INTRODUÇÃO
A finalidade principal da Lei Antitruste é regular as relações entre agentes econômicos em contato horizontal ou vertical. Apesar de serem abrangidas pelas mesmas normas, nesse momento daremos menor enfoque às licitações, nos preocupando com as relações entre particulares.
Caraterística principal da lei é seu perfil de tríplice aplicação legal, tendo aplicação efetiva na esfera administrativa, mas também implicações diretas nas esferas cível e penal. Trata-se de particularidade sugerida pelos órgãos internacionais para uma política de defesa da concorrência eficaz na repressão a condutas anticompetitivas, devidamente adaptada à realidade brasileira.
COMPLIANCE CONCORRENCIAL
Dentre as principais características da lei em destaque estão: sua função preventiva, que se baseia no controle de estruturas; e sua função repressiva, que terá efetividade no controle de condutas.
Na função repressiva, de controle de condutas, destaca-se a legitimidade para fiscalizar e punir comportamentos que tenham por objetivo ou possam prejudicar a livre concorrência ou iniciativa, dominar mercado relevante de bens ou serviços, aumentar arbitrariamente os lucros ou exercer de forma abusiva posição dominante, sempre que dentro de um mercado relevante e após demonstrado o poderio econômico do envolvido.
Seguindo a tendência da jurisprudência do CADE, para a caracterização dessas condutas o agente deve ter poder de mercado, sua ação deve restringir a concorrência, e os efeitos danosos não devem implicar ganhos de eficiência suficientes a ponto de justificar como favoráveis à sociedade (o que dificilmente acontece na prática). A justificativa para a aplicação, portanto, seria o desbalanceamento do poder com a concentração de poder nas mãos de poucos, dentro de um mercado relevante.
Essas condutas anticoncorrenciais, dentro do controle repressivo, para título de estudo também podem ser divididas entre unilaterais ou coordenadas.
As condutas unilaterais dependem para sua configuração a avaliação de alguns fatores e o primeiro deles é o poder econômico do agente, já que só podem ser praticadas as condutas abusivas por quem tenha poder econômico, que pela jurisprudência relacionada deve corresponder pelo menos a 20% de participação no mercado.
Outro fator importante a ser analisado é a racionalidade econômica da conduta, devendo haver uma justificativa para tal, que represente benefícios capazes de compensar os prejuízos possíveis. O aumento do faturamento ou do poder de mercado nunca serão justificativas plausíveis.
Vale destacar como situações de atenção nessa seara: hipóteses de exclusividade; venda casada; fixação de preço de revenda; entre outras.
Já as condutas coordenadas podem ser identificadas por arranjos comportamentais horizontais, entre duas ou mais empresas. Nesse caso, alguns exemplos podem ser bem representativos para ilustrar o objetivo da lei, tais como: compartilhamento de informações confidenciais; compartilhamento de informações concorrencialmente sensíveis ou estratégias da empresa com concorrentes; associar-se a entidades cujo próprio objetivo seja a coordenação entre concorrentes; entre outras diversas situações correlatas.
Importante destacar que, nesse caso, a legislação classifica as ações como ilícitos de mera conduta, sem necessidade de avaliar a prejudicialidade da conduta para seu enquadramento legal.
Dada essa peculiaridade legal, alguns cuidados devem ser tomados pelos agentes durante a negociação, tais como, nas interações diretas com concorrentes, recusar-se a tratar de informações concorrencialmente sensíveis, mesmo que apenas como ouvinte, pois mesmo nesse caso poderá ser punido pelo CADE, conforme jurisprudência dominante; ainda, reportar imediatamente ao órgão responsável pelo compliance da empresa qualquer conversa imprópria de iniciativa de um concorrente ou a divulgação por ele de informações concorrencialmente sensíveis; e por fim, no caso de associações de classe, retirar-se de reunião que aborde temas com riscos concorrenciais e registrar a saída e o motivo em ata.
Dessa forma, no que concerne à função repressiva da estrutura concorrencial, as principais questões foram abordadas, ainda que superficialmente, para demonstrar a importância e a efetividade da legislação e dos órgãos envolvidos.
Já no que trata da função preventiva, do controle de estruturas, a legislação pertinente prevê como hipóteses de incidência o ato de concentração, que abrange a aquisição de controle, fusões, aquisições, contrato associativo, incorporações, joint venture, consórcios, bem como os critérios de notificação e as hipóteses de obrigatoriedade da notificação prévia.
Detalhe importante para o controle de estrutura é a identificação dos grupos econômicos, que podem ser caracterizados, de forma simplificada, pelo controle ou influência relevante entre grupos de empresas.
Nesse controle da estrutura, na função preventiva da Lei, um instituto importante que exige maior atenção do CADE é o instituto do gun jumping, que se configura com a consumação de atos de concentração econômica antes da decisão final da autoridade antitruste, artifício vedado pelo artigo 88, §3º da LDC.
Destaque do artigo 88 §3º, onde é vedado no Brasil a consumação prematura de operações que dependem de notificação obrigatória e três situações são sintomáticas segundo a doutrina especializada. A primeira delas é a troca de informações entre os agentes envolvidos em um ato de concentração, sendo a profundidade da due diligence uma preocupação do mercado, já que está na linha tênue entre a troca de informações importantes para a negociação e os atos de gun jumping. A preocupação legal é com a transmissão de informações concorrencialmente sensíveis enquanto houver o risco da não consumação do negócio.
Essas informações concorrencialmente sensíveis são descritas pelo CADE como “informações específicas (por exemplo, não agregadas) e que versam diretamente sobre o desempenho das atividades-fim dos agentes econômicos.”
Outra situação a ser monitorada para evitar o gun jumping é a definição das cláusulas contratuais que regem a relação entre os agentes, pois havendo clausulas de eficácia imediata haverá riscos a integridade da negociação. A sugestão da doutrina especializada é que o contrato seja submetida ao CADE após a assinatura mas antes de seu fechamento, mantendo o ambiente concorrencial o mais intacto possível durante o processo.
Novamente remetendo as orientações do próprio CADE, deve-se evitar “quaisquer cláusulas que prevejam atividades que não possam ser revertidas em um momento posterior ou cuja reversão implique em dispêndio de uma quantidade significativa de recursos por parte dos agentes envolvidos ou da autoridade”.
Por fim, uma terceira situação que merece destaque são as atividades das partes antes e durante a implementação do ato de concentração, que merecerá atenção quando os atos indicarem que já há ingerência ou influencia entre as partes. Como exemplos de situações que podem configurar o gun jumping temos a participação em reuniões estratégicas; indicação de membros de órgãos de gestão e exercício do direito de voto; pagamento antecipado; unificação de estratégia e alteração dos incentivos concorrenciais; transferências de ativos, entre outros.
Como formas de mitigar o risco de enquadramento pelo instituto, sugere a doutrina que a situação gerencial das empresas envolvidas devem permanecer inalteradas ate aprovação definitiva da operação pelo CADE, mantendo-se as estruturas físicas e, principalmente, as condições competitivas inalteradas. Uma das formas de se garantir essa integridade é através do protocolo antitruste, que poderá ser firmado na fase de due diligence para proteger as partes.
Dessa forma, os procedimentos para controle do fluxo de informações são formalizados em um documento chamado protocolo antitruste, que poderá prever os chamados clean team, e as formas como esses irão proceder até o formalização com a aprovação do CADE.
Em grandes operações, a constituição de clean teams, com representantes das partes envolvidas, e de um comitê executivo para a troca de informações é parte essencial de um protocolo antitruste.
Nos clean teams os membros firmam um termo de confidencialidade, assumindo o compromisso de seguir rigorosamente o protocolo, sendo vedado divulgar informações de uma empresa para outra e tendo como regra a comunicação pela forma escrita, com registro e controle das informações fornecidas.
O clean team deverá ser o único ponto de contato entre as empresas envolvidas, devendo o mesmo se ater apenas às informações necessárias para a realização da operação, sob pena de desvirtuamento e enquadramento no ilícito previsto.
As informações obtidas durante as diligências devem ser classificadas em públicas, de conhecimento geral, sem necessidade de cautelas específicas; ou confidenciais e concorrencialmente sensíveis, devendo estas últimas estarem protegidas por regras rígidas determinadas no protocolo assinado. Dessa forma, todas as informações relativas ao negócio devem ser consideradas confidenciais, exceto as que são de domínio público.
O clean team será, ao final do processamento, responsável pela elaboração de um relatório de viabilidade da operação, que será analisado por um Comitê Executivo formado pelos executivos das empresas envolvidas na operação.
No caso do insucesso da operação por qualquer dos motivos possíveis, o clean team deverá restituir ou destruir integralmente as informações arrecadadas, sendo vedado o arquivo ou a utilização de qualquer dos dados, sob pena de ilícito administrativo e penal.
CONCLUSÃO
Por fim, caso seja identificada a consumação prévia de atos de concentração econômica, hipóteses de gun jumping, incorrerão as partes nos termos do artigo 88 §3º da Lei 12.529/11, que prevê, além da nulidade, pena pecuniária em valor não inferior a R$ 60.000,00 (sessenta mil reais) nem superior a R$ 60.000.000,00 (sessenta milhões de reais), sem prejuízo da abertura de processo administrativo, nos termos do art. 69 da mesma lei.
A quantificação da multa a ser aplicada será baseada principalmente na condição econômica dos envolvidos, na existência do dolo e no potencial anticompetitivo da operação.
A Procuradoria-Geral do CADE, que faz parte da Advocacia-Geral da União, é o órgão especializado em defender o CADE em juízo. Por ter o CADE natureza apenas judicante (apesar de quase judicial), precisa de ação de execução para fazer valer suas decisões, o que é feito por esse outro órgão.
REFERÊNCIA.
CADE. Guia para analise da consumação previa de atos de concentração econômica. 2015.