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O crime de roubo com emprego de arma de fogo cometido antes da vigência da Lei n. 13.654/2018 e a inaplicabilidade da continuidade normativa mais gravosa

06/08/2019 às 19:45
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O artigo trata da impossibilidade de se aplicar a continuidade normativa da majorante do crime de roubo com emprego de arma de fogo a fatos anteriores à vigência da Lei 13.654/2018.

A Lei n° 13.654/2018, com vigência desde sua publicação em 24 de abril de 2018, que alterou disposições do Código Penal relativas aos crimes de de furto e roubo, ensejou um cenário insólito no Direito Penal no que se refere à aplicação retroativa da lei em benefício do réu.

Uma das mudanças operadas pela nova lei foi pertinente ao roubo circunstanciado pelo emprego de arma.

O art. 157 do Código Penal tipifica o crime de roubo nos seguintes termos:

Art. 157. Subtrair coisa móvel alheia, para si ou para outrem, mediante grave ameaça ou violência a pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido à impossibilidade de resistência:

Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 10 (dez) anos, e multa.

Antes da vigência da Lei n° 13.654/2018, o parágrafo 2º do art. 157 estabelecia, no seu inciso I, a causa de aumento de pena para o roubo:

Art. 157 (...)

§ 2º A pena aumenta-se de um terço até metade:

I - se a violência ou ameaça é exercida com emprego de arma;

A elevação da pena tinha razão de ser por “haver maior risco à integridade física e à vida do ofendido e de outras pessoas e pela facilitação na execução do crime” (MASSON, Cleber. Código Penal comentado. São Paulo: Método, 2014, p. 644). [1]

Desse modo, se ocorre alguma dessas hipóteses, tem-se o chamado “roubo circunstanciado” (também conhecido como “roubo agravado” ou “roubo majorado”).

No cenário normativo anterior, o roubo com emprego tanto de arma de fogo quanto de arma branca, como faca, canivete, estilete ou ainda quaisquer outros “artefatos” capazes de causar dano à integridade física, como por exemplo, uma garrafa de vidro quebrada, um garfo, um espeto de churrasco, uma chave de fenda etc, conduzia a elevação da pena em 1/3 (um terço).

Com o advendo da Lei n° 13.654/2018, o inciso I, do § 2°, do art. 157, do CP, acima comentado, foi revogado. Contudo, o legislador editou o novo § 2°-A que aumenta a pena do crime de roubo cometido com o emprego de arma de fogo em 2/3 (dois terços).

Atentai que, antes, a elevação da pena do crime do roubo ocorria se fosse utlizada qualquer tipo de arma. Com o novo regramento, a majoração só ocorrerá com o emprego de arma de fogo, ou seja, aquela que arremessa projéteis empregando a força expansiva dos gases gerados pela combustão de um propelente confinado em uma câmara que, normalmente, está solidária a um cano que tem a função de propiciar continuidade à combustão do propelente, além de direção e estabilidade ao projétil, nos termos da definição contida no Decreto Presidencial n° 3.665/2000.

Dessa forma, a partir da vigência da Lei 13.654/2018, ao roubo realizado com emprego de arma imprópia não se aplica mais a majorante de pena, enquadrando-se tal conduta no caput do art. 157, do CP, configurando roubo simples, que pode ser majorado por outras causas, como o concurso de agentes, porém não mais pela utilização de arma branca.

Insolitamente, o roubo cometido com arma de fogo antes da vigência da Lei n° 13.654/2018, conquanto tenha ensejado maior risco à integridade física e à vida do ofendido e de outras pessoas e pela facilitação na execução do crime, não pode ser majorado. Isto porque, a atual causa de majoração, prevista no art. 157, § 2°-A, inciso I, por ser norma mais gravosa, não pode retroagir para prejudicar o réu por força do Postulado da Irretroatividade da Lei Penal Mais Gravosa, consagrada no art. 5°, inciso XL, da CRFB/1988 - a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu.

Por outro lado, hodiernamente, foi extraída do ordenamento jurídico a causa de majoração de pena anterior, não podendo ser utilizada, eis que não existe juridicamente. Além disso, qualquer esforço interpretativo no sentido de se aplicar a causa de majoração anteriomente em vigor esbarraria na vedação ao hibridismo penal, que veda a combinação de trechos de leis em vigor e lei já revogada ou tipo penais distintos, sob pena de o juiz agir como legislador, criando espécie normativa híbrida, violando o Princípio da Separação dos Poderes.

Assim, certamente por descuido do legislador, afora a discussão acerca da insconstitucionalidade formal da Lei n° 13.654/2018, este diploma abriu uma ampla via para a revisão criminal das penas oriundas de condenações dos delitos de roubo majorado pelo emprego de arma imprópria, bem como pela utilização de arma de fogo, com o fim de abrandar as reprimendas aplicadas. Se por um lado, a continuidade normativa da majoração da pena do roubo praticado com o emprego de arma de fogo não pode retroagir, por ser norma mais gravosa, por outra banda, o atual vazio normativo em relação a essa causa de majoração do emprego de arma deve retroagir em benefício do réu, ante a analogia do abolitio criminis e o princípio da retroatividade da lei penal mais benéfica, tendo em vista que o atual panorama jurídico é mais favorável àquele condenado pelo roubo majorado por arma de fogo.


REFERÊNCIAS

CAVALCANTE, Márcio André Lopes. STJ aplica a Lei 13.654/2018 e retira a majorante do roubo praticado com emprego de arma branca. Disponível em: <http://www.dizerodireito.com.br/2018/05/stj-aplica-lei-136542018-e-retira.html>. Acesso em: 8 jun 2018.

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CUNHA, Rogério Sanches. Lei 13.654/18: Altera dispositivos relativos ao furto e ao roubo . Disponível em: <http://meusitejuridico.com.br/2018/04/24/lei-13-65418-altera-dispositivos-relativos-ao-furto-e-ao-roubo/>. Acesso em: 8 jun 2018.

EDUARDO, Gonçalves. Hibridismo Penal. Disponível em: <http://www.eduardorgoncalves.com.br/2016/05/hibridismo-penal.html>. Acesso em: 8 jun 2018.

GOMES, Luiz Flavio. Princípio da continuidade normativo-típica. Disponível em: <https://lfg.jusbrasil.com.br/noticias/597374/principio-da-continuidade-normativo-tipica>. Acesso em: 8 jun 2018.

VEIGA, Alessa Pagan et al. Da constitucionalidade formal da Lei 13.654/2018. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2018-mai-08/constitucionalidade-formal-lei-136542018>. Acesso em: 8 de jun 2018.


Nota

[1] Apud http://www.dizerodireito.com.br/2018/05/stj-aplica-lei-136542018-e-retira.html, em 08/06/2018

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Sobre o autor
Gláucio Tavares Costa

Mestrando em Direito pela Universidad Europea del Atlántico. Graduado em Farmácia pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN. Bacharel em Direito pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte - UERN. Analista judiciário do Tribunal de Justiça potiguar.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

COSTA, Gláucio Tavares. O crime de roubo com emprego de arma de fogo cometido antes da vigência da Lei n. 13.654/2018 e a inaplicabilidade da continuidade normativa mais gravosa . Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5879, 6 ago. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/66805. Acesso em: 14 dez. 2024.

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