1. INTRODUÇÃO
A formulação de políticas públicas no âmbito municipal – e o meio como se desenvolve este processo de formulação – é fator decisivo para o desenvolvimento socioeconômico de qualquer comunidade. Por vezes, muitos municípios – em ambos os Poderes – não dispõem de agentes políticos e administrativos com qualificação e compreensão da complexidade existente na formulação de políticas públicas, de forma que estas políticas públicas possam seguir um adequado ciclo de vida[1] com vistas a atingir com plenitude sua finalidade precípua.
A Constituição Federal de 1988, prima facie, delegou ao Poder Executivo (em todas as esferas de governo) a formulação, a implementação, a execução, o acompanhamento e a avaliação das políticas públicas. Contudo, os demais Poderes da República – Legislativo e Judiciário – não foram totalmente alijados pela Carta Constitucional desta mesma atribuição.
Por assim ser, este trabalho visa – a priori – traçar as linhas gerais de atuação das Câmaras Municipais de Vereadores na formulação de políticas públicas no âmbito municipal, demonstrando sua competência e seus limites constitucionais e legais de atuação, para que a Câmara de Vereadores possa bem desenvolver sua função neste tema.
2. O PAPEL DO LEGISLATIVO NA FORMULAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS
Vereador, segundo De Plácido e Silva (1993, p. 480) é “(...) a pessoa que é colocada para vigiar, ou cuidar do bem e dos negócios do povo, ditando as normas necessárias a esse objetivo”.
RIBEIRO (2017) amplia este entendimento, afirmando:
(...) o que faz o vereador? Enquanto agente político, ele faz parte do poder legislativo, sendo eleito por meio de eleições diretas e, dessa forma, escolhido pela população para ser seu representante. Esta noção de representante da sociedade está entre as noções mais caras dentre suas funções, pois as demandas sociais, os interesses da coletividade e dos grupos devem ser objeto de análise dos vereadores e de seus assessores na elaboração de projetos de leis, os quais devem ser submetidos ao voto da assembleia (câmara municipal). Dessa forma, são responsáveis pela elaboração, discussão e votação de leis para a municipalidade, propondo-se benfeitorias, obras e serviços para o bem-estar da vida da população em geral. Os vereadores, dentre outras funções, também são responsáveis pela fiscalização das ações tomadas pelo poder executivo, isto é, pelo prefeito, cabendo-lhes a responsabilidade de acompanhar a administração municipal, principalmente no tocante ao cumprimento da lei e da boa aplicação e gestão do erário, ou seja, do dinheiro público.
Sabemos que o vereador é o agente político mais acessível a qualquer cidadão: ele pode ser nosso vizinho, amigo, parente, residir em nosso bairro ou em nossa comunidade interiorana. O vereador pode ser um empresário, um professor, um profissional da saúde, um agricultor. Enfim, o vereador é aquele que mais sujeito está às demandas e necessidades sociais, dado que o Poder Legislativo – o parlamento – é composto, em regra, pelas principais forças políticas de uma comunidade, possuindo estreitos laços de vínculo para com esta mesma comunidade.
De outro norte, faz-se necessário compreender, neste trabalho, o significado ideal do termo “políticas públicas”. Neste sentido, convém trazer à baila a lição de OLIVEIRA, PIZZIO e FRANÇA (pág. 93):
Política pública é uma expressão que visa definir uma situação específica da política. A melhor forma de compreendermos essa definição é partirmos do que cada palavra, separadamente, significa. Política é uma palavra de origem grega, politikó, que exprime a condição de participação da pessoa que é livre nas decisões sobre os rumos da cidade, a pólis. Já a palavra pública é de origem latina, publica, e significa povo, do povo.
Segundo SHIROMA et al (2007, p. 7), Aristóteles (384–322 a.C.), com sua obra A Política, considerada o primeiro tratado sobre o tema, introduziu a discussão sobre a natureza, funções e divisão do Estado e sobre as formas de governo. Ainda nesta perspectiva, as autoras complementam (2007, p. 7), dizendo que:
O conceito de política encadeou-se, assim, ao do poder do Estado – ou sociedade política – em atuar, proibir, ordenar, planejar, legislar, intervir, com efeitos vinculadores a um grupo social definido e ao exercício do domínio exclusivo sobre um território e da defesa de suas fronteiras.
Neste compasso, indelével a seriedade com que deve se revestir o processo de formulação de políticas públicas. Uma escolha equivocada; o uso de métodos avaliativos mal definidos ou até mesmo inexistentes; o público-alvo ou os atores errados; a má avaliação da situação pré-implementação da política pública; a falta de controle na execução orçamentária e financeira da política; a inadequada ou a falta de planejamento na arrecadação de recursos para a implementação da política. Enfim, são inúmeros os fatores que poderão tornar ineficiente, inócua ou ineficaz qualquer política pública mal formulada.
No âmbito de sua função legislativa, compete à Câmara de Vereadores apreciar[2] os principais instrumentos de planejamento de políticas públicas a serem executadas pelo Poder Executivo Municipal[3]: o Plano Plurianual (PPA); a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e a Lei Orçamentária Anual (LOA).
O Plano Plurianual possui vigência pré-determinada de quatro anos, sendo nele fixadas as diretrizes e metas da Administração Pública Municipal para as despesas de capital e outras dela decorrentes e para os programas de duração continuada. É um plano de discriminação das receitas e despesas, devendo estar em consonância com os planos e programas nacionais, regionais e setoriais previstos na Constituição Federal. Nele serão detalhados e discriminados todos os planos e programas a serem executados no âmbito local nos quatro anos de vigência da respectiva lei.
Após o PPA, regra geral, vem a Lei de Diretrizes Orçamentárias, ou LDO, que deverá estabelecer os parâmetros da Administração Municipal, incluindo em seu texto as despesas de capital para o exercício subsequente; orientações à elaboração da lei orçamentária anual e disporá sobre as alterações na legislação tributária local. Sua duração é anual e é feita com base no PPA.
Para que ocorra a efetivação dos planos previsto no PPA e a observância das orientações definidas na LDO, é elaborada uma Lei Orçamentária Anual. A Lei Orçamentária Anual – LOA – compreende o orçamento fiscal referente aos Poderes Municipais, aos seus fundos, órgãos e entidades da Administração direta e indireta; o orçamento de investimentos das empresas em que o Poder Público Municipal de forma direta ou indireta, detenha a maioria do capital social com direito a voto; e o orçamento da seguridade social, incluindo as entidades e órgãos a ela vinculados, assim como dispõe o artigo 165, §5°, da Constituição.
O projeto de LOA deve ser elaborado de acordo com as normas constitucionais pertinentes, compatibilizando com o PPA; LDO; Lei de Responsabilidade Fiscal; Lei n° 4.320/64, assim como a Lei Orgânica do Município. A iniciativa para elaboração das leis orçamentárias – PPA, LDO e LOA – é privativa do Chefe do Poder Executivo, devendo ser enviado no prazo estipulado pela Lei Orgânica Municipal.
É obrigação da Câmara de Vereadores, ao apreciar os projetos de lei do Plano Plurianual – PPA, a Lei de Diretrizes Orçamentárias – LDO e a Lei Orçamentária Anual – LOA (e também todas as demais proposições, diga-se de passagem), observar o devido processo legislativo traçado na Lei Orgânica do Município e no Regimento Interno do Poder Legislativo. Neste sentido, o Supremo Tribunal Federal[4] considera que as regras básicas acerca do processo legislativo previstas na Constituição Federal são modelos obrigatórios a serem seguidos nas Constituições Estaduais e Leis Orgânicas Municipais, eis que imprescindíveis à constituição do Estado Democrático.
É de se destacar, contudo, que a obrigação de observância do devido processo legislativo na apreciação do PPA, LDO e LOA pode – se bem trabalhada – transformar-se em uma grande ferramenta complementar de planejamento do município.
Apesar da iniciativa das três propostas fundamentais de planejamento municipal – PPA, LDO e LOA – ser exclusiva do Chefe do Poder Executivo Municipal – Prefeito, a Câmara de Vereadores possui, enquanto poder autônomo e independente, relativa competência para alterar as respectivas propostas, adequando seu conteúdo ao anseio da sociedade local (que é o que se espera).
Qualquer alteração nos projetos de lei respectivos serão promovidas através de emendas, que são, conceitualmente, proposições destinadas a modificar o texto do projeto original, oferecidas no momento próprio por vereador, comissão ou pela Mesa Diretora, na forma regimental. O poder de emenda está previsto na Constituição nos artigos 63 c/c 166, §§3° e 4°, podendo a Lei Orgânica dispor sobre o poder de emenda da Câmara de Vereadores nos moldes da Constituição, decorrente do exercício da atividade legiferante, intrínseca ao Poder Legislativo.
Contudo, a Constituição impõe limites e restrições ao poder de emenda nas leis orçamentárias pelo Legislativo. O Supremo Tribunal Federal, nos autos da ADI n° 973-7/AP, destacou que:
“o poder de emendar – que não constitui derivação do poder de iniciar o processo de formação das leis – qualifica-se como prerrogativa deferida aos parlamentares, que se sujeitam, no entanto, quanto ao seu exercício, às restrições impostas, em ‘numerus clausus’, pela Constituição Federal”. (...)Revela-se plenamente legítimo, desse modo, o exercício do poder de emenda pelos parlamentares, mesmo quando se tratar de projetos de lei sujeitos à reserva de iniciativa de outros órgãos e Poderes do Estado, incidindo, no entanto, sobre essa prerrogativa parlamentar - que é inerente à atividade legislativa -, as restrições decorrentes do próprio texto constitucional (CF, art. 63, I e II), bem assim aquela fundada na exigência de que as emendas de iniciativa parlamentar sempre guardem relação de pertinência com o objeto da proposição legislativa”
As emendas ao projeto de PPA que impliquem aumento de despesa são admissíveis apenas caso atendam ao disposto no artigo 166, §3°, II ou se relacionem com as hipóteses previstas no §4°. O artigo 166, §4° da Constituição prevê a possibilidade de emendas ao projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias, desde que compatíveis com o plano plurianual.
Neste sentido, o §3°, do artigo citado prevê a possibilidade de emendas ao projeto da Lei Orçamentária Anual, desde que, sejam compatíveis com o Plano Plurianual e com a LDO, atendendo a necessidade de indicar recursos necessários, admitidos apenas os provenientes de anulação de despesa, excluídas as que incidam sobre dotações para pessoal e seus encargos; serviço da dívida e transferências tributárias constitucionais ou ainda, devendo ser relacionadas com a correção de erros ou omissões ou com os dispositivos do texto do projeto de lei.
A re-estimativa de receita pelo Legislativo só pode ser feita caso comprovado erro ou omissão de ordem técnica ou legal, conforme dispõe o artigo 12, §1° da Lei de Responsabilidade Fiscal. A alteração do projeto pelo Executivo é admitida através de mensagens aditivas enquanto não estiver concluída a votação do projeto inicial.
As propostas de emendas aos projetos de Leis Orçamentárias serão apresentadas à Comissão permanente da Câmara, aplicando as normas regimentais do processo legislativo. Se rejeitadas pelo plenário da Câmara de Vereadores, serão arquivadas. Em caso de aprovação, serão remetidas ao Executivo para sanção. O Chefe do executivo – o prefeito – poderá vetar, no todo ou em parte, o projeto aprovado. O veto retornará à Câmara de Vereadores, que poderá mantê-lo ou derrubá-lo.
Quanto mais um regime se afasta do ideal da democracia, tanto menos o Legislativo tem poder de decisão quanto ao conteúdo do orçamento público. O orçamento atribui aos representantes do povo - já que todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de seus representantes – a aprovação da destinação dos recursos públicos. Todas as Constituições hodiernas dos regimes democráticos mencionam a discussão e votação do orçamento como atribuição dos parlamentares, cabendo a Câmara de Vereadores bem desempenhar esta função, honrando o compromisso assumido pela delegação outorgada pelo povo através do voto aos parlamentares eleitos.
3. CONCLUSÃO
O Brasil enfrenta desde muito tempo uma série de desafios e problemas no campo das políticas públicas. Diante desse quadro, a contumaz ineficiência governamental – em todas as esferas de governo – vem colocando em risco a consecução de políticas públicas que visam atender direitos historicamente conquistados por todos os cidadãos.
A história brasileira indica a fragilidade das coalizões políticas permeadas no seio da própria sociedade, fragilizando a imposição ou a implantação de sua própria agenda de demandas. Tal situação amplifica ainda mais a problemática existente, colocando todos os processos inerentes às políticas públicas nas mãos de burocratas ou da elite política do país, dificultando a construção da cidadania e a participação política da sociedade no processo de aprofundamento da democracia e de implantação das políticas públicas.
Em linhas gerais, a culpa pela baixa qualidade de grande parte das políticas públicas aplicadas no país é atribuída única e exclusivamente aos membros do Poder Executivo e seu corpo auxiliar. Todavia, é também papel do parlamento – em todas as esferas de governo – participar do processo de formulação de políticas públicas, bem como acompanhar a execução das respectivas políticas, buscando uma proatividade que hoje ainda não é, infelizmente, característica da maioria das Câmaras de Vereadores brasileiras.
É fato público e notório que nossos municípios – assim como nosso próprio estado e a União – atravessam uma grave crise socioeconômica. Contudo, é neste momento que a formulação de políticas públicas reveste-se de grande importância, eis que a escassez de recursos faz com que os formuladores de políticas públicas sejam obrigados a escolher as políticas prioritárias, eis que inexistem recursos para atender todas as demandas da sociedade.
Por isso, é urgente a necessidade da união de esforços no âmbito de cada município, abrangendo todos os atores que possuem papel preponderante na formulação de políticas públicas, como forma de entrelaçar os conhecimentos teóricos e práticos existentes e colocar no papel políticas públicas com capacidade de atingir sua finalidade precípua: o bem estar da sociedade local. Desta forma, o Poder Público estará agindo e cumprindo a delegação que o voto democrático e popular conferiu a cada agente político, respeitando a vontade do ator principal de cada comunidade: o cidadão.
4. REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm. Acesso em 19 de setembro de 2017.
BRASIL. Lei Complementar n.º 101, de 4 de maio de 2000. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LCP/Lcp101.htm. Acesso em 19 de setembro de 2017.
BRASIL. Lei n.º 4.320, de 17 de março de 1964. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L4320.htm. Acesso em 19 de setembro de 2017.
BRASIL. SUPREMO TRIBUNA FEDERAL. ADI 637, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 25-8-2004, Plenário, DJ de 1º-10-2004.
BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. ADI nº 973-7/AP – medida cautelar. Rel. Min. Celso de Mello, DJ 19 dez. 2006
OLIVEIRA, Adão F. de. PIZZIO, Alex. FRANÇA George. “Fronteiras da Educação: desigualdades, tecnologias e políticas”, Editora da PUC Goiás, 2010.
RIBEIRO, Paulo Silvino. "Qual é a função do vereador?"; Brasil Escola. Disponível em <http://brasilescola.uol.com.br/politica/funcoes-vereador.htm>. Acesso em 28 de setembro de 2017.
SARAVIA, Enrique. FERRAREZI, Elisabete. Políticas Públicas. Coletânea. Volume 1. Disponível em http://repositorio.enap.gov.br/bitstream/1/1254/1/cppv1_0101_saravia.pdf. Acesso em 19 de setembro de 2017.
SHIROMA, Eneida Oto; MORAES, Maria Célia Marcondes de; EVANGELISTA, Olinda. (Org.). Política educacional. 4. ed. Rio de Janeiro: Lamparina, 2007.
SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico, V. 4, 12ª edição, Forense, 1993.
Notas
[1] Tomemos o exemplo de SARAVIA e FERRAREZI (2006) que, resumidamente, distinguem os seguintes ciclos das políticas públicas: formulação da agenda (lista de prioridades); identificação e delimitação de um problema; formulação da política; implementação; execução; acompanhamento e avaliação.
[2] Por apreciar, entenda-se não tão somente o poder de aprovar ou reprovar os projetos de lei (PPA, LDO e LOA) mas, principalmente, de emendar respectivos projetos de lei, melhorando ou qualificando as propostas.
[3] Vide o que dispõe o art. 165 da Constituição Federal; artigos 4º à 7º da Lei Complementar n.º 101, de 4 de maio de 2000 e Lei Federal n.º4.320, de 17 de março de 1964.
[4] ADI 637, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 25-8-2004, Plenário, DJ de 1º-10-2004.