Ceará nada pacífico

29/06/2018 às 08:45
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Em abordagem breve e objetiva o texto perfaz uma crítica ao modelo de segurança pública adotado pelo governo estadual do Ceará

No dia 25 de junho passado, o jornalista Eliomar de Lima publicou em sua coluna no jornal O Povo comentário do ex-secretário Adjunto da Secretaria da Segurança Pública no Ceará, Laerte Macambira, afirmado estar preocupado com a expansão do Batalhão Raio no Estado. Segundo a matéria, “há queima de etapas, quando o fundamental seria investir pesado na área de Inteligência. Ele vê certo açodamento também na convocação maciça de policiais militares”. A reflexão procede.

No início de seu mandato, o governador Camilo Santana inaugurou o Ceará Pacífico, projeto que se propunha, a partir da reunião de todos os poderes do Estado, entidades da sociedade civil, autoridades ligadas ao tema, etc., repensar a política de segurança pública no estado, acuado com os estratosféricos números de homicídios.

Passados quatro anos, o que se percebe é uma tendência tímida na diminuição do número de mortes (em 2017, foram 5.134, o maior da história; entre e janeiro e maio de 2018, já foram 1.996), a custa de uma contratação assustadora de policiais, cerca de 9 mil, segundo o governador. Apenas nesta semana, o governo adquiriu mais 466 viaturas para a segurança pública, dentre tantas outras adquiridas, até mesmo helicópteros.

Por outro lado, Atlas da Violência do IPEA mostra que Ceará ostenta o desonroso quarto lugar no número de mortes de policiais em atividade no país. Na outra ponta, também registra que o estado é um dos primeiros em número de pessoas assassinadas por policiais (161 civis apenas em 2017), cerca de 50 pessoas por cada mil habitantes, um verdadeiro absurdo.

 No último dia 18, na Av. Washington Soares, uma mulher foi covardemente assassinada pela polícia, após infundada perseguição policial. Em março anterior, um instrutor da Academia Estadual de Segurança Pública (AESP) conseguiu a proeza de balear uma aluna do curso de formação. Segundo o Mapa da Violência, o número de homicídios no Ceará quintuplicou nos últimos 20 anos; para o IPEA, duplicou nos últimos 10 anos, sendo que quase 60% são de jovens entre e 15 e 29 anos, um indiscutível genocídio da juventude, notadamente, pobre e negra.  

Em resumo, salvo nos espaços isolados em que o válido Ceará Pacífico opera, a política de segurança pública do Ceará é um fiasco. Apenas incha a máquina de policiais, sem se preocupar adequadamente com a postura policial. Inverte as diretrizes da polícia cidadã, aniquilando a guarda comunitária e apostando no Raio (polícia de ações intensivas e ostensivas), convive com uma Secretaria de Políticas sobre Drogas que, até hoje, não disse a que veio (sequer tem coragem de discutir, na contramão do mundo inteiro, sobre o tema da descriminalização das drogas), por fim, não bastasse vez por outra reprimir legítimas manifestações sociais, o próprio governador celebra a suposta vitoriosa militarização estadual posando com crianças no colo fantasiadas de policiais.

Trata-se de algo completamente adverso aos princípios de segurança pública conjecturados pelo Partido dos Trabalhadores. Muito bom que o partido chamasse a atenção de seu principal filiado estadual e cobrasse, enquanto é tempo, o direito de influenciar nas tomadas de decisões nessa área, que, por ora, só servem para alimentar a cultura da violência e do medo no estado. Está-se criando um monstro no Ceará.

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Sobre o autor
Marcelo Uchôa

Advogado. Professor Doutor de Direito da Universidade de Fortaleza (UNIFOR). Ex Secretário Especial de Políticas sobre Drogas do Ceará (Adjunto e Titular interino). Ex Coordenador Especial de Direitos Humanos do Governo do Ceará.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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