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Breve estudo sobre a legalidade dos exames psicotécnicos com caráter eliminatório em concursos públicos

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Resumo:


  • Exame psicotécnico pode ser utilizado como fase eliminatória em concursos públicos.

  • Para atender ao princípio da legalidade, é essencial definir critérios claros e objetivos para eliminação dos candidatos.

  • O edital do concurso não pode criar critérios de investidura no cargo, sendo necessário um ato regulamentar para definir o perfil profissiográfico.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Da inadmissibilidade de definição criativa do perfil profissiográfico no edital do concurso

O edital do concurso é um ato jurídico estritamente vinculado à lei, não podendo ele criar de maneira inaugural direitos e obrigações no que diz respeito à investidura no cargo. O edital cuida, portanto, de como se procederá a seleção, mas não define os critérios para a investidura no cargo. Conforme já lançado anteriormente, o art. 37, II, da CF/88 é enfático ao assinalar que a INVESTIDURA em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, NA FORMA PREVISTA EM LEI.

A lei, portanto, e seu ato regulamentar próprio, é que deve cuidar dos critérios de investidura e o edital, como ato administrativo que é, cuidará do concurso público. Será a lei do concurso público e não da investidura. Não cuidará e nem poderia ser diferente de critérios eliminatórios ou de seleção que já não estejam previamente estabelecidos na lei que fundamenta a atuação do administrador público para o preenchimento dos cargos públicos.

Tanto isso é verdade que a Lei n. 8.112/90, que regulamenta o regime jurídico dos servidores públicos federais, estabelece, em seu art. 11, o seguinte: “O concurso será de provas ou de provas e títulos, podendo ser realizado em duas etapas, conforme dispuserem a lei e o regulamento do respectivo plano de carreira, condicionada a inscrição do candidato ao pagamento do valor fixado no edital, quando indispensável ao seu custeio, e ressalvadas as hipóteses de isenção nele expressamente previstas.”

A lei estabeleceu a regra geral, qual seja, a de que o concurso poderá ser realizado em duas etapas, conforme dispuserem a lei e o regulamento do respectivo plano de carreira. Lógico que o edital não poderia estabelecer os critérios para a avaliação, cujo atendimento revela apenas um dos requisitos para a investidura, pois a aprovação em concurso público é um dos elementos necessários para que alguém seja investido em cargo público.

E quando a lei cuidou do edital, deu a ele o exato e devido valor que o edital tem, qual seja, ato responsável pela execução do concurso. Tanto é assim, que apesar de o art. 11 acima mencionar que o edital poderá ter hipótese de isenção da taxa de inscrição nele prevista, devido à sua natureza estéril para criação de direitos e obrigações, o Presidente da República editou regulamento ao dispositivo legal, conforme dispõe o Decreto 6.593/2008.

Ora, se o edital, por si só, é incapaz de especificar, com respeito à legalidade, hipóteses de isenção da taxa de inscrição do próprio certame, quem dirá ser ele vocacionado para especificar os critérios psicológicos e temperamentais hábeis ou adequados para o exercício de determinado cargo público.

Se a lei não o fez e nem o seu regulamento, o edital também não o pode fazer, sob pena de passar a inovar no mundo jurídico, criando direitos e obrigações de modo autônomo6 em afronta direta à lei e indiretamente à Constituição.


Conclusão

É admissível a utilização do exame psicotécnico como fase eliminatória em concursos públicos. Todavia, para que atendamos ao prescrito na Constituição Federal, precisamos enxergar que não bastará a simplória previsão em lei da submissão da candidato ao exame.

Para que tenhamos por atendido o princípio da legalidade, nesta hipótese, necessitamos que a Administração Pública defina, se assim a lei não o já tiver feito, através de ato complementar – regulamentar – à lei, os critérios a serem utilizados para a eliminação, isto é, será preciso que haja um ato jurídico próprio e público que defina, com precisão, o chamado perfil profissiográfico do cargo, não podendo o edital do concurso criar esses critérios, uma vez que o edital, como conjunto normativo que é, serve apenas para regulamentar o certame e não para definir os critérios de investidura no cargo.

Diante disso, se não houver a definição dos critérios do perfil profissiográfico, nenhum candidato poderá ser eliminado no concurso em exame psicotécnico, pois faltará parâmetro juridicamente válido para se definir, em concreto, o estado jurídico do candidato, devendo, neste caso, ser considerada a norma legal como de eficácia limitada, sob pena de estarmos prestigiando o arbítrio em detrimento da segurança jurídica.


Referências

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Brasil. Decreto 6.593/2008. regulamenta o art. 11 da Lei 8.112/90.


Notas

1Desde já enfatizamos que não cabe aqui neste trabalho a discussão enfrentada e debatida pela doutrina acerca dos conceitos de princípios e regras, proposta por Robert Alexy e bem delimitada por Vírgilio Afonso da Silva em A Constitucionalização do Direito, ed. Malheiros: São Paulo, 2008. Adotamos, portanto, aqui o conceito de princípios amplamente difundido na doutrina brasileira, cujos termos mais expressivos se encontram nas lições de Celso Antônio Bandeira de Mello, vazados como mandamentos nucleares ou disposições fundamentais de um sistema.

2 Entendemos importante lembrar que sem a parte geral do Código Penal, onde estão legalmente definidos os conceitos de tempo do crime, lugar do crime, imputabilidade, conceito de crime, pena, forma de cálculo da pena, excludentes de ilicitude etc. não poderíamos sequer pensar na aplicação da pena a alguém, pois a parte especial do Código Penal sem a geral não passa de instrumento vazio e incompleto, cujas penalizações longe de refletir justiça refletiriam arbitrariedades.

3 RECURSO ESPECIAL. ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. POLÍCIA FEDERAL. EXAME PSICOTÉCNICO. LEGITIMIDADE. REVERSIBILIDADE E PUBLICIDADE. IMPOSSIBILIDADE DE APROVEITAMENTO DE EXAME PSICOTÉCNICO REALIZADO ANTERIORMENTE. ARTIGO 10 DO DECRETO-LEI Nº 2.320/87. 1. Não se conhece da violação do artigo 535 do Código de Processo Civil, quando ausentes quaisquer vícios no acórdão embargado. Os embargos de declaração não se prestam ao reexame de matéria já decidida. 2. A exigência do exame psicotécnico é legítima, autorizada que se acha na própria Constituição da República, ao preceituar que "os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei, assim como aos estrangeiros, na forma da lei;" (artigo 37, inciso I, da Constituição Federal). 3. A mais relevante característica do exame psicotécnico é a objetividade de seus critérios, indispensável à garantia de sua legalidade, enquanto afasta toda e qualquer ofensa aos princípios constitucionais da impessoalidade e da isonomia. 4. A PUBLICIDADE E A REVISIBILIDADE DO RESULTADO DO EXAME PSICOTÉCNICO ESTÃO DIRETAMENTE RELACIONADOS COM O GRAU DE OBJETIVIDADE QUE O PROCESSO DE SELEÇÃO POSSA EXIGIR. TEM-SE, ASSIM, COMO INADMISSÍVEL, A PREVALÊNCIA DO SUBJETIVISMO NOS EXAMES DE AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA, SOBRE O SEU OBJETIVISMO, POIS, SE ASSIM FOR, O CANDIDATO IDÔNEO FICARÁ À MERCÊ DO AVALIADOR, COM IRROGADA OFENSA AOS PRINCÍPIOS DA LEGALIDADE E DA IMPESSOALIDADE. 5. o reconhecimento do caráter sigiloso e irrecorrível do exame psicotécnico determinado pelo edital que regula o concurso para o provimento de cargo de delegado da polícia federal não implica o automático ingresso dos candidatos nele reprovados na academia nacional de polícia, tal como resultaria o não conhecimento da presente insurgência especial. 6. Recurso parcialmente conhecido e, nesta extensão, parcialmente provido. Data da Decisão 06/05/2003 Orgão Julgador T6 - SEXTA TURMA (Acórdão RESP 479214 / BA ; RECURSO ESPECIAL 2002/0156469-5 Fonte DJ DATA:04/08/2003 PG:00467 Relator Min. VICENTE LEAL (1103) Relator p/ Acórdão Min. HAMILTON CARVALHIDO (1112))

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ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. CONCURSO PÚBLICO. EXAME PSICOTÉCNICO. CRITÉRIO SUBJETIVO. CARÁTER IRRECORRÍVEL. INVIABILIDADE. - A jurisprudência dos nossos Tribunais tem admitido a exigência da aprovação em exame psicotécnico no edital de concurso público para provimento de certos cargos, com vistas a avaliação intelectual e profissional do candidato, desde que prevista em lei, renegando, todavia, a sua realização segundo critérios subjetivos do avaliador, susceptível de ocorrer procedimento seletivo discriminatório. - Na espécie, ainda que a legislação que disciplina a carreira de Policial Federal exija a aprovação em exame psicotécnico, vedado é seu desdobramento em fase de entrevista restrita às conclusões exclusivas do avaliador, que avalia a aptidão do candidato por meio de critérios subjetivos, passíveis de ocorrência de arbítrio. - Recurso especial não conhecido. Data da Decisão 17/09/2002 Orgão Julgador T6 - SEXTA TURMA (Acórdão RESP 438420 / SC ; RECURSO ESPECIAL 2002/0069160-7 Fonte DJ DATA:04/08/2003 PG:00458 Relator Min. VICENTE LEAL (1103))

ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. EXAME PSICOTÉCNICO. CARÁTER SIGILOSO, IRRECORRÍVEL E SUBJETIVO. NULIDADE. 1 - É nula de pleno direito a disposição editalícia, contendo previsão de exame psicotécnico sigiloso, irrecorrível e subjetivo. 2 - Provimento jurisdicional, decretando a nulidade do exame não implica em suprimir uma fase do certame, mas em consignar a sua total falta de aptidão para produzir efeitos. 3 - Recurso conhecido (alínea "c"), mas improvido Data da Decisão 17/09/2002 Orgão Julgador T6 - SEXTA TURMA (Acórdão RESP 442964 / PR ; RECURSO ESPECIAL 2002/0077716-4 Fonte DJ DATA:04/08/2003 PG:00460 Relator Min. FERNANDO GONÇALVES (1107))

ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. POLÍCIA FEDERAL. EXAME PSICOTÉCNICO. CRITÉRIOS SUBJETIVOS. CARÁTER SIGILOSO E IRRECORRÍVEL. IMPOSSIBILIDADE. O entendimento deste Superior Tribunal de Justiça já se firmou no sentido de que, embora seja possível se exigir, como requisito para a investidura em determinados cargos públicos, a aprovação do candidato em exame psicotécnico, é necessário, além da previsão em lei, que a avaliação se dê mediante critérios cientificamente objetivos, bem como é vedado o caráter sigiloso e irrecorrível do teste. Recurso não conhecido. Data da Decisão 06/05/2003 Orgão Julgador T5 - QUINTA TURMA (Acórdão RESP 499522 / CE ; RECURSO ESPECIAL 2003/0016688-4 Fonte DJ DATA:16/06/2003 PG:00405 Relator Min. FELIX FISCHER (1109))

4CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo, 17 ed., Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 46.

5Nesse mesmo sentido: Juarez Freitas, Alexandre Pasqualini, Celso Antônio Bandeira de Mello entre outros.

6Colocamos, porém, entre parênteses aqui o problema dos Decretos Regulamentares Autônomos.

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Sobre o autor
Alessandro Samartin de Gouveia

Promotor de Justiça do Estado do Amazonas. Possui graduação em Direito pelo Centro de Estudos Superiores de Maceió (2004). Pós-graduado em nível de Especialização em Direito Processual pela ESAMC/ESMAL(2006). Formação complementar em política e gestão da saúde público para o MP - 2016 - pela ENSP/FIOCRUZ. Pós-graduando em prevenção e repressão à corrupção: aspectos teóricos e práticos, em nível de especialização (2017/2018), pela ESTÁCIO/CERS. Mestre em direito constitucional pela Universidade de Fortaleza - UNIFOR. Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Público, atuando principalmente nos seguintes temas: súmula vinculante, separação dos poderes, mandado de segurança, controle de constitucionalidade e auto de infração de trânsito. http://orcid.org/0000-0003-2127-4935

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GOUVEIA, Alessandro Samartin. Breve estudo sobre a legalidade dos exames psicotécnicos com caráter eliminatório em concursos públicos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5492, 15 jul. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/66638. Acesso em: 22 dez. 2024.

Mais informações

Artigo publicado originalmente na Revista Síntese Direito Administrativo em Fevereiro de 2011.

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