A colaboração premiada no contexto das organizações criminosas

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Essa ferramente de combate ao crime organizado precisa ser usada de forma cautelosa, consciente e em caráter excepcional, para que seu objetivo se mantenha e não seja corrompido. Como sói acontecer no Brasil.

RESUMO: O instituto da colaboração premiada não é recente no Brasil e mesmo sendo uma realidade desde os tempos da colônia (Ordenações Filipinas), tal instituto só foi regulamentado no país nos anos 1990, com a Lei 8.072/90, a qual trata dos crimes hediondos. Posteriormente, a também conhecida delação premiada se estendeu aos crimes comuns, circunstância que resultou e ainda resulta em críticas severas no âmbito jurídico brasileiro. Diante de tal divergência doutrinária, uma maior discussão sobre o tema se faz oportuna, e a pertinência do tema se justifica. Destarte, lançando-se mão de uma pesquisa bibliográfica, a qual se fundamentará em autores renomados no âmbito jurídico, bem como em dispositivos normativos práticos, busca-se romper com a premissa voltada para a natureza indigna do instituto em questão, com o intuito de que a maioria dos aplicadores do Direito passe a considerar a colaboração premiada como uma ferramenta eficaz de combate ao crime, uma vez que auxilia nas investigações policiais, esclarecendo crimes e salvando eventuais vítimas. É tendo em vista alcançar esse objetivo, que será usado o método dedutivo, pelo qual é possível chegar a uma tese verdadeira, mediante o levantamento de hipóteses, negadas ou confirmadas durante o processo de investigação científica. Assim, acredita-se ser possível não só ressaltar a importância do mecanismo em questão, como também destacar a necessidade de se cumprir certos requisitos ao aplicá-lo, de forma que a colaboração premiada ocorra de forma estruturada e sem perder seu propósito legal.

Palavras-chave: Colaboração premiada. Ferramenta eficaz. Combate ao crime.

ABSTRACT: The institute of the award-winning collaboration is not new in Brazil and even though it has been a reality since colonial times (Philippine Ordinations), such an institute was only regulated in the country in the 1990s, with Law 8.072 / 90, which deals with heinous crimes. Subsequently, the well-known prize award extended to common crimes, a circumstance that resulted and still results in severe criticism in the Brazilian legal framework. Faced with such a doctrinal divergence, a greater  discussion on the topic is timely, and the pertinence of the theme is justified. In this way, a bibliographical research, based on renowned authors in the juridical sphere, as well as on practical normative devices, will seek to break with the premise directed at the unworthy nature of the institute in question, with the purpose of that most law enforcers will consider award-winning collaboration to be an effective crime-fighting tool, as it aids police investigations, clarifies crimes and saves potential victims. It is in order to achieve this objective that the deductive method will be used, by which it is possible to arrive at a true thesis, through the collection of hypotheses, denied or confirmed during the process of scientific investigation. Thus, it is believed that it is possible not only emphasize the importance of the mechanism in question, but also to highlight the need to fulfill certain requirements when applying it, so that the awarded collaboration takes place in a structured manner and without losing its legal purpose.

Keywords: Award-winning collaboration. Effective tool. Fight crime.


1INTRODUÇÃO

A sociedade apresenta-se vulnerável e insegura diante da crescente criminalidade no país e, por isso, demanda dos Poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário) ações eficazes que possam minimizar e/ou neutralizar condutas advindas tanto de organizações criminosas (crimes hediondos e comuns), quanto de pessoas públicas, que deveriam zelar pelo interesse coletivo.

Destarte, pode-se afirmar que a sociedade tem como inimigo não apenas as organizações criminosas, mas também o próprio Estado, que deveria defender seus interesses, protegê-la, mas nem sempre o faz. Assim sendo, tornam-se urgentes ações que inibam a criminalidade e a impunidade, contribuindo não só com a melhoria da segurança pública, mas também corroborando o Estado Democrático de Direito.

É fato que os crimes de corrupção passiva e ativa, peculato e lavagem de dinheiro crescem exponencialmente no país e têm resultado em punições jamais presenciadas na História. Foi preso e sentenciado expressivo número de representantes públicos e de empresários renomados envolvidos em grandes organizações criminosas, que causaram prejuízos irreparáveis aos cofres públicos, graças à colaboração premiada dos criminosos detidos nas primeiras fases das investigações da operação “Lava jato”, por exemplo.

Tais crimes advindos da esfera pública precisam ser contidos da mesma forma que os crimes comuns e hediondos, uma vez que têm repercussão maléfica na vida de milhões de cidadãos. Apesar de não estarem diretamente associado a casos de morte e de violência, como os supracitados crimes (de outras naturezas), estão indiretamente quando não destinam as verbas necessárias à segurança, à saúde, e outras áreas também importantes para o funcionamento harmônico da sociedade.

Nesse sentido, a colaboração premiada constitui “arsenal poderoso para desestabilizar a estrutura cada vez mais desafiante do crime organizado e dar efetividade ao sistema penal, na medida em que minimiza a transgressão aos dispositivos penais e impede que a impunidade se alastre” (GREGHI, 2007, p. 02). Representa não um subterfúgio legal para os culpados fugirem às consequências legais de seus atos, como alguns teóricos afirmam, mas uma tentativa de se alcançar outros criminosos, de maior escalão, e que oferecem maior óbice à captura.

Dito isso, a delação premiada apresenta-se como ferramenta de extrema valia no combate à criminalidade, uma vez que a sociedade poderia punir as ações danosas causadas a ela pelo Governo, exigindo reparações, de forma tão expressiva, que a inutilização deste instituto representaria por outro lado prejuízo como prova eficaz no processo penal.

Com efeito, Capez (2011, p. 417) conceitua o tema proposto como:

Delação ou chamamento do corréu é a atribuição da prática do crime a terceiro, feita pelo acusado, em seu interrogatório, e pressupõe que o delator também confesse a sua participação. Tem o valor de prova testemunhal na parte referente à imputação e admite reperguntas por parte do delator.

Vale acrescentar ainda que essa prática delatora para ser de fato válida e eficaz, precisa, necessariamente preencher alguns requisitos, conforme dispõe toda a legislação sobre o tema: a) precisa partir de um ato voluntário (sem nenhuma coação); b) deve ser proposta pelo Ministério Público ou pelo delegado de polícia; c) a título do benefício, serão consideradas apenas as informações importantes para a investigação, que levam a outros integrantes da prática criminosa, que o Poder Público, por seus próprios meios, não poderia encontrar.

Destarte, caso atenda às demandas da polícia e do Ministério Público, assevera Pacelli (2012, p. 416) acerca dos benefícios, que os colaboradores poderão desfrutar:

Em relação aos réus, poderá o juiz, de ofício ou a requerimento das partes, conceder o perdão judicial e a consequente extinção da punibilidade ao acusado que, sendo primário, tenha colaborado voluntariamente com a instrução e com o processo criminal, se (e desde que) de tal colaboração se chegar à recuperação, total ou parcial, do produto do crime, à identificação dos demais autores e/ou partícipes e à localização da vítima, com sua integridade física preservada. É prevista também, em relação ao réu colaborador, a redução de pena, de um a dois terços, quando atingidas as finalidades anteriormente mencionadas. Evidentemente, não será necessária a concorrência simultânea de todos os objetivos declinados, até porque, em determinados crimes, isso nem sequer será possível.

Com efeito, frisa-se que esse rol é alternativo e não cumulativo, como esclarece a nova lei de Crime Organizado. A grande maioria das leis, que permitem a aplicação  do instituto em comento, prevê alguns outros requisitos para que os benefícios sejam concedidos, tais como a personalidade do colaborador, a natureza, as circunstâncias, a gravidade e a repercussão social do fato criminoso (MENDONÇA, 2014, p. 09)

Assim, tem-se que a colaboração premiada é uma qualidade de prova da qual o Estado Democrático de Direito lança mão para resolver questões controvertidas de um processo criminal. Possui, portanto, natureza probatória, que forma uma dada convicção no jurista a respeito da ocorrência ou inocorrência dos fatos incertos no processo (GREGHI, 2007, p.08).

Isso porque, por meio da colaboração premiada, o Poder Judiciário com o auxilia da polícia tem maiores condições de resolver crimes e diminuir ou repreender a criminalidade no Brasil. Isso porque, mesmo com a condenação iminente, o réu delator pode ajudar a desbaratar a organização criminosa a qual pertencia, bem como a recuperar produtos dos crimes, entre outras medidas (MENDONÇA, 2014, p.14).

Com efeito, a ferramenta jurídica da colaboração premiada permite apontar um maior número de agentes envolvidos na organização criminosa, bem como todos aqueles que participam das ações antijurídicas e culpáveis, possibilitando as punições devidas e o encarceramento de cada indivíduo envolvido, o que, consequentemente, contribui com a redução do crime organizado no país. Sua utilização justifica-se pelo bem jurídico que protege: o direito fundamental à segurança pública.

Almeida (2011, p.42) leciona que a eficácia da colaboração premiada:

[...] pode ser evidenciada especialmente no que tange a crimes praticados de forma organizada, que têm atingido patamares altíssimos no mundo todo e que, por sua forma de atuação, apresentam grandes desafios quanto à identificação e comprovação dos envolvidos pelos meios até então utilizados. Assim, esta traição auxilia nas investigações, levando, como consequência, a uma repressão da criminalidade.

Frisa-se que, embora se defenda a aplicação da delação premiada no Brasil, também se entende que ela precisa ser efetivada de forma cautelosa pelo Poder Judiciário. Isso porque o que se busca é combater a criminalidade no país, e não impulsionar essa prática como um meio recorrente usado por condenados para abrandar ou excluir penas. Ou, nos dizeres de Garcia (2006, apud COSTA, 2011, p. 57) “não se pode aceitar que os fins jamais justifiquem os meios, mas ao contrário, são estes que devem conferir legitimidade àqueles”.

Dito isso, o que se propõe é que o mecanismo jurídico em questão seja sim aplicado, mas de forma cautelosa e consciente, com caráter excepcional para que o objetivo da colaboração premiada se mantenha e não seja corrompido, como é de praxe no Brasil. Afinal, o que se deseja é combater o crime organizado e suas facetas e não vulgarizar a ferramenta da qual se lança mão.


2SEGURANÇA PÚBLICA: O CAOS DA CORRUPÇÃO

O Brasil vive uma enorme crise na segurança pública: roubos, sequestros, latrocínios, tráfico de drogas e homicídios. Além dos crimes violentos, que acontecem diariamente nas cidades brasileiras, o país tem que enfrentar também as mazelas advindas do caos corruptivo, que repercute na contemporaneidade. E mesmo que em um primeiro momento apresente-se como uma realidade simplória, sem maiores repercussões, tem-se evidências claras e suficientes que é uma situação paradoxal, que financia ainda mais violência, e crimes de outras ordens.

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Com poucos investimentos e recursos, os setores públicos voltados para a segurança têm frequentemente maus resultados e baixas perspectivas de sucesso. Não conseguem atingir a eficiência almejada, por apresentarem incontáveis contradições sociais, não resolvidas em seu corpo funcional, que se refletem em condutas imorais e antiéticas deste. Ou seja, reforçam uma tendência histórica-social do institucionalismo público no país: a corrupção (MINAYO et. al., 2008, p. 49).

Dito isso, tem-se que a prática da corrupção parece ser um problema crônico na política brasileira. Ela está tão disseminada no país que se tornou endêmica, o que é inaceitável. Se se quer mudanças nas condutas e atos de pessoas públicas, não é possível aceitar que indivíduos, independentemente de quem sejam, abram mão de valores considerados morais e éticos, em prol de interesses escusos e particulares (ALMEIDA, 2017, p.01). Por isso, medidas interventivas precisam ser aplicadas pelos órgãos competentes, na tentativa de combater esse revés sócio-político, e as que aderem a delação premiada merecem destaque pelo sucesso que conseguem alcançar.

A operação “Lava Jato” exemplifica uma dessas medidas interventivas de sucesso, que foi iniciada pela Polícia Federal, com o apoio da Procuradoria Geral da República, contra políticos e empresários renomados e corruptos no país. Essa operação é emblemática não só pelo ressaltar o comprometimento dos setores públicos, que, sem verbas, não conseguiram manter suas funções. Em outras palavras, por meio da “Lava jato”, descobriu-se que o Erário brasileiro estava sendo desviado de setores essenciais à sociedade em prol da mera satisfação da ambição desmedida de políticos. Pode-se descobrir, por meio da ferramenta da colaboração premiada, dados fundamentais relacionados ao crime em questão, os envolvidos, o quantitativo desviado e outras informações vitais às investigações.

Diante do exposto, tem-se que a colaboração premiada pode demonstrar, por meio da “Lava Jato”, sua eficiência em alcançar o maior número de corruptores

integrantes da organização criminosa envolvida na questão. Isso só ocorreu, frisa-se, pela colaboração dos envolvidos, que foram identificados e presos em um primeiro momento, sem maiores dificuldades. Além das prisões supracitadas, foi possível também, ao Ministério Público, recuperar expressivo número dos recursos desviados.

Com efeito, acredita-se que a delação premiada traz muitos benefícios à sociedade, porque a sua utilização permite a aplicação do Direito Penal em sua real dimensão, pois “dá à persecução penal um concreto instrumento, para que busque a redução da impunidade no país e efetivo combate à criminalidade organizada” (MONTE, 2001, p. 237).

Assim sendo, sua aplicação, em situações específicas, apresenta-se como pertinente e eficaz no combate à criminalidade no país, visto que ela arregimenta provas que seguramente não seriam obtidas por outros meios de investigação e mina a arquitetura associativa dos grupos criminosos (GREGHI, 2007, p. 19). Pode-se, nessa perspectiva, dizer, inclusive, que a delação premiada é uma tentativa de se evitar o delito da obstrução da justiça, visto que oferece ferramentas úteis à solução de casos penais.

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Sobre os autores
Luciano José Nunes

Graduando em Direito pela Faculdade UNA - Campus Uberlândia/MG. Tecnólogo em Gestão da Segurança Privada pelo Centro Universitário do Triangulo UNITRI.

Paulo Roberto Cardoso Brasileiro

Docente do Curso de Direito da Faculdade UNA - Campus Uberlândia/MG. Graduado pela Universidade Federal de Uberlândia UFU, Pós-Graduado pela Universidade Newton Paiva.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Artigo apresentado ao curso de graduação em Direito do Centro Universitário UNA Campus Uberlândia/MG como requisito à obtenção do título de bacharel.

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