados Unidos, Canadá, Bélgica, que possibilite um atalho para esse caminho longo que se percorre no intento de se obter um acesso efetivo à justiça, e que se sabe, é a dura realidade que o jurisdicionado sofre.  

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Imperioso se faz recepcionar instrumentos jurídicos que visem desburocratizar e simplificar a justiça penal, trazendo respostas rápidas a certas lesividades ou ameaça a direito, com mecanismos mais céleres, simples, e com consenso entre as partes.

Destarte, os Juizados Especiais representam uma proposta pela qual as pessoas tenham amplas e desburocratizadas condições de acesso ao Poder Judiciário para reivindicar direitos antes não abalizados, na prática, pelo Sistema Jurídico, pois crimes de pequena lesividade, como, injúria, calúnia e difamação, que eram processados de modo excepcional passam agora com os Juizados Especiais Criminais a serem autuados na expectativa de uma decisão justa, evitando o sentimento de impunidade.

A implementação dos Juizados Especiais pelos Estados representa, a priori, a esperança de um processo penal mais justo, voltado para o bem-estar da sociedade. No entanto, sabe-se que é um desafio que perpetua no decorrer da história do nosso país oferecer um processo penal eficaz, ao exercer o Estado o ius puniendi, sem, contudo, suprimir os direitos e garantias constitucionais conquistas por meio da promulgação da nossa Carta Maior, em 1988.

É inegável que se enfrenta uma série de problemas na aplicabilidade prática desse rito, pois, o sistema jurídico brasileiro como um todo passa por crise. Mas, nesse rito em especial, o que mais se observa é o dito popular: “na teoria é uma coisa, na prática é outra”.

Problemas como o distanciamento com os juízes, a morosidade que advém não só pela falta de julgadores no Brasil, mas também da extrema burocracia ocasionada inclusive por quantidades imensas de papéis e até mesmo de atos processuais, impossibilita o alcance desse desígnio.

Não no sentido de acesso à justiça enquanto acesso ao Poder Judiciário, mas um acesso à justiça com qualidade, que possibilite a quem necessitar reivindicar a apreciação de suas demandas sob os auspícios do Estado, detentor do monopólio jurídico, de maneira que produza resultados que sejam individualmente e socialmente justos.

Dessa maneira o JECRIM se faz um misto de bem e do mal. De um lado apresenta esses institutos a possibilidade de se processar e julgar delitos que antes dificilmente eram abalizados pela Justiça, fazendo se cumprir dessa maneira o comando legal da Constituição da República Federativa de 1988 de não se excluir da apreciação do poder judiciário lesão ou ameaça de lesão à direito. De outro lado, estariam esses institutos trazendo a lume tipos penais em desuso?

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Sobre o autor
Hamilton da Cunha Iribure Júnior

Doutor e Mestre em Direito pela PUC/SP Advogado Professor Universitário

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

IRIBURE JÚNIOR, Hamilton Cunha. O acesso à Justiça no âmbito dos juizados especiais criminais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5493, 16 jul. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/66632. Acesso em: 28 mar. 2024.

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