Guarda compartilhada de animais.

Possibilidades e limites no ordenamento jurídico brasileiro frente à ausência normativa

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Resumo:


  • A guarda de animais de estimação em casos de dissolução conjugal é um tema emergente e ainda não regulamentado especificamente pelo ordenamento jurídico brasileiro, embora haja uma tendência jurisprudencial de aplicar analogicamente a guarda compartilhada com base no afeto desenvolvido entre humanos e animais.

  • Alguns magistrados têm recorrido ao instituto da guarda compartilhada para resolver disputas envolvendo animais de estimação em litígios conjugais, considerando a afetividade e o bem-estar do animal, apesar de serem classificados como bens móveis no Código Civil.

  • Existem projetos de lei em tramitação, como o PL 1058/2011 e o PL 1365/2015, que buscam regulamentar a questão da guarda de animais de estimação após a dissolução de uniões estáveis ou casamentos, enfatizando a importância de considerar o vínculo afetivo e o bem-estar dos animais.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

4 A GUARDA COMPARTILHADA DOS ANIMAIS

Conforme dito alhures, uma das questões discutidas no processo de divórcio ou dissolução da União estável diz respeito aos animais de estimação. Esses animais, conforme os estudos científicos demonstram, tem representatividade considerável na vida de quem convive com eles, devido ao afeto e carinho estabelecido durante todo o tempo de convivência entre os animais os seres humanos. O afeto, segundo informa a doutrina, não se circunscreve somente aos seres humanos. Se de um lado os animais são coisas para determinadas pessoas, para outros, contudo, são seres que necessitam de carinho, afeto e atenção.

E são justamente as pessoas que tem uma relação de afeto com os animais, através de um convívio diário que interessa saber com quem eles ficaram na hipótese de divórcio ou dissolução da união estável. Até porque, já é de conhecimento geral que os animais também sofrem com a ausência de seus donos. Diante deste sentimento que se cria em entre o dono, pessoa humana, e seu animal, conflitos também tem se originado, visto que no caso de rompimento conjugal dos proprietários, o animal também irá se deprimir, sofrer com o rompimento e todas as consequências então advindas. Havendo este rompimento e duplo interesse do antigo casal em ter a guarda do animal de estimação, até então de ambos, cria-se uma situação jurídica que merece atenção, sendo objetivo de disputas cada vez mais crescente (AMARAL; LUCA 2015, p.306).

No entanto, para essa situação jurídica ainda não existe lei especifica no ordenamento jurídico brasileiro, sendo que, na ausência de norma específica, alguns magistrados, por analogia, começaram a aplicar o instituto da guarda compartilhada para solucionar o conflito dos casais em processo de separação no que tange a guarda dos animais. Por oportuno reforçar o entendimento de que no direito brasileiro os animais são classificados como bens móveis, fato este que, a priori impediria o uso por analogia do instituto guarda compartilhada a eles. Mas, esse pensamento não é unanime, até porque é cada vez mais crescente o número de animais de estimação na família brasileira. Diante disso, alguns magistrados, sensíveis ao tema e ao afeto que as pessoas desenvolvem em relação a esses animais, acabam por deferir a guarda compartilhada dos mesmos.

Há alguns exemplos disso nos Tribunais do Brasil, valendo aqui citar duas decisões que foram emanadas do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, sendo que, em ambas os desembargadores entenderam que a melhor alternativa para solucionar o conflito de guarda dos animais seria a guarda compartilhada dos mesmos. Outra decisão mais recente evidencia os argumentos jurídicos utilizados no deferimento da guarda compartilhada de um cachorro: Direito civil - reconhecimento/dissolução de união estável - partilha de bens de semovente - sentença de procedência parcial que determina a posse do cão de estimação para a ex- convivente mulher– recurso que versa exclusivamente sobre a posse do animal – réu apelante que sustenta ser o real proprietário – conjunto probatório que evidencia que os cuidados com o cão ficavam a cargo da recorrida direito do apelante/varão em ter o animal em sua companhia – animais de estimação cujo destino, caso dissolvida sociedade conjugal é tema que desafia o operador do direito – semovente que, por sua natureza e finalidade, não pode ser tratado como simples bem, a ser hermética e irrefletidamente partilhado, rompendo-se abruptamente o convívio até então mantido com um dos integrantes da família – cachorrinho “Dully” que fora presenteado pelo recorrente à recorrida, em momento de especial dissabor enfrentado pelos conviventes, a saber, aborto natural sofrido por esta – vínculos emocionais e afetivos construídos em torno do animal, que devem ser, na medida do possível, mantidos – solução que não tem o condão de conferir direitos subjetivos ao animal, expressando-se, por outro lado, como mais uma das variadas e multifárias manifestações do princípio da dignidade da pessoa humana, em favor do recorrente – parcial acolhimento da irresignação para, a despeito da ausência de previsão normativa regente sobre o tema, mas sopesando todos os vetores acima evidenciados, aos quais se soma o princípio que veda o non liquet, permitir ao recorrente, caso queira, ter consigo a companhia do cão Dully, exercendo a sua posse provisória, facultando-lhe buscar o cão em fins de semana alternados, das 10:00 hs de sábado às 17:00hs do domingo. Sentença que se mantém (COSTA,. 2016, p.23).

As decisões emanadas da jurisprudência acabaram servindo de base para a tendência de utilização da guarda compartilhada em relação aos animais domésticos. Com isso, adota-se em relação a eles os critérios desta modalidade de guarda, inclusive no que diz respeito à questão dos alimentos e do direito de visitas, se for estabelecido a guarda unilateral. Ao usar analogamente um instituto em relação à omissão da lei, também é preciso aplicar todos os termos legais concernentes ao instituto em questão. Não por acaso, os estudiosos de direito ao se reportarem sobre o tema guarda compartilhada de animais, fazem uma análise cuidadosa do instituto guarda no Código Civil, inclusive relacionando os direitos e deveres dos casais com relação aos animais, dentre os quais os direitos de visitação e de alimentos, pois em relação aos filhos, o Código Civil assim se posiciona “art. 1.589. pai ou a mãe, em cuja guarda não estejam os filhos, poderá visitá-los e tê-los em sua companhia, segundo o que acordar com o outro cônjuge, ou for fixado pelo juiz” (BRASIL, CÓDIGO CIVIL).

A esse respeito, os operadores de direito assinalam: em não havendo acordo entre os tutores do animal de estimação sobre a visitação, o magistrado, por analogia, deve utilizar-se das regras do direito de visita estabelecidas no Código Civil. A convivência com os tutores é direito do animal. Portanto, em uma disputa judicial, ao cônjuge sem a guarda, diante da convivência e sentimento nutrido, e para o próprio bem do animal, resta solicitar ao juiz a concessão do direito de “visita, e até mesmo à participação na escolha da árvore genealógica do animal com pedigree”. Os cônjuges podem estabelecer o direito de visita amigavelmente, por meio de acordo, desde que o interesse e o bem-estar do animal de estimação sejam preservados. Não havendo consenso entre as partes, caberá ao magistrado a árdua tarefa de decidir o caso. Para tanto, deve utilizar-se, analogamente, do instituto civil do direito de visita para a solução, tendo em vista o melhor para o animal, a fim de não privá-lo da convivência dos tutores, se lhe for salutar (SILVA, 2015, p.110).

Como os animais necessitam de zelo e amparo, também é aplicado a eles os critérios relativos aos alimentos, no qual há que se verificar o binômio necessidade e possibilidade. O Código Civil brasileiro regulamenta os alimentos a partir dos artigos 1.194, sendo que este dispositivo determina que podem os parentes, cônjuges ou companheiros, pedir os alimentos de que necessitam para viver de acordo com sua condição social, incluindo também a educação. Embora os animais não sejam parentes no estrito senso da palavra, é perfeitamente possível fazer uso da analogia e assim estipular alimentos aos animais. De acordo com os apontamentos de Costa (2016), na guarda compartilhada de animais, pelo fato de não ter legislação própria, além de fazer uso da analogia, o magistrado também pode recorrer aos princípios constitucionais para solucionar o litígio de sua posse, já que os princípios presentes na Constituição Federal servem de orientação para as normas jurídicas.

Assim, a depender do caso concreto, é perfeitamente possível validar os fundamentos da guarda compartilhada, como é o caso do Princípio da Igualdade entre os casais cuja previsão legal encontra-se no artigo 5º e 226, § 5º da Carta Política. Sustentando esse argumento: No caso da guarda dos animais, esse princípio trabalha com a igualdade de direitos existente entre os donos do animal de estimação. Outro princípio norteador nos casos em analise, é o princípio da liberdade familiar que trata do livre poder de escolha de constituição, realização e extinção da entidade familiar.38 Esse princípio em casos de guarda de animais será essencial, pois irá guiar o entendimento de que qualquer forma de composição familiar, hoje em dia, será válida podendo admitir a inserção dos animais nesse seio. O princípio da afetividade, que apesar de não estar expresso na Carta Magna, é um princípio implícito da dignidade da pessoa humana, e de grandiosa expressividade no direito de família, pois o afeto está intimamente ligado à família, seus vínculos e a relação que envolve o amor. Os princípios servem de orientação bem como limitação na atuação dos magistrados, porém é de máxima importância que este caso em especifico, possua suas próprias leis.

Disciplinando este assunto tão delicado e bastante atual (COSTA, 2016, p.13). Outros autores concordam que recorrer aos princípios constitucionais de fato é uma alternativa para pacificar os conflitos que surgem em sociedade. Carrão (2017), em sua abordagem sobre o tema, dá especial atenção à aplicabilidade do Princípio da Afetividade aos animais. Em sua explanação, considera que, na família multiespécie, esse princípio é o mais relevante, uma vez que explica a relação de amor, carinho e afeto entre os animais domésticos e os homens. No direito contemporâneo, esse Princípio solidificou a paternidade e filiação socioafetiva, gerando alterações significativas de como a família brasileira deve ser pensada. De outra parte, entende-se que a omissão legislativa em torno da guarda compartilhada de animais não é motivo para que a doutrina e jurisprudência deixem de apontar os caminhos legais para a resolução do problema. Até porque, o próprio Código Civil autoriza o uso do instituto analogia, no artigo 4º, possibilitando ao magistrado, quando a lei for omissa, decidir com base na analogia, nos princípios e costumes que regem uma sociedade.

Nesse diapasão, reforça o uso da analogia e de outros instrumentos legais para solucionar a omissão da lei o seguinte argumento: A decisão sobre a semelhança dos casos cabe ao intérprete. E, sendo assim, cabe ao interprete decidir se, em caso de lacuna, ele deve aplicar a norma geral exclusiva, e, portanto, excluir o caso não previsto pela disciplina do caso previsto, ou aplicar a norma geral inclusiva, e, portanto, incluir o caso não previsto na disciplina do caso previsto. Na primeira hipótese, diz-se que usa o argumentum a contrario; na segunda, o argumentum a simili (BOBBIO, 2008 apud HARET, 2010, p. 994). Contudo, a melhor forma de resolver os conflitos em relação a posse dos animais com o fim do casamento ou dissolução da união estável é criar um instrumento legal próprio para regulamentar essa matéria. No Brasil, há alguns Projetos de Leis nesse sentido, o quais serão comentados seguidamente.

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5 A NECESSIDADE DE REGULAMENTAÇÃO DA GUARDA COMPARTILHADA DOS ANIMAIS

Não há, ainda, regulamentação legal quanto à guarda compartilhada dos animais. No entanto, uma pesquisa sobre Projetos de Leis tratando desta questão mostrou que tramitam no Congresso Nacional projetos versando sobre essa matéria, que é inovadora. O Projeto de Lei nº 7196/2010 de autoria do Deputado Márcio França (PSB/SP), foi o primeiro a ser apresentado ao Congresso Nacional, foi elaborado com a justificativa de que os animais de estimação tem uma importância inegável para as pessoas, devendo ser considerados como membros da família. Assim, para aqueles casais que não conseguem consenso a respeito de quem deve ficar com os animais, é preciso achar uma solução por meio da lei, sendo que a solução encontrada e que os bichos de estimação devem ser partilhados conforme o regime de bens do casal. Essa proposta, que foi a primeira deste gênero, propõe a guarda unilateral, devendo essa ser delegada ao legítimo proprietário do animal.

Há, ainda, a possibilidade de guarda compartilhada, embora o referido Projeto de Lei não seja muito claro nesse sentido. Outro Projeto que foi elaborado para tratar desta questão e que tramite no Congresso Nacional e o Projeto de Lei nº 1058/2011, de autoria do deputado Dr. Ubiali (PSB-SP), que dispõe sobre a guarda dos animais de estimação nos casos de dissolução litigiosa da sociedade e do vínculo conjugal entre seus possuidores, e dá outras providências. Na concepção deste projeto, o autor levou em consideração alguns dispositivos do Código Civil, referente a guarda como por exemplo, o artigo 1584, inciso II, §4º desse diploma legal. De acordo com Costa (2016, p.10), que fez uma análise deste Projeto, o mesmo tem por finalidade “regular a guarda dos animais em caso de dissolução litigiosa e permitir que o juiz analise os fatos do litígio com base na lei, observando o ambiente, os devidos cuidados e quem será o seu melhor detentor”. O Projeto de Lei nº 1365/2015, de autoria do Deputado Ricardo Tripoli (PSDB/SP), e que está em tramitação na Câmara dos Deputados apresenta uma proposta mais atual e sintonizada como o conceito de afetividade, tão em voga na ciência jurídica nos dias hodiernos.

Nesse sentido, conforme as regras do Projeto, o animal deve ficar com aquele que tiver maior vínculo e capacidade para cumprir com os deveres e obrigações para com o animal. Segue-se aqui raciocínio semelhante ao instituto guarda do Código Civil. A proposta abarca a guarda unilateral e compartilhada, e recomenda que, ao estipular a guarda, o magistrado deve se ater as condições de cada um dos litigantes, inclusive no que diz respeito ao ambiente em que o anima vai ficar (moradia). Em outras palavras, o Projeto de Lei nº 1365/2015, propõe a regulamentação da guarda de animais de estimação em casos de separação judicial ou divórcio litigioso. Eis alguns artigos relevantes em relação ao Projeto em epígrafe: art. 1º Esta Lei dispõe sobre a guarda dos animais de estimação nos casos de dissolução litigiosa da união estável hetero ou homoafetiva e do vínculo conjugal entre seus possuidores, e dá outras providências. Art. 2º Decretada a dissolução da união estável hetero ou homoafetiva, a separação judicial ou o divórcio pelo juiz, sem que haja entre as partes acordo quanto à guarda dos animais de estimação, será essa atribuída a quem demonstrar maior vínculo afetivo com o animal e maior capacidade para o exercício da posse responsável. Parágrafo único. Entende-se como posse responsável os deveres e obrigações atinentes ao direito de possuir um animal de estimação (BRASIL, PROJETO DE LEI Nº 1365/2015).

A redação dada aos artigos permite concluir que o autor do Projeto buscou estar sintonizado as alterações que ocorreram na família, ao incluir como os casais homoafetivos, dispondo que, na falta de consenso, deve o magistrado atribuir a guarda a quem tem maior vínculo com o animal e capacidade para exercer a posse. Tal critério é bastante semelhante ao do instituto guarda do Código Civil em vigor. Sendo que, em relação aos critérios do deferimento da guarda de animais, esses são os seguintes: Art. 5º Para o deferimento da guarda do animal de estimação, o juiz observará as seguintes condições, incumbindo à parte oferecer: I - ambiente adequado para a morada do animal; II - disponibilidade de tempo, condições de trato, de zelo e de sustento; III - o grau de afinidade e afetividade entre o animal e a parte; IV - demais condições que o juiz considerar imprescindíveis para a manutenção da sobrevivência do animal, de acordo com suas características (BRASIL, PROJETO DE LEI Nº 1365/2015). Acompanhando a tramitação deste projeto, verificou-se que a Comissão de Meio Ambiente Sustentável da Câmara dos Deputados aprovou, em agosto de 2016, o parecer do Deputado Federal Daniel Coelho, acerca do Projeto, por unanimidade. Na justificativa para a elaboração deste projeto, o Deputado Ricardo Tripoli (PSDB/SP), com bastante propriedade, considerou, na justificação para a elaboração de seu projeto, que muitos casais criam os animais de estimação como se filhos fossem e que o direito comparado já evolui muito nesse sentido, devendo o Brasil acompanhar essa evolução através da aprovação deste Projeto de Lei.

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