A colaboração premiada no contexto das organizações criminosas

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3A COLABORAÇÃO PREMIADA EVITANDO O DELITO DA OBSTRUÇÃO DA JUSTIÇA

O delito conhecido como obstrução de justiça ganhou repercussão pela finítima associação com a investigação da “Lava Jato”. Ele diz respeito ao ato de “impedir ou embaraçar investigação penal, que apura organização criminosa” 4 e, por isso, o infrator responde às mesmas penas dos membros desta, ou seja, reclusão de três a oito anos e multa.

Embora, no Brasil, não se encontre qualquer legislação penal, que preveja o delito em questão, tem-se que a obstrução da justiça é analisada sob a perspectiva dos “Crimes contra a Administração da Justiça” (art. 338 ao art. 358 do CP). Nesse sentido, destaca-se qual foi a intenção do legislador ao fazê-lo:

(...) a intenção do legislador foi tipificar a conduta daquele que de qualquer forma (bastante aberto a interpretações), embaraça investigação que tenha como objeto organização criminosa, tipo que tem como preceito secundário uma pena de 3 a 8 anos, além de multa, podendo ainda ser cumulado com outras infrações penais em concurso material ou formal, a depender do caso concreto.


4 Conceituação retirada do relatório da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania: solicitação para instauração de processo nº 2, p.07, 2017.

Com efeito, tem-se que a delação premiada surge como meio de favorecer a investigação criminal e, consequentemente, evitar a obstrução da justiça. Isso porque aquela propicia o inverso desta, uma vez que favorece as investigações penais, contribuindo com a obtenção de provas materiais e testemunhas, imprescindíveis à conclusão do inquérito e das demais investigações policiais.

Destarte, pode-se entender que a delação premiada, ao fornecer informações importantes para a elucidação do objeto do inquérito ou do processo (mesmo tendo como troca o abrandamento da pena), atua contra a obstrução da justiça, favorecendo o andamento e a efetividade das investigações policiais (SILVA, 2014, p.32). O autor ainda acrescenta que a lei do silêncio, constitutiva da criminalidade, se desfaz pela delação, tornando os efeitos repressivos e/ou punitivos das ações criminosas exemplares.

Exposto isso, tem-se mais uma razão apontada a favor da aplicação da delação premiada, no sentido em que ela não seja entendida como um mero benefício dado ao criminoso, mas sim uma vantagem dada à Segurança Pública pelo próprio infrator da organização criminosa. Afinal, o colaborador exerce participação ativa no inquérito policial e no processo penal, como ajudante do juízo, integrando diligências na busca de produção probatória.


4COLABORAÇÃO PREMIADA UMA FERRAMENTA ÚTIL NO COMBATE AO CRIME ORGANIZADO

A partir da evolução do crime organizado, se faz necessário lançar-se mão de instrumentos de política criminal como um influxo relativo à necessidade de maior eficiência no cumprimento das funções do Sistema Jurídico-Criminal (AIRES; FERNANDES, 2017, p. 255). Nesse sentido, a ferramenta da colaboração premiada, no processo penal brasileiro, pode ser compreendida como uma exigência irrenunciável do Estado Democrático de Direito, o qual objetiva sempre realizar a justiça de forma rápida e eficiente, transparecendo confiança à sociedade.

A colaboração premiada, destarte, é uma ferramenta própria fornecida ao Estado para identificar e prender criminosos de alto escalão, como políticos e renomados empresários envolvidos em corrupção, que se consideravam isentos das prerrogativas penais legais, mas que depois da operação mensalão e da “Lava jato”, tornaram-se acessíveis ao Poder Público. Nos dizeres de Mendes (2017, p. 35), a delação premiada

é “meio de obtenção de provas a fim de conhecer e punir aqueles que fazem parte da estrutura da organização criminosa”.

Frisa-se, no entanto, que para ter validade, a delação premiada não pode ser usada de qualquer maneira ou em qualquer circunstância, precisa seguir certos pré- requisitos, caso contrário, perderá seu propósito, servindo apenas como moeda de troca para diminuir ou extinguir a pena do delator. Mendonça (2014, p.08) descreve os requisitos necessários para a validação dos benefícios da colaboração premiada: voluntariedade da mesma pelo delator (ou seja, não pode haver qualquer tipo de coação); a efetividade da colaboração (somente se as informações forem de fato essenciais à operação é que haverão os benefícios previstos na legislação esparsa nº 12850/13- Lei de Crime Organizado); a personalidade do colaborador (imprescindível para identificar a veracidade da informação apresentada); a natureza; as circunstâncias; a gravidade; e a repercussão social do fato criminoso.

Dito isso, tem-se que a colaboração premiada é um recurso à disposição à política criminal, e deve ser utilizado quando há pontos controvertidos que não seriam solucionados senão pela colaboração do réu condenado. Nesse sentido, ela é vital às investigações de um determinado crime, por apresentar natureza probatória e direcionar as sentenças dos juristas em casos de difícil solução. Assim sendo, destaca-se o entendimento do Superior Tribunal de Justiça acerca do tema em pauta:

O instituto da delação premiada consiste em ato do acusado que, admitindo a participação no delito, fornece às autoridades informações eficazes, capazes de contribuir para a resolução do crime (BRASIL, julgamento do HC  90.962).

Com efeito, para que haja colaboração premiada, é preciso que o delator forneça detalhes da atividade ilícita que participou, e que incrimine seus comparsas, revelando, sempre que possível, dados importantes para a solução da prática criminosa investigada ou outras. Acrescenta-se, assim, que, apenas nessas condições, o colaborador fará jus ao beneficio da delação premiada, o que é uma maneira de romper com o que Ferrajoli (2014. p. 161) denominou de “espaços de insegurança”.

Mendes (2017, p. 36) explica a supracitada terminologia:

Tais espaços não dependem da vontade do juiz, mas da inexistente ou insuficiente insatisfação da regra semântica na qual identifica-se o princípio da legalidade estrita (que possui expressões indeterminadas ou de antinomias semânticas) e da inverificabilidade das denotações penais dos pressupostos das decisões. São essas as carências que abrem espaço ao poder de disposição, ou seja, aos decisionismos baseados em critérios subjetivos ou “políticos”.

Esses “espaços de insegurança” justificam a divergência doutrinária quanto à matéria em pauta e reforça ainda mais a necessidade da observância de requisitos básicos de existência da ferramenta da delação premiada, para que se entenda que esta representa um mecanismo da política criminal usado pelo processo penal para dirimir a criminalidade no país e não para corroborar a punibilidade de criminosos do alto escalão. Destarte, pode-se resumir que se quer uma associação harmônica entre eficiência (na atuação do Estado) e garantias legais (normas e princípios), que contribua cada vez mais com a segurança púbica do país.

Nessa perspectiva, tem-se que o objetivo da ferramenta jurídica da delação premiada é possibilitar as desarticulações das quadrilhas, bandos e organizações criminosas, facilitando assim a investigação criminal e evitando que novos crimes sejam cometidos por essas quadrilhas (COSTA; FILGUEIRAS, 2015, p.02). Ilustra uma medida válida de justiça penal negociada, sustentada em múltiplos casos de corrupção, como aqueles acerca da operação “Lava jato”.

Apesar de ser uma negociação, é imprescindível, à colaboração premiada, o requisito da imparcialidade, para se ter sucesso na abordagem política criminal, uma vez que não se quer como tal mecanismo relativizar direitos ou garantias que permeiam a pretensão punitiva, ou mesmo justificar ilegítimas prisões preventivas, mas sim oportunizar a tutela eficaz do direito fundamental à segurança (MENDES, 2017, p.37). Assim, para alcançar seu intuito processual penal, a colaboração premiada precisa ser utilizada de forma cautelosa e excepcional, como um recurso a mais disponível ao Estado, para que se tenha maior sucesso nas operações em curso.

A Lei nº 12850 de 2013, que trata dos crimes hediondos, trouxe alguns benefícios ao delator, os quais podem ser apontados a qualquer momento durante a persecução penal. Lima (2011, p. 1114) sintetiza-os:

Pode-se dizer que a delação premiada ora funciona como causa extintiva da punibilidade, causa de diminuição de pena, ora como causa de fixação do regime inicial aberto ou de substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direito.

Vale frisar, no entanto, que tais garantias conferidas ao colaborar não são para privilegiá-lo ou mesmo protegê-lo da Justiça, pelo contrário, são para buscar maior eficiência no processo penal. Quer-se com elas aumentar a funcionalidade e eficiência do sistema jurídico penal, permitindo a obtenção prova, mesmo que forma indireta, uma vez que é por meio da delação premiada, que o acusado presta auxilio  aos órgãos oficiais de persecução penal, ao oferecer fontes materiais de prova.

Frisa-se que as delações premiadas só terão validade depois de serem homologadas pela Justiça. Assim, tem-se que a informação dada pelo delator só terá relevância se for de fundamental importância para a resolução do crime. Caso contrário, ele não desfrutará de qualquer benefício descrito na legislação que trata sobre o tema. Tem-se ainda que a decisão de colaborar ou não com a política criminal deverá dar-se voluntariamente, com total ciência das condições sine qua non de validade e existência.

Na contemporaneidade, o exemplo concreto do funcionamento eficaz da colaboração premiada, detalhada pela lei de Combate às Organizações Criminosas (Lei 12.850/13) está no desenvolvimento da operação “Lava jato”, que, para a Policia  Federal é considerada uma das maiores investigações da historia do país, em termos de corrupção (COSTA; FILGUEIRAS, 2015, p.08).


4OPERAÇÃO “LAVA JATO”

Diante do atual cenário político social do país, em que atos criminosos tornam-se endêmicos, surge a atuação política criminal, no processo penal, com o intuito de coibir demais prejuízos à população, tutelando direitos fundamentais e dirimindo o desvio despropositado do erário brasileiro. A operação “Lava jato” exemplifica tal atuação, e sustenta a tese levantada no presente trabalho, que se baseia na assertiva que, a colaboração premiada é sim uma ferramenta útil no combate ao crime organizado.

Deflagrada em 2014, a operação em questão denunciou o maior esquema de lavagem de dinheiro já sabido na História do país. Estima-se que cerca de quarenta bilhões de reais foram desviados dos cofres públicos, e que destes, dez bilhões tenham sido destinado ao pagamento de propinas de renomados empresários (FRANCESCO, 2016)

Trata-se uma operação que envolvia uma organização criminosa numerosa e complexa, que usava redes de lavanderias e de postos de combustíveis para movimentar valores exorbitantes, advindos do desvio do erário brasileiro. Configura-se também como o maior exemplo de manobras corruptas feitas no Brasil por  ilustres representantes do povo e da iniciativa privada.

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Lançando mão de mandados de busca e apreensão, de prisões temporárias e preventivas e da condução coercitiva, a Polícia Federal conseguiu punir grande parte dos envolvidos no gigantesco esquema de corrupção, bem como recuperar parte das

verbas desviadas (bilhões de reais da Petrobrás). Isso graças à colaboração premiada  que permitiu ao Estado Democrático de Direito identificar os principais criminosos da operação.

Para fazê-lo, a política criminal recorreu à legislação penal e do processo penal. Fez uso do artigo 240, do CPP, para realizar buscas domiciliares de documentos, computadores e outras provas, que ajudassem a elucidar elementos obscuros à investigação. Jurisprudencialmente, tem-se que tal medida apresenta-se em caráter cautelar, já que visa evitar meios de prova.

Utilizou-se também na operação em questão, o disposto no artigo 260, do CPP, sobre condução coercitiva, circunstância em que a autoridade conduz suspeitos a sua presença. Isso ocorre quando a intimação, ou outro ato, de semelhante natureza, não é atendida, e quando existir situação excepcional, que justifique a imprescindibilidade do comparecimento do suspeito ao interrogatório

No que diz respeito à prisão preventiva, pode-se dizer que ela está prevista no artigo 312, do CPP, e se aplica com o intuito de garantir a ordem pública e econômica do país, ou quando houver necessidade de assegurar a aplicação da lei penal, prova de existência do crime, indício de autoria. Já a prisão temporária se justificará caso  algumas das razões descritas no artigo primeiro, da lei nº 7960/ 89, for observada.

Também foi muito utilizado na operação “Lava jato” o mecanismo controverso da colaboração premiada, que representa o corpus do presente trabalho. Merece destaque, por ser essencial ao sucesso das investigações, afinal foi graças a ela que as apurações sobre o caso se deram, bem como as condenações dos envolvidos.

Vale destacar que a delação premiada representa uma ferramenta de investigação e obtenção de provas, que foi inserida no ordenamento jurídico brasileiro, por meio do artigo oitavo, parágrafo único, da lei nº 8072, de 1990, também conhecida como lei dos crimes hediondos. Depois, outros dispositivos legais vieram complementar sua aplicação: lei nº 11343 de 2006 (sistema nacional de políticas públicas sobre drogas); lei nº 12529 de 2011 (trata de crimes contra a ordem econômica) e artigo 159, § 4º, do Código Penal.(acerca de organização criminosa).

Outra consideração que não pode ser desconsiderada é o fato de que, embora sejam geralmente consideradas sinônimas, a delação e a colaboração premiada são conceitos diferentes. Francesco (2016, p.01) explica as distinções terminológicas:

É simples, na delação o acusado revela o nome de quem participa da organização criminosa e na colaboração, ele revela a estrutura e o funcionamento da organização. Pode existir delação  sem  colaboração, quando é citado somente o nome dos envolvidos e pode haver somente colaboração, revelando como a organização funciona, mas sem citar nomes.

A partir do exposto, pode-se entender que a operação “Lava jato” envolveu tanto a delação, quanto a colaboração premiadas, o que foi imprescindível para as prisões efetuadas e para o sucesso das investigações como um todo. Isso porque não foram apontados apenas nomes dos criminosos envolvidos na organização, mas também se soube como eram planejadas e realizadas as manobras de desvio do erário, que comprometeram vários âmbitos da sociedade.

Em suma, os mecanismos estabelecidos pela legislação quanto à matéria em pauta refletem a complementariedade funcional entre direito penal material e direito processual penal, que existe para que a criminalidade no país seja dirimida. A operação “Lava jato” exemplifica como é possível haver quebra de paradigmas doutrinários em prol do sucesso da justiça política criminal, pautada na negociação dos termos entre as partes.

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Sobre os autores
Luciano José Nunes

Graduando em Direito pela Faculdade UNA - Campus Uberlândia/MG. Tecnólogo em Gestão da Segurança Privada pelo Centro Universitário do Triangulo UNITRI.

Paulo Roberto Cardoso Brasileiro

Docente do Curso de Direito da Faculdade UNA - Campus Uberlândia/MG. Graduado pela Universidade Federal de Uberlândia UFU, Pós-Graduado pela Universidade Newton Paiva.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Artigo apresentado ao curso de graduação em Direito do Centro Universitário UNA Campus Uberlândia/MG como requisito à obtenção do título de bacharel.

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