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O espetáculo do telejornal e a (re)construção da opinião pública sob a perspectiva Luhmanniana

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Atualmente, os espectadores são vistos como consumidores de um produto chamado notícia. É necessário refletir sobre como os telejornais reconstroem a realidade e a opinião pública através da seletividade e do apelo à violência como parâmetro de identificação.

Resumo: A composição do presente artigo objetiva explicitar como os telejornais reconstroem a realidade da vida social e a opinião pública através da seletividade e do apelo à violência como parâmetro de identificação, fazendo com que o que está sendo apresentado como notícia seja aceito como verdade. Para tal, foi utilizado o método dedutivo analítico, bem como a pesquisa bibliográfica e revisão teórica com exploração de autores que versam sobre o tema ora proposto. Como fundamentação teórica, busca-se abrigo na teoria dos sistemas do sociólogo Niklas Luhmann, que diz respeito aos meios de comunicação de massas e aos meios de comunicação simbolicamente generalizados. Para Luhmann, o que possibilita a formação de um sistema é justamente a regulação da seleção de dados do entorno através da preferência formada por critérios de sentido. Sentido este que pode ser definido e redefinido internamente pelo sistema, tornando-se posteriormente a base da seleção para a redução da complexidade do entorno e da contingência interna. Os sistemas sociais, então, são constituídos por sentido e, ao mesmo tempo, são capazes de constituir sentido. Assim, os meios de comunicação são capazes de produzir uma ilusão que transcende a realidade. A atividade dos meios de comunicação é vista não apenas como uma sequência de operações, mas como uma sequência de observações, que Luhmann denomina “operações observadoras”, ocorrendo uma duplicação da realidade.

Palavras-Chaves: Teoria dos Sistemas, Opinião Pública, Meios de comunicação de massa

Sumário: Considerações Iniciais. 1 A montagem do espetáculo. 2 Sociedade, comunicação, informação e sentido. 3 A construção da opinião pública. Conclusões. Referências

Considerações Iniciais

O sociólogo alemão Niklas Luhmann não apenas propõe uma nova teoria sobre a sociedade, mas uma nova forma de se enxergar a Sociologia. Para ele, ou a Sociologia é essencialmente a teoria da sociedade ou não é uma ciência[1]. Luhmann define a sociedade como um sistema operacionalmente fechado que se reproduz com base na comunicação, cortando, assim, o vínculo normativo entre homem e sociedade. Essa comunicação não produz qualquer efeito normativo, haja vista que o homem pode irritar a sociedade, mas não participar diretamente dela, vez que está no seu “ambiente/entorno”.

A escolha do referencial teórico, mesmo e apesar das dificuldades decorrentes da complexidade de sua obra, mostra-se relevante, vez que Luhmann elabora uma teoria sociológica que descreve a sociedade moderna, cujo grau de complexidade vai além do potencial analítico das abordagens tradicionais, ao fazer uma verdadeira reviravolta teórico-conceitual, substituindo o conceito de ação pelo de comunicação como sendo essencial à descrição da sociedade. Sob esse diapasão, Luhmann apresenta a sociedade moderna como funcionalmente diferenciada, onde cada subsistema desenvolve sua própria função balizada por um código binário.

Considerada uma das teorias mais inovadoras na observação da sociedade e do funcionamento dos sistemas sociais (seja em sentido amplo ou de seus sistemas individualmente considerados, seja político, jurídico ou econômico), a Teoria dos Sistemas tem forte relação com o Direito ou com o sistema jurídico, talvez até mais do que com os demais sistemas.

No entender de Luhmann, a sociedade moderna é caracterizada pela diferenciação social e pela formação de sistemas. Isso implica no fato de que a teoria dos sistemas e a teoria da sociedade dependem uma da outra. Isso é o mesmo que dizer que a sociedade não é a simples união de todas as interações presentes, mas sim um sistema de ordem maior, de tipo diferente, que é determinada pela diferenciação entre sistema e seu entorno.

O direito à informação, amparado constitucionalmente pela garantia da liberdade de expressão, é fruto de conquista alcançada durante o período do regime militar (mas não graças a ele). Seja no Brasil ou no resto do planeta, é notória a essencialidade dos meios de comunicação, vez que são eles os responsáveis pela disseminação das notícias e dos acontecimentos relevantes. Esse papel de disseminador de informações, entretanto, muitas vezes se desvirtua do seu objetivo principal, ou seja, desvirtua-se do seu alvo que é o de emitir e propagar informações que venham a fortalecer o espírito crítico e o senso de justiça de seus espectadores.

Um dos problemas desse cenário é que os espectadores não são mais assim tratados, mas sim vistos como consumidores. Consumidores de um produto chamado notícia. Mas o que seria uma notícia? Uma pergunta aparentemente banal, quando se acredita que todas as notícias veiculadas pelos telejornais são a mais pura descrição da realidade, cabendo ao jornalismo apenas a sua inserção nos meios de comunicação, para que possa ser disseminada como informação para o público.

Comunicar pelo jornal, rádio, televisão e internet tem impactos diferentes, haja vista que se tratam de incidências diferentes sobre o público, pois a notícia é uma produção de sentido engendrada pelos meios de comunicação de massas, transcendendo, assim, a simples descrição realista dos acontecimentos. Como a notícia é encarada pelos meios de comunicação como um produto, é preciso que se faça uma escolha. Assim, os telejornais (bem como outras mídias) elegem dentre o que ocorre, o que deve ser noticiado.

Há, portanto, uma seleção prévia na composição do produto desta escolha. É realizado aqui um recorte sobre a realidade, fundado em certos interesses. O que é destacado é, em seguida, transformado, acentuando-se certos aspectos e descartando-se outros. É nessa etapa que são empreendidas a interpretação e a produção de sentido, em que é afastada qualquer leitura ingênua sobre as mensagens veiculadas pela mídia.

A informação passa a ser construída nos seus menores detalhes, vez que o que se pretende é forjar a opinião pública. No presente artigo, foi escolhido o telejornal como objeto de análise pelo papel que ocupa na construção da opinião pública na sociedade brasileira. Como será apresentado no decorrer da pesquisa, cada vez mais, é por meio deles que o brasileiro se informa e cristaliza as percepções sobre a realidade. A cada dia, a televisão é o lugar estratégico para a produção e reprodução do poder, vez que, por meio dela, atribuímos não somente sentido ao que acontece, como também encontramos uma inesgotável fonte de identificações. Em virtude disso, a pesquisa se inicia pela problemática do poder dos telejornais, nas perspectivas filosófica, antropológica e sociológica, vez que é aqui que se inscrevem as redes de comunicação.

Busca-se a análise deste poder combinada à Teoria dos Sistemas de Niklas Luhmann, no qual a comunicação é a síntese de três seleções, quais sejam, a seleção da informação, seleção do ato de comunicar e a seleção feita no ato de entender, sendo estes entrelaçados de modo circular. A comunicação, entretanto, ocorre apenas quando se compreende a diferença entre a informação e o ato de comunicar.

Na sociologia de Luhmann não há uma teoria da comunicação, mas sim uma teoria dos meios de comunicação simbolicamente generalizados, sendo os meios de comunicação um dos sistemas de funcionamento da sociedade. Para Luhmann, os meios de comunicação constroem a realidade.

Somente a fabricação industrial de um produto enquanto portador da comunicação – mas não a escrita enquanto tal – conduziu à diferenciação autofortificada de um sistema específico dos meios de comunicação. A tecnologia de difusão representa aqui, por assim dizer, o mesmo que é realizado pelo medium dinheiro para uma diferenciação autofortificada da economia: ela própria constitui apenas um meio (um medium) que permite a formação de formas que, então, diferentes do próprio medium, constituem as operações comunicativas que permitem a diferenciação autoconfinada e o fechamento operacional do sistema. É decisivo, em todos os casos, o fato de não poder ocorrer, nas pessoas que participam, nenhuma interação entre emissor e receptor. A interação torna-se impossível pelo fato de ocorrer a interposição da técnica e isso tem consequências de longo alcance que definem para nós o conceito de meios de comunicação[2].

Assim, os meios de comunicação são capazes de produzir uma ilusão que transcende a realidade[3]. A atividade dos meios de comunicação é vista não apenas como uma sequência de operações, mas como uma sequência de observações, que Luhmann denomina “operações observadoras”, ocorrendo uma duplicação da realidade.

O tema central da teoria de Luhmaan é a noção de sistema. O sociólogo se inspira no conceito de sistema desenvolvido pelos biólogos chilenos Humberto Maturana e Francisco Varella para propor uma teoria dos sistemas sociais e uma teoria da sociedade contemporânea. Para os biólogos citados, os organismos vivos, como animais ou bactérias, são sistemas fechados, autorreferenciados e autopoiéticos (conceitos que serão pormenorizados no decorrer do estudo, mas que precisam ser citados agora, ainda que sem maiores explicações), mas isso não significa que eles sejam isolados, incomunicáveis, imutáveis ou mesmo insensíveis, mas que seus elementos interagem uns com os outros e somente entre si. Por isso a ideia de fechamento operacional dos sistemas[4].

1 A montagem do espetáculo

Vez que toda notícia implica numa verdadeira luta contra o tempo para não se tornar obsoleta e perder seu valor mercadológico, o telejornal é um espetáculo constituído por informações cada vez mais perecíveis[5]. O espetáculo telejornalístico obedece a uma lógica de espetáculo sem continuidade e que não faz história, em que o início e o fim da tarefa se encontram absurdamente próximos um do outro e o passado é atualizado no presente, seja através das imagens ou da linguagem com verbos postos no tempo presente. O telejornal está referenciado à lógica da comunicação midiática, por isso, encontra-se submetido a leis próprias e específicas[6].

Mas o que seria o espetáculo a que estamos nos referindo? Segundo Guy Debord, é “a negação da vida que é tornada visível; como perda da qualidade ligada à forma-mercadoria e à proletarização do mundo”[7]. Nesse sentido, o espetáculo do telejornal, apresentando uma inversão da vida, exibe imagens destacadas que se mesclam num mundo à parte, afirmando a aparência como essencial e predominante, como se imagens que são mostradas tivessem por si só credibilidade suficientes e simplesmente por estarem na mídia.

Para Debord, o espetáculo aliena o espectador, vez que reconhece a si mesmo e o seu desejo pela contemplação das imagens e pela identificação passiva do que lhe é apresentado como sendo a sociedade e a economia vigente. Assim, seja na vida social, no divertimento e na publicidade, Debord indaga o motivo da sociedade buscar e conseguir satisfação basicamente via espetáculos de comunicação de massa[8].

Ainda para Debord, quanto mais o indivíduo contempla, “menos ele vive; quanto mais ele aceita se reconhecer nas imagens dominantes da necessidade, menos ele compreende sua própria existência e seu próprio desejo”[9]. Ocorre aqui uma identificação passiva com um mundo espetacular, em que estão inseridas imagens tanto de entretenimento como de medo e violência, não se podendo discernir de modo preciso onde um e outro começam e acabam.

Um dos elementos fundamentais a ser comunicado pelo espetáculo é o medo, que funciona como possibilidade de ordem social, sendo também o principal mecanismo de controle da sociedade do espetáculo[10], que se serve de ameaças ou procura, por vezes, consolidar um clima de ameaça, até então apenas subentendida, velada ou mesmo explicitada, para assim conseguir manipular a opinião pública ou até mesmo política.

Diferentemente do que algumas pessoas podem imaginar, não há, entretanto, por trás do espetáculo uma mão todo-poderosa com atributos de divindade que controla ou manda em tudo. Justamente por se tratar de um poder em rede, diluído num conjunto de contratos, de acordos que precisam ser ora mantidos e ora destituídos, mas que são agenciados por interesses econômicos, financeiros e políticos, não há um grande e solitário comandante para tudo isso, a não ser algo muito maior e global: o mercado mundial[11]. Assim, o que sustenta, defende e gerencia os interesses é o lucro, nem que para isso o preço e a cotação estabelecidos pelo mercado seja a vida de milhares ou mesmo milhões de indivíduos. Prova disso são as guerras, e a dobradinha violência-medo se faz rapidamente como forma de manter controles legais ou não. Também dão destaque à mercadoria o valor, o lucro e o consumo e, no espetáculo, todas essas categorias podem ficar englobadas pela do entretenimento[12].

Como salienta Szpacenkopf, “a mercadoria ganhou importância no mundo pela ideia de que contém o que todos dever ter, o que faz crescer o medo de ser privado dela. A política do consumo dá a ilusão de uma sobrevivência aumentada e também da valorização da própria vida”[13]. Nesse sentido, o espetáculo serve para consumir ilusões. Quanto mais o indivíduo consome, mais se sente num maior patamar de status social, ou seja, há a valorização do abundante e do quantitativo, verdadeiro sinal de potência econômica sob a forma de mercadoria. Esse oferecimento excessivo de escolhas, quase inesgotável aos olhos passivos do indivíduo, unifica a sociedade e dá a cada mercadoria e a cada consumidor o valor de singularidade, que acaba por se perder ao ser consumida.

Para o historiador americano Christopher Lasch, o próprio consumidor, mantido insatisfeito, é o produto. A aquisição dos bens anunciados garante a satisfação do consumidor, promovendo o “consumo como modo de vida”[14]. Funciona como resposta à solidão, aos descontentamentos e à fadiga, ao passo em que outros descontentamentos serão amenizados pelo próprio consumo, vez que o vazio será preenchido com ofertas sedutoras que visam à satisfação de um prazer possível, pela rapidez e facilidade com que as insatisfações e o sofrimento podem ser sanados.

Para Debord, o consumo muda a noção de tempo, vez que, transformado pela indústria, passa a ser mais uma mercadoria espetacular, consumindo imagens ou funcionando como imagem do consumo[15]. Nesse sentido, o tempo espetacular se difere do tempo cíclico e irreversível na medida em que é vivido de modo ilusório por meio de momentos de uma realidade apresentada e assistida à distância, não apenas porque não foi realmente vivida pelos espectadores/consumidores, mas também pela consequência da inflação das informações a que estes estão sendo submetidos[16].

Quando há a dominação do espetáculo, o conhecimento histórico de modo geral desaparece, dando lugar à eternização do que não é importante, do imediatismo, da ausência de mediação. Szpacenkopf denomina de não-importante, em que “cada informação será substituída logo em seguida por outra que a suplante, que por sua vez será suplantada pela próxima, e assim por diante. A memória não é solicitada, passando a existir o que está sendo espetacularizado”[17].

A respeito da montagem de um espetáculo, ao analisar o teatro e sua montagem, Gianfranco Bettetini considera o teatro como “o lugar originário de cada forma comunicativa, de cada linguagem: é aqui onde, qualquer que seja a tipologia da manifestação cênica, se constitui um sistema de convenções que o consumidor reconhece e aceita”[18]. Essa noção de montagem se encontra implícita também nos telejornais, vez que podem ser encontrados a efemeridade, a festividade e o consumo individual e solitário nos espetáculos midiáticos. Como se houvesse sido transferida à televisão a dimensão festiva do teatro, fazendo de sua rotina e sua prática de informação um verdadeiro espetáculo, em que imagens são consumidas e a “realidade é transformada em espetáculo realista”[19]. Sob este enfoque, o espetáculo do cotidiano “não fala, não dialoga, mas oferece dados e notícias em um marco luminoso”.[20]

Na tentativa de conservar o espetáculo televisivo, para compensar a efemeridade do que é transmitido, passou a existir a preocupação de se ter o registro, uma espécie de memória estendida, através de fitas, CDs, DVDs e, atualmente, sites de compartilhamento de vídeos, garantindo, assim, a guarda do que escapa e do que não pode ser repetido.

O telejornal é caracterizado pela apresentação de imagens que acabam se transformando, ao olhar passivo do telespectador, em mais reais que a própria realidade da qual se originaram, prevalecendo o que é tornado visível e muitas vezes negando o que realmente aconteceu. O espetáculo do telejornal apresenta diversas e variadas informações, dando destaque à programação televisiva, vez que acrescenta credibilidade a uma determinada emissora. Diferente da imprensa escrita, o telejornal obedece algumas especificidades, como a propagação da imagem, pela própria ilusão de completude que representa à notícia dada, e a narração, que auxilia naquilo que está sendo veiculado através da imagem. Tudo isso é veiculado de forma a manter a atenção dos telespectadores.

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Para Patrick Charaudeau, as imagens podem apresentar três tipos de efeitos: de realidade, de ficção e de verdade[21]. Como o primeiro efeito se trata do desenrolar de uma realidade, aqui será dada ênfase para transmissões ao vivo. No efeito da ficção, a realidade ganha outro enfoque e extensão por meio de montagens e da espetacularização da notícia, em especial as notícias de violência, que acabam tendo um tratamento que as aproxima muito do efeito ficcional. E, por último, o efeito da verdade é obtido por meio de estratégias, como tomadas de cenas, em que os detalhes de ângulos de câmera são postos em destaque e valorizados.

O telejornal enfatiza a notícia que explora o que é considerado infrator, anormal ou mesmo aquilo que pode ser destacado como descontentamento da sociedade ou que diga respeito à quebra de ordem. Por diversos motivos, as infrações das quais o Estado não se ocupa são constantemente apresentadas nos noticiários que, não raramente, sugerem medidas para coibi-las, ainda que estas medidas não sejam as mais adequadas[22].

As estratégicas utilizadas na construção da notícia são de difícil detecção, mas é certo que “toda enunciação, seja sob a forma de comentário ou não, provoca uma projeção mais ou menos importante do imaginário social sobre o fato relatado, tal que este imaginário social é moldado pelas relações de força existentes numa sociedade dada”[23].

Assim, o telejornal acaba por apresentar a atualidade de forma cortada, fragmentada em partes independentes, de forma superficial e que não mantem relação entre si. Mesmo assim, a classificação de matérias diversas parece ser uma escolha melhor que a restrição da quantidade de notícias. Mesmo correndo o risco de ser superficial, uma grande quantidade de informação em menor tempo possível parece ser uma escolha melhor que não ter notícia alguma, é dizer, é melhor que a desinformação. Dessa maneira, é oferecida ao espectador maiores opções e possibilidades, para que este faça uso delas de acordo com seus próprios critérios.

Aliado a isso, as transmissões ao vivo, realizadas pelas equipes móveis compostas de jornalistas e cinegrafistas potencializam o valor da notícia, dando mais veracidade ao que está sendo transmitido e economizando tempo e recurso com uma possível pós-produção e montagem. As gravações feitas pelos chamados “cinegrafistas amadores”, através de seus equipamentos portáteis, contribuem na construção da veracidade dos fatos, acrescentando novidade na rotina das fontes de informações[24].

Como aponta Szpacenkopf:

Nos noticiários, o atual é diferente e ao mesmo tempo semelhante ao de outras épocas. As guerras são iguais, apesar de especificidades ligadas aos avanços tecnológicos. Os movimentos da natureza, os conflitos sociais, as negociações políticas, os atos de terrorismos e os de violência repetem-se, dando a ideia de eterno, favorecendo o esquecimento e justificando o sentido de fatalidade, de impotência e de distanciamento. O agendamento de notícias políticas e de economia efetuado pelos poderes envolvidos constrói a atualidade, e nele os jornalistas se inspiram para programar os acontecimentos. As mídias impõem um cardápio de acontecimentos diários[25].

Nota-se, então, que a análise do telejornal pode se dar em função de diferentes enfoques e objetivos, e um deles é o de ser encarado como um produto de mercado que está submetido às leis do próprio mercado. Caso a montagem do telejornal esteja inclinada à atender as exigências e comandos de instituições privadas ou estatais, seu propósito poderá ser o de captar o espectador numa tentativa de mantê-lo sob controle por um conjunto de ideias.

Enfoque diverso é a ênfase no fazer-saber, exercido, principalmente, pelos jornalistas, em que se incluem a objetividade, imparcialidade e neutralidade como condições primordiais para a sustentação da auto imagem de independência e de autênticos “cães de guarda de democracia”[26] destes profissionais. Vez que o telejornal passa a ser “um espelho sustentado para a realidade”[27], as notícias por ele apresentadas são tidas como acontecimentos transmitidos exatamente como aconteceram. Assim, as operações de edição e de produção deixam de ter importância e o telejornal não precisa de explicações, ele simplesmente acontece”[28].

Como os acontecimentos, entretanto, são dispostos sob a forma de mensagens, não existe uma inclinação a uma reflexão das notícias, devendo tais mensagens ser entendidas segundo uma prática significativa, que estrutura e modela os acontecimentos “não meramente com um significado já existente, mas por um trabalho mais ativo de fazer as coisas significar”[29]. Assim, mesmo com as promessas de neutralidade, não poucas vezes os jornalistas são criticados por trabalhar numa esfera ideológica.

Nesse sentido, tem-se que o espetáculo jornalístico é constituído de uma realidade apresentada e anunciada, em que os aspectos de verdade e ficção se encontram tão entrelaçados e mesclados que não é possível ao espectador fazer uma leitura crítica do que está sendo a ele apresentado, vez que o telejornal descortina um mundo atual com episódios que travam uma verdadeira luta contra o tempo para marcar presença. A memória, contudo, não é capaz de dar conta das mesmas novas informações perecíveis após cada nova apresentação.

2 Sociedade, comunicação, informação e sentido

Luhmann explora a ideia de que uma teoria sobre a sociedade é um fenômeno social, fazendo parte, portanto, da própria sociedade[30]. Ele afirma que a sociedade é da sociedade, explicitando a elevada complexidade que existe em se analisar a sociedade. Tudo que não é comunicação não faz parte do sistema e os seres humanos sem comunicação, enquanto sistemas psíquicos, não podem fazer parte da sociedade, mas somente do seu entorno, existindo um acoplamento estrutural em que se tem, de um lado, a sociedade, como sistema social, e, do outro, os indivíduos como sistemas psíquicos, não podendo um existir sem o outro. O sistema social, assim, é mantido sobre a premissa de que a comunicação sempre leva à comunicação, que existe apenas dentro do sistema social, sendo, nesse sentido, uma operação interna.

Um sistema autopoiético possui a capacidade de produzir e reproduzir por si mesmo todos seus elementos constituintes[31]. Para Luhmann, “tudo que opera no sistema como unidade – mesmo que seja um último elemento, não mais passível de ser decomposto – é produzido no próprio sistema”[32]. Como os sistemas sociais são autopoiéticos e operacionalmente fechados, as comunicações (que são produzidas tão somente dentro do sistema social, que é fechado) produzem comunicações, isto é, fazem sua autopoésis. A partir deste entendimento, temos que os elementos constituintes dos sistemas sociais são as comunicações, vez que as operações do sistema social, é dizer, comunicação, acaba por gerar mais comunicação.

O sistema, em função de sua própria autopoiese, acaba por ficar confinado do exterior, vez que as comunicações ocorrem apenas dentro do sistema e as operações de sistemas alheios não podem ocorrer dentro dele[33]. Mas como seria possível existir comunicação se o próprio homem se encontra isolado da sociedade e a sociedade isolada do homem?

No entender de Luhmann, o ambiente/entorno pode alterar o rumo das operações do sistema sem interferir nas operações, através do acoplamento estrutural, é dizer, o ambiente que se encontra acoplado ao sistema pode levar este à irritação, produzindo, assim, determinadas operações ao invés de outras. Como o isolamento entre o sistema e ambiente é operacional, é perfeitamente possível que o ambiente leve o sistema a operar de modo diverso. Assim, o sistema que sofrer a interferência/irritação não deixará de operar da sua forma habitual, mas produzirá e reproduzirá essas interferências, sempre obedecendo à sua lógica interna.

É preciso explicitar também outro tipo de acoplamento estrutural. Como no caso do sistema social e da consciência, os sistemas acabam por depender mutuamente um do outro, fala-se em interpenetração[34]. Nesse caso, a existência do sistema social depende da existência da consciência e vice-versa, em que a própria evolução de um depende da evolução do outro, desenvolvendo-se numa espécie de co-evolução recíproca[35]. Entretanto, não há que se falar numa invasão de um sistema da autopoiese do outro, pois a interpenetração existe no sentido de que um pode acessar a complexidade do outro, tratando-se de acoplamento estrutural com maior grau de dependência recíproca, em que se mantém o fechamento operacional.

No tocante à comunicação, convém explicitar que, para Luhmann, os indivíduos não se comunicam entre si, mas somente a comunicação, como sistema social, pode comunicar[36]. Para o sociólogo, o sistema sociedade não é caracterizado por uma medula basilar ou por uma determinada moral, mas tão somente pela operação que produz e reproduz a sociedade, que é a comunicação[37].

Sob este enfoque, a comunicação é a unidade elementar da sociedade, que é o sistema social mais abrangente[38]. Como a comunicação se auto observa e se auto reproduz, o sistema social pode selecionar do ambiente aquilo que lhe é ou não útil e, com isso, diferenciar-se[39]. Como toda operação de comunicação é sociedade e tudo que não é comunicação se encontra fora dela, o indivíduo serve de suporte bio-psíquico da comunicação, isto é, serve de infraestrutura da sociedade. Ainda que os indivíduos não sejam imprescindíveis para a sociedade, isto não quer dizer que a comunicação seja possível sem que exista consciência, vida e cérebros irrigados[40].

Assim, ao definir a sociedade como um sistema operacionalmente fechado que se reproduz com base na comunicação, Luhmann corta o vínculo normativo entre homem e sociedade. Essa comunicação não possui qualquer implicação normativa, haja vista que o homem pode irritá-la, mas não participar diretamente dela, vez que está no ambiente da sociedade[41].

Na teoria dos sistemas de Luhmann, a comunicação se apresenta num conceito tricotômico, formado pela mensagem, informação e compreensão (ou sentido)[42]. Uma vez que o tema da comunicação (informação) é emitido, este se torna autônomo, com sentido próprio na sociedade, ou seja, difere-se da informação existente na consciência do emissor e do receptor. Assim, a sociedade é constituída por comunicação e não pessoas, que não participam da comunicação, mas são indispensáveis para que ela aconteça, é dizer, ainda que os indivíduos não participem da comunicação, são os seres humanos que a causam.

Sob este prisma, quando um indivíduo “A” seleciona em sua cabeça uma determinada informação dentre diversas, este precisa escolher uma forma de verbalizar seu pensamento, seja pela fala, escrita, gestos ou sinais. Depois de escolhida a forma de dar-a-conhecer[43], este indivíduo emite sua mensagem ao indivíduo “B” que receberá a mensagem. A mensagem recebida por “B”, contendo a informação, entretanto, não entra em sua cabeça. Neste caso, como a mensagem não pôde penetrar o sistema de “B”, provocou, então, irritações. Não houve transmissão de informações. É preciso que “B” selecione em sua cabeça uma informação. Assim, dentre diversas possibilidades de significados, ele escolhe uma em especial, ou seja, ele cria essa informação que pode ou não ter relação com aquilo que o indivíduo “A” pensou.

A comunicação, então, é a síntese de três seleções[44], quais sejam: 1) a seleção de uma determinada informação; 2) a seleção de uma mensagem; 3) a seleção de um entender a disparidade entre informação e mensagem, sendo esta última importante, pois significa que o segundo indivíduo selecionou uma informação que tenha relação e significado com aquilo que o indivíduo “A” quis dizer. Se “B” entendeu o que “A” disse é justamente porque já selecionou uma informação equivalente em sua mente. A comunicação se completa quando ocorre a terceira seleção, pois o sistema social produziu comunicação a partir da atividade dos sistemas dos dois indivíduos.

Como toda comunicação sempre terá informação, esta é indispensável ao processo comunicativo, pois está sujeita a diferentes interpretações. Como não existe transmissão de informação, “o emissor não perde informação e quem a recebe não a adquire como coisa”[45]. Quando ocorre a irritação do sistema, este reelabora suas estruturas internas, visto que informação é sempre algo interno, pois informação é sempre informação para algum indivíduo[46].

Não há, assim, um mundo externo repleto de informações, mas sim um sistema psíquico capaz de criar mais ou menos informações a partir de interferências ocasionadas por estímulos externos. Podemos exemplificar este fato com um simples exemplo: imaginemos um livro repleto de informações, mas que não significa que as informações ali contidas irão entrar na cabeça de um indivíduo como deveria, pois, para cada pessoa, um texto num livro poderá possuir um significado particular.

A informação criada no sistema psíquico é, na realidade, uma diferença produzida em relação ao que se aguardava. Por isso que a informação deve ser algo inesperado, uma novidade[47], pois depois da informação o sistema não é mais o mesmo, vez que as expectativas também mudam, sendo a informação uma diferença que produz diferença.

No tocante ao sentido, na teoria luhmanniana, seu significado é bastante específico. Ao dizermos, por exemplo, que um texto “faz sentido”, isso quer dizer que o conjunto de palavras foi capaz de causar uma seleção específica dentro do sistema psíquico, ou seja, diante de tantas possibilidades de seleção, uma em especial foi escolhida para dar um significado. Assim, através do sentido, há uma seleção específica em detrimento de outras, sendo ele o responsável pela indicação de uma seleção específica e pelo controle de acesso às possibilidades excedentes[48]. Assim, através do sentido uma possiblidade em especial é atualizada enquanto outras são deixadas como pano de fundo[49].

O sentido é o elemento diferenciador entre os sistemas sociais e psíquicos em relação aos outros sistemas, que não o possuem. O sentido é o responsável pela própria operação dos sistemas sociais e psíquicos, vez que não existe comunicação ou pensamento sem sentido. Nesse diapasão, as comunicações e os pensamentos são seleções realizadas por intermédio do sentido. Para Luhmann, o sentido é o responsável pela criação de uma informação, vez que só é concebida quando se atualiza uma possibilidade de uma determinada informação. O sentido funciona como um meio que possibilita a comunicação e o pensamento.

3 A construção da opinião pública

Para Luhmann, comunicação produz comunicação, é dizer, ela se produz de modo contínuo numa rede fechada e recursiva, em que seus componentes também são comunicações. Assim, a comunicação não está imune a problemas gerados e complexificados. Pelo contrário, como é sensível a estes, apresenta rápida reação. Isso é facilmente demostrado quando Luhmann se refere aos riscos das decisões, às consequências das novas tecnologias, e aos problemas ecológicos, por exemplo[50].

Os meios de comunicação acabam por selecionar quais comunicações são passíveis de utilização, e quais acontecimentos (dentro de uma gama de outros acontecimentos) serão levados a público. Assim, os meios de massas possibilitam o acoplamento entre os diversos sistemas sociais, fazendo com que a linguagem e os meios de comunicação simbolicamente generalizados proporcionem, por sua vez, um contínuo acoplamento e o desacoplamento dos sistemas[51].

Dando ênfase ao papel que a televisão exerce como um dos principais veículos de comunicação, Ignacio Ramonet aponta que:

Tomando a dianteira na hierarquia da mídia, a televisão impõe aos outros meios de informação suas próprias perversões, em primeiro lugar com seu fascínio pela imagem. E com esta ideia básica de que só o visível merece informação, ou seja, o que não é visível e não tem imagem não é televisável, portanto, não existe midiaticamente. Os eventos produtores de imagens fortes – violências, guerras, catástrofes, sofrimento de todo tipo – tomam, portanto, a preeminência na atualidade: eles se impõem aos outros assuntos mesmo que, em termos absolutos, sua importância seja secundária. O choque emocional provocado pelas imagens da TV – sobretudo aquelas de aflição, de sofrimento e de morte – não tem comparação com aquele que os outros meios podem provocar. Por sua vez, a imprensa escrita, obrigada a continuar, pensa que pode recriar a emoção sentida pelos telespectadores publicando textos (reportagens, testemunhos, confissões) que atuam, da mesma maneira que as imagens, no registro afetivo e sentimental, dirigidas ao coração, à emoção e não à razão e à inteligência[52].

Observa-se uma enorme concentração de poder no que tange ao controle dos meios de comunicação no Brasil, vez que somente nove famílias (Marinho, Santos, Bloch, Saad, Frias, Mesquita, Levy, Civita e Nascimento Brito) detêm o domínio de cerca de noventa por cento de tudo que a sociedade brasileira lê, ouve e vê por intermédio dos meios de comunicação. Pode-se afirmar, assim, que quem controla quase a totalidade da comunicação acaba sendo detentor de um poder de fato. Como salienta Gareschi, “se é a comunicação que constrói a realidade, quem detém a construção dessa realidade detém também o poder sobre a existência das coisas, sobre a difusão das ideias, sobre a criação da opinião pública”[53].

Para Luhmann, os meios de comunicação simbolicamente generalizados surgem no momento “em que a técnica de difusão permite ultrapassar os limites da interação entre os presentes e programar informações para um número desconhecido de sujeitos ausentes e situações que não se reconhecem ainda com exatidão”[54]. Assim, nota-se que a imprensa acaba por modificar os repertórios nos quais os sistemas funcionais selecionam suas operações, ampliando suas possibilidades, mas também dificultando a seleção[55]. Nesse sentido, a produção comunicativa acaba por ser a responsável pela produção da própria sociedade, vez que tudo é comunicação. A autopoiese da comunicação possibilita um excedente comunicativo hábil à construção paradoxal da própria realidade social[56].

Para Luhmann, os meios de comunicação são baseados no código binário informação/não-informação, em que a opinião pública se revela como o resultado da seletividade operada pelos meios, não podendo se visualizar a manipulação ou distorção da realidade, vez que a opinião pública é o produto das atualizações constantes dos meios de comunicação, que se relevam como a própria realidade social.

Corroborando este raciocínio, Marcondes Filho conclui que:

A lógica do pensamento atual não necessita mais da comprovação, da verificação fiel, da derrubada de argumentos. Este modelo está superado. A lógica atual é absolutamente outra: todo o instrumental “científico” é amplamente utilizado para dar status de verdade às imposições de classe e a opinião pública precisa apenas da aparência da verdade. O que lhe interessa é participar do jogo, fazer parte do espetáculo e não questionar os fundamentos últimos das explicações[57].

Para se chegar ao resultado da opinião pública, Luhmann aponta que a seletividade dos meios de comunicação passa por três estágios. O primeiro deles é a dimensão objetual, em que acontece um mapeamento a respeito daquilo que pode vir a ser usado como notícia. O segundo estágio é a perspectiva temporal, em que se analisa a relevância do que se quer informar, privilegiando novas informações. Já no último estágio, que se processa na dimensão social, há uma mobilização social no sentido de coordenar e conduzir os conflitos, promovendo-se recorrentes operações sistêmicas para tal[58].

Nesse sentido, através dos três estágios é possível a seleção informativa com o intuito de se construir a opinião pública. Depois da análise daquilo que pode ser utilizado como notícia e a viabilidade do conteúdo que se deseja informar, a informação que é produzida tem como objetivo gerar perturbações, que serão absorvidas e processadas pelos sistemas, consoante seus próprios pressupostos sistêmicos. Consoante Liton Sobrinho:

A opinião pública possibilita que o sistema político observe seu ambiente e os demais subsistemas e opere conforme o resultado dessa mesma observação. A opinião pública, pois, pode ser compreendida como um dos meios aptos à construção de formas no sistema social. Igualmente é compreendida enquanto possibilitadora de acoplamentos entre os diversos sistemas, viabilizando, com isso, a observação de segunda ordem enquanto praxis reflexiva sistêmica[59].

Como a própria sociedade é comunicação, o sistema social é um próspero cenário para a difusão comunicativa. Vez que os meios de massa proporcionam uma indicação seletiva daquilo que é ou não relevante para o sistema social, bipartindo as possibilidades de descrição por meio da diferença informação/não-informação, a opinião pública se revela como um produto dos meios de comunicação de massas que se empenham em propiciar descrições da realidade[60]. Sobre isso, Campilongo aponta que “a sociedade pode ser examinada como uma rede de comunicações. O que diferencia o sistema social dos demais sistemas é exatamente isso. A operação típica da sociedade é a comunicação, entendida como ato de transmitir, receber e compreender a informação”[61]. Para ele, a própria evolução sociocultural se apresenta como exemplo da contínua ampliação e transformação das possibilidades de comunicação.

Como o conceito sistêmico rompe com a visão cartesiana-mecanicista que até então predominava no cenário científico[62], passou-se de uma explicação que reduzia o todo aos seus fragmentos para se chegar a uma conclusão, para o pensamento em sistema, que opera com o conceito de redes, é dizer, que parte de um todo não considerado pela soma das partes, mas sim interligado e harmonicamente operativo.

A formação e disseminação da opinião pública ocorrem graças à interdependência e à interligação sistêmica, vez que as redes geradoras de opinião pública operam de maneira integrada, tendo como causa e efeito resultado de operações comunicativas já realizadas anteriormente. De igual modo se opera a corporificação no meio social, através de possibilidade e operações já referidas anteriormente. Assim, tem-se que a comunicação é constantemente produzida e reproduzida com base em outras comunicações, sendo toda comunicação, nesse sentido, dependente de comunicações previamente estabelecidas.

Através da codificação informação/não-informação, os meios de comunicação de massas, potencializam a comunicação referente a determinado tema, influenciando, assim, a construção da opinião pública no sentido favorável a uma determinada decisão. Por sua vez, a opinião pública gerada por uma decisão “X” causa ressonâncias na sociedade, viabilizando construções peculiares a cada sistema social mediante sua autopoiese própria[63].

Assim, tem-se que os meios de comunicação de massas descrevem a realidade social, sobressaindo o poder operado pelos meios, em que o processo de comunicação não se encontra disperso, mas, pelo contrário, inter-relacionado com outros meios. Como bem declara Nafarrate, “os meios são precisamente isso: meios. Todo o peso da reflexão moderna sobre os meios de massa está centrado em uma crítica ao poder incontível e desumanizado ao homem”[64].

Na teoria de Luhmann, sociedade e comunicação estão completamente auto-ligadas, por isso a comunicação não pode ser afetada por algo que exista fora dela. Como todas as comunicações possíveis estão somente na sociedade, a comunicação é gerada de modo contínuo numa cadeia hermático-recursiva, é dizer, comunicações produzem comunicações, e sua existência somente se torna possível dentro dessa rede[65]. Para Luhmann:

A partir destas disposições gerais da teoria sistêmica e da teoria da sociedade, há que dar-se o passo seguinte para se chegar à teoria dos meios de comunicação para as massas. A função dos mass media consiste, sobretudo, em dirigir a autoobservação do sistema da sociedade – com isto não se está indicando nenhum objeto específico, mas a maneira na qual o mundo é cortado mediante a diferença sistema (é dizer sociedade/ambiente). Se trata de uma observação universal, e não uma observação específica de um objeto[66].

Para Luhmann, o avanço da comunicação através dos meios de massa garante “a todos os sistemas funcionais uma aceitação social ampla e aos indivíduos a garantia de um presente conhecido, do qual possam partir para selecionar um passado específico ou expectativas futuras referidas aos sistemas[67]. Ainda para Luhmann, na relação dos meios com o tempo, a comunicação resolve a questão do tempo, pois alguns meios de massa operam sob a pressão de aceleração[68]. Mas como se chega de uma comunicação a outra? Como o link é feito? A isso, Luhmann menciona que cada comunicação trabalha com um código de recepção ou recusa, e através do consenso ela será aceita ou não por intermédio da contradição. Sob este enfoque, os meios de massas tem a função de realizar uma estrutura de reprodução e informação.

Exatamente por isso que os meios de comunicação de massas garantem aos sistemas funcionais ampla aceitação social, e aos indivíduos oferece um presente ao qual possam selecionar um passado específico ou mesmo expectativas futuras referidas aos sistemas[69]. Em função dessa relação, é possível estabelecer expectativas do futuro, refutadas pelo próprio sistema, por intermédio dos meios de massa, mas somente se existir a aceitação social, baseada na relação passado/futuro, reduzindo, assim, sua complexidade.

Os meios de massa, assim, conectam passado e futuro, possibilitando a comunicação entre o sistema e seu entorno, gerando informação e, consequentemente, opinião pública. Assim, gera-se um excedente comunicacional, obrigando a sociedade a (auto)observações e (auto)descrições.

Para Luhmann, a sociedade se conhece por intermédio dos meios de comunicação de massa, sendo que sua representação e operação acontecem no presente. Assim, os meios tornam possível a condição operativa da sociedade e a simultaneidade das operações realizadas nos sistemas sociais da sociedade[70].

Conclusões

O ritmo acelerado dos meios de comunicação de massas geram e reformulam a opinião pública. Vez que a comunicação é propagada numa velocidade capaz de proporcionar um contínuo movimento autopoiético da opinião pública, é possível notar que a própria sociedade, funcionando como rede/sistema autopoiético comunicativo, alimenta os meios de massas em direção à constante construção da realidade social. Realidade esta refletida na e pela opinião pública. Assim, como todo acontecimento comunicativo acontece dentro da sociedade, somente o sistema social é capaz de distinguir as diversas comunicações mediante codificações próprias. É de extrema significância a compreensão da diferenciação sistema/entorno para o entendimento da opinião pública, vez que toda comunicação, só é possível no âmbito interno do sistema, não importando se se trata sobre o sistema ou sobre o entorno.

Nesse sentido, operando sob o código informação/não-informação, interessa à comunicação somente os enunciados com conteúdo informativo, não sendo relevante a legalidade, o valor econômico ou mesmo valores políticos e educativos da notícia, sendo a informação o principal elemento dos meios de comunicação. Sob este prisma, tem-se que a sociedade, através dos meios, é a grande rede geradora de opinião pública, vez que a comunicação reiteradamente escolhida transforma-se em causa e efeito da constituição da realidade social.

Como a realidade social é (re)construída constantemente, num primeiro momento parece que há uma intencionalidade dos meios de comunicação, e em especial, dos telejornais. Contudo, consoante já abordado neste estudo, não existe uma mão que controle tudo. Para Luhmann, ainda que exista a possibilidade de influenciar a sociedade para que se siga determinado caminho, o resultado pode ser diferente do pretendido, vez que se tratam de decisões, e o fenômeno da contingência sempre está presente.

Assim, mesmo que a opinião pública, enquanto espelho da sociedade, seja passível de influência, a sua construção é dada mediante o que é requerido pelo sistema. Nesse sentido, os meios de comunicação são capazes de produzir uma ilusão que transcende a realidade. A atividade dos meios de comunicação é vista não apenas como uma sequência de operações, mas como uma sequência de observações, que Luhmann denomina “operações observadoras”, ocorrendo uma duplicação da realidade

Quanto à construção da opinião pública, esta se basta como meio de descrever a realidade social, ficando em segundo plano o fundamento das comunicações ou mesmo a vontade individual. Assim, a opinião pública acaba por se cristalizar, não sendo passível de questionamento ou revisões, vez que representa a verdade da sociedade. Ainda que a opinião pública se revista em um médium operado pelos meios de massas, isso não significa que não possa haver influência nos meios de comunicação.

No caso, por exemplo, de acontecer insurgência popular sobre uma questão veiculada pelos telejornais, fazendo gerar uma sobrecarga comunicativa que a sociedade deve identificar e absorber, a resposta apresentada pelos sistemas podem não corresponder às expectativas populares.

Com isso, tem-se que, ainda que não exista por detrás do editorial de um telejornal uma (única) força manipuladora (por tratar-se de um poder em rede, ramificado num conjunto de contratos e de acordos que precisam ser ora mantidos e ora destituídos), que planeja asperamente cercear o poder de escolha dos indivíduos, os meios de comunicação de massas operam, a todo momento, distinções informativas, moldando, assim, a opinião pública ao sabor de interesses contrários às necessidades da sociedade. Como a verdade da opinião pública acaba por tornar-se a verdade da sociedade, não há que se falar em críticas ou mesmo percepção de manipulações.

É possível apontar aqui, ainda que de modo singelo, um possível caminho que vai à contramão do status quo, é dizer, a construção da opinião pública de maneira participativa e voltada a formas mais coesas com a realidade social, na construção de ambientes democráticos de discussão, que levaria a uma contínua mutação da sociedade. Um desses ambientes apontados seria a gestão democrática nas escolas, em que exista uma integração entre a escola e a comunidade em que se encontra. A gestão democrática não se trata de um conjunto de práticas burocráticas, mas deve ser visto como um caminho de promoção do fazer democrático e da cidadania.

Sendo a escola um ambiente fértil para construção de indivíduos críticos e conscientes do seu papel na sociedade, é possível que se minimize a interferência/irritação dos telejornais na vida dos indivíduos, vez que se colocará em xeque o exame do modo como se configuram as múltiplas relações sociais que têm lugar no cotidiano.

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Sobre o autor
Francisco Renato Silva Collyer

Professor nas áreas de Legislação, Logística, Ética e Sociologia. Mestre em Direito Constitucional pela Faculdade de Direito do Sul de Minas. Especialista em Filosofia, Direito Público, Ciência Política e Direito Ambiental. Graduado em Direito e Ciências Sociais. Possui cursos de formação complementar nas áreas de Direito, Filosofia, Sociologia, Ética, Meio Ambiente e Gestão Ambiental.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

COLLYER, Francisco Renato Silva. O espetáculo do telejornal e a (re)construção da opinião pública sob a perspectiva Luhmanniana. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5615, 15 nov. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/66937. Acesso em: 15 nov. 2024.

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