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Autointitular, autodeclarar, autoafirmar-se e autodenominar-se integrante de organização criminosa é suficiente para configurar o crime da lei de organização criminosa?

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25/08/2018 às 12:40
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A autointitulação de alguém como pertencente a organização criminosa está dentro do verbo nuclear de integrar ou constituir organização criminosa?

Postagens de vídeos em redes sociais de liturgias ou reuniões das respectivas organizações em que os membros aparecem armados ou punindo integrantes faccionados, adversários ou terceiros; pichações em partes de bairros (casas, muros, vias públicas, órgãos públicos, postes) de cidades para demarcarem territórios de facções ou como ato para desafiar o Estado; circulação de vídeos e áudios de “salve” para ataques ou toque de recolher; postagens em vídeos de faccionados ostentando dinheiro, joias ou equivalentes oriundos das ações das organizações criminosas com palavras de ordens entre outros variados..

Em abordagem policial, varreduras de rotina em presídios e cadeias públicas e até mesmo em audiências no Poder Judiciário tem sido rotineiro se deparar com agentes criminosos soltos ou reclusos que se autointitulam, autodeclaram, autoafirmam-se e autodenominam-se integrante de organização criminosa como forma de intimidar o agente policial, agente prisional, delegados, juízes, promotores etc, mormente quando se arvoram de palavras de ordem (aqui é da facção Y ou Z; você não sabe com a facção que está mexendo; a facção vai cobrar; a facção não vai deixar isso assim; entre outros jargões).

Não raro também, postagens de vídeos em redes sociais têm sido disseminadas de membros faccionados em liturgias em que os membros aparecem armados ou punindo integrantes faccionados (adversários ou terceiros) ou reuniões das respectivas organizações que se autointitulam, autodeclaram, autoafirmam-se e autodenominan-se integrante daquelas (onde até funerais de membros faccionados têm sido veiculados em canais na rede mundial de computadores [internet]).

Também tem virado rotina a circulação de vídeos e áudios de membros faccionados, dirigindo ameaças de retaliações aos membros indisciplinados, adversários, terceiros e agentes da segurança com autointitulação, autodeclaração, autoafirmação e autodenominação de integrante de organização criminosa com palavras de ordens.

Outrossim, tem sido constante a circulação de vídeos de agentes criminosos faccionados ostentando dinheiros, joias, ou equivalentes oriundos das ações das organizações criminosas.

Igualmente, tem ocorrido constantemente o ato de membros criminosos integrantes das facções realizarem pichações em partes de bairros (casas, muros, vias públicas, órgãos públicos, postes de luzes) de cidades para demarcarem territórios que seriam, em tese, de atuação da facção ou apenas para demonstrar o pseudo “poder” da facção frente ao Estado ou como ato para desafiar a figura do Estado.

Ainda tem circulado vídeos e áudios de “salve” que geralmente são ordens para ataques ou “toque de recolher” da organização criminosa no seio social.

Em qualquer uma destas situações, é um ato a demonstrar a hipotética integração ou constituição do agente criminoso como membro integrante perante a organização criminosa, seja sob o pretexto de ser mero colaborador, simpatizante, partícipe ou autor – onde desaguaria em nosso pensar, no crime de promover, integrar ou constituir organização criminosa mais tecnicamente na condição de autoria ou coautoria, a depender da hipótese. A ligação[2], o vínculo e integração do membro faccionado nessas situações frente a organização criminosa se apresenta de forma inconteste.

Todavia, surge um aparente problema: seria necessário identificar os demais membros da organização criminosa ou parte para corroborar com as falas do membro que se autointitula, autodeclara, autoafirma e autodenomina-se integrante de organização criminosa?

Ora, se o próprio agente criminoso suspeito se autointitula, autodeclara, autoafirma ou autodenomina-se de faccionado, ele não pode depois se valer da sua própria torpeza para negar os fatos que afirmou para impor medo a quem é destinatário da afirmação e auferir outras projeções no mundo do crime.

Aliás, não se pode negar que nos dias atuais, ostentar pertencer e integrar determinada organização criminosa virou símbolo de poder no meio social do criminoso e até mesmo perante instâncias formais do Estado, inclusive impondo e disseminando potenciais retaliações e represálias a quem se atrever, eventualmente, a se voltar contra os interesses do funcionamento faccional.  

Então, em resposta entendemos que não seja imprescindível identificar integralmente os demais membros da organização criminosa ou parte da facção para corroborar com as falas do membro que se autointitula, autodeclara, autoafirma e autodenomina-se integrante de organização criminosa.

Não podemos perder de margem que as falas de uma pessoa possuem efeitos relevantes para o mundo do Direito, principalmente quando se dá de modo espontâneo, voluntário e consciente com objetivo precípuo de alguma forma auferir vantagem das mais diversas ordens diante do contexto.

Em nosso entendimento, a autodeclaração, autointitulação ou autodenominação do suspeito no ato é suficiente, desde que identifique a facção que ele integraria (como faccionado da facção X, facção Y, ou facção Z e etc) e os demais elementos integradores do núcleo do art. 1º e art. 2º, da Lei nº 12.850/2013: a  associação de 4 (quatro) ou mais pessoas; estrutura ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas; organização com o objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza; prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos; mediante a prática de infrações penais de caráter transnacional.

A autointitulação, autodenominação, autodeclaração de integrante de organização criminosa a pertencer a organização criminosa está dentro do verbo nuclear de integrar ou constituir organização criminosa.

Além disso, a partir do momento em que faz apologia a facção ou incitação à prática de crime, seja por gesto, escrito, vídeo etc, já está praticando crime em prol da facção – apesar destes não alcançarem a pena de reclusão superior a 4 anos. De qualquer forma, o crime geralmente gravado em vídeo, é por exemplo, um homicídio, porte de arma de fogo de uso restrito ou proibido, roubo entre outros que extrapolariam a pena de 4 anos. Vejamos os requisitos/pressupostos para configuração do crime em voga:

  • Para estas hipóteses ainda que indiciariamente, se estaria presente também a  associação de 4 (quatro) ou mais pessoas pela própria autodeclaração, autointitulação, autoafirmação ou autodenominação, extraindo-se aí a existência de número suficiente de faccionados para preencher a exigência legal. Não se pode olvidar que, as falas de uma pessoa possuem efeitos relevantes para o mundo do Direito, principalmente quando se dá de forma espontânea, voluntária e consciente com objetivo precípuo de alguma forma auferir vantagem das mais diversas ordens diante do contexto.
  • A estrutura ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas seria evidenciada a depender das falas ou das condutas do agente criminoso faccionado.
  • Organização com o objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza seria evidenciada a depender das falas ou das condutas do agente criminoso faccionado, lembrando sempre da própria autodeclaração, autointitulação, autoafirmação ou autodenominação daquele em integrar e pertencer a organização.
  • A prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos dependerá também do contexto fático.
  • A realização da prática de infrações penais de caráter transnacional que também dependerá do contexto fático.

Valendo-nos de um precedente antigo do Superior Tribunal de Justiça sobre o antigo crime sob “nomem iuris” de formação de bando ou quadrilha (atualmente: associação criminosa) que, guardada as proporções se aproxima em muito do crime de organização criminosa, empregamos aqui, por conta de o raciocínio ser o mesmo:

“Prisão em flagrante: Para prisão em flagrante no crime de quadrilha é necessário, ao menos, que o agente, surpreendido, esteja realizando uma ação que faça supor associação para fim de cometer crimes, não podendo fundamentar-se em meras investigações policiais” (STJ, RHC 9.535, DJU 2.5.2000, p. 150).

Ora, a partir do momento em que faz apologia a facção ou incitação à prática de crime pela organização criminosa, seja por gesto, escrito, vídeo etc, já está praticando crime em prol da facção – apesar destes não alcançarem a pena de reclusão superior a 4 anos. De qualquer forma, a infração penal geralmente gravada em vídeo, é por exemplo, um homicídio, porte de arma de fogo de uso restrito ou proibido, imagens de inúmeros integrantes reunidos com ostentação de arma e até mesmo com disparo de tiro, roubo entre outros que extrapolariam a pena de 4 anos. Com isto, os atos ou ações seriam justamente os objetos[3] de estudos do presente artigo, que fariam referência ao vínculo associativo (ligação e integração) a organização criminosa para a eventual prática de crime – ou até mesmo com a efetiva prática de delito.

Outro aspecto interessante ainda é que nessas abordagens a partir do momento em que o agente criminoso se autodeclara, autointitula, autoafirma ou autodenomina faccionado, ele estaria em conduta permanente de integrar o crime de Organização Criminosa, em suas modalidades, eis a seguinte lição do magistrado e eminente jurista Guilherme de Souza Nucci:

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“O crime é comum, podendo ser cometido por qualquer pessoa; formal, não exigindo para a consumação qualquer resultado naturalístico, consistente no efetivo cometimento dos delitos almejados; de forma livre, podendo ser cometido por qualquer meio eleito pelo agente; comissivo, pois os verbos representam ações; permanente, cuja consumação se prolonga no tempo, enquanto perdurar a associação criminosa; de perigo abstrato, cuja potencialidade lesiva é presumida em lei; plurissubjetivo, que demanda várias pessoas para a sua concretização; plurissubsistente, praticado em vários atos” (NUCCI, Guilherme de Souza. Organização criminosa - Aspectos legais relevantes. Publicado no site LFG em 16 de fevereiro de 2017. Disponível em: https://www.lfg.com.br/conteudos/artigos/geral/organizacao-criminosa-aspectos-legais-relevantes. Acesso em 26 de maio de 2018).

Em mais ensinamentos de Guilherme de Souza Nucci este explica que:

“Os núcleos incriminadores da organização criminosa, são: “promover (gerar, originar algo ou difundir, fomentar, cuidando-se de verbo de duplo sentido), constituir (formar, organizar, compor), financiar (custear, dar sustento a algo) ou integrar (tomar parte, juntar-se, completar). Em verdade, bastaria o verbo integrar, que abrangeria todos os demais. Quem promove ou constitui uma organização, naturalmente a integra; quem financia, igualmente a integra, mesmo como partícipe” (NUCCI, Guilherme de Souza. Organização criminosa. – 2. ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense, 2015: p. 18).

Convém sublinhar que, especificamente no núcleo “integrar”, como é o caso, o crime permanece permanente, o que, por conseguinte, faz que sua consumação se protraia no tempo e, então, sujeitando o capturado a prisão em flagrante a qualquer tempo. O renomado promotor de justiça Válter Kenji Ishida leciona sobre o tema aduzindo que:

“É crime permanente nos verbos promover, constituir ou integrar, permitindo a prisão em flagrante. No caso do verbo financiar, depende. Se houver continuidade no financiamento, poder-se-á falar em permanência. Mas se houver um único aporte de capital, o crime será instantâneo sobre uma organização com estabilidade e permanência” (ISHIDA, Válter Kenji. O Crime de organização criminosa (art. 2º da Lei nº 12.850/2013. Publicado em 10/09/2013 na Carta Forense. Disponível em:http://www.cartaforense.com.br/conteudo/artigos/o-crime-de-organizacao-criminosa-art-2%C2%BA-da-lei-n%C2%BA-128502013/12020).

A par da permanência do crime do verbo integrar, não se pode olvidar do famoso caso do ex-senador, Delcídio do Amaral, no qual a Excelsa Corte de Justiça entendeu que o crime de organização criminosa é delito permanente (STF - 2ª Turma. AC 4036 e 4039 Referendo - MC/DF, Rel. Min. Teori Zavascki, julgados em 25/11/2015 – Informativo nº 809).

Não custa lembrar que a objetividade jurídica do crime de organização criminosa é tutelar a paz pública; a segurança pública, a incolumidade pública. O crime é formal e de perigo abstrato. A legislação não exige que se evidencie o perigo, de forma a presumi-lo e pensa-se ainda ser sustentável a punição para o autor que possui o "domínio do fato" ou dentro da “teoria do domínio da organização/organizacional”.


Da conclusão

Em conclusão, numa abordagem policial, varreduras de rotina em Presídios e Cadeias Públicas e até mesmo em audiências no Poder Judiciário quando se deparar com agentes criminosos soltos ou reclusos que se autointitularem, autodeclararem, autoafirmarem e autodenominarem[4] de células de organização criminosa poderão (deverão) ser autuados em flagrante delito pelo crime integrar e constituir organização criminosa, desde que preenchidos os demais apontamentos sublinhados anteriormente. Diga-se de passagem que esse ponto de vista é plenamente sustentável sob o viés jurídico.

Outrossim, desde que preenchidos os demais apontamentos sublinhados anteriormente, postagens de vídeos em redes sociais de liturgias ou reuniões (em que os membros aparecem armados ou punindo faccionados, adversários ou terceiros) das respectivas organizações criminosas de seus agentes que se autodeclarem, autointitularem, autoafirmarem ou autodenominarem de faccionados a determinada facção(onde até funerais de membros faccionados têm sido veiculados); pichações em partes de bairros (casas, muros, vias públicas, órgãos públicos, postes) de cidades para demarcarem territórios de facções ou medir força com o Poder Público; circulação de vídeos e áudios de “salve” para ataques ou “toque de recolher”; postagens em vídeos de faccionados ostentando dinheiro, joias ou equivalentes, oriundos das ações das organizações criminosas com palavras de ordens entre outros variados poderão constituir materialidade e indícios de autoria do crime de organização criminosa para ensejar a prisão flagrancial do agente faccionado e as demais modalidades de prisão provisória (temporária, preventiva – ou conversão da prisão flagrancial em medida cautelar de prisão preventiva), assim como as consequências jurídicas de ensejar instauração de inquérito policial, oferta de denúncia e condenação criminal.

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Sobre o autor
Joaquim Leitão Júnior

Delegado de Polícia no Estado de Mato Grosso. Atualmente lotado no Grupo de Atuação Especial Contra o Crime Organizado (GAECO). Mentor da KDJ Mentoria para Concursos Públicos. Professor de cursos preparatórios para concursos públicos. Ex-Diretor Adjunto da Academia da Polícia Judiciária Civil do Estado de Mato Grosso. Ex-Assessor Institucional da Polícia Civil de Mato Grosso. Ex-assessor do Tribunal de Justiça de Mato Grosso. Palestrante. Pós-graduado em Ciências Penais pela rede de ensino Luiz Flávio Gomes (LFG) em parceria com Universidade de Santa Catarina (UNISUL). Pós-graduado em Gestão Municipal pela Universidade do Estado de Mato Grosso – UNEMAT e pela Universidade Aberta do Brasil. Curso de Extensão pela Universidade de São Paulo (USP) de Integração de Competências no Desempenho da Atividade Judiciária com Usuários e Dependentes de Drogas. Colunista do site Justiça e Polícia, coautor de obras jurídicas e autor de artigos jurídicos.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LEITÃO JÚNIOR, Joaquim. Autointitular, autodeclarar, autoafirmar-se e autodenominar-se integrante de organização criminosa é suficiente para configurar o crime da lei de organização criminosa?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5533, 25 ago. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/66874. Acesso em: 23 nov. 2024.

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