STF com 21 Ministros: haveria inconstitucionalidade na proposta de Bolsonaro?

Reflexões e questionamentos para um debate público mais produtivo ao país sobre a questão

09/07/2018 às 10:10
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Neste artigo são apresentadas uma síntese e uma classificação dos principais argumentos favoráveis e contrários, divulgados na grande mídia e redes sociais, à proposta de Bolsonaro de aumentar o número de ministros do STF para 21.

A proposta do pré-candidato à Presidência da República pelo PSL, Jair Bolsonaro, de aumentar de 11 para 21 o número de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), apresentada em entrevista à TV Cidade, de Fortaleza, tem incitado calorosos debates na mídia impressa e nas redes sociais. 

Os argumentos mais relevantes, favoráveis e contrários à mudança, podem ser encontrados de forma dispersa, mediante paciente pesquisa, em inúmeras páginas da internet dos grandes jornais, canais do YouTube e blogs em geral. Contudo, em face da importância do tema em discussão para o país, a elaboração de uma síntese desses argumentos mostra-se, neste momento, uma necessidade, não apenas por constituir uma ferramenta útil àqueles que, sem tempo disponível para pesquisas, querem entender melhor o status quaestionis da questão debatida, mas também por permitir um confronto dialético dos fundamentos apresentados de parte a parte, extraindo-se daí, se possível, algumas conclusões que sejam racionalmente válidas e isentas das paixões do puro debate político.

Os principais fundamentos utilizados por aqueles que se posicionam de forma contrária à proposta de Bolsonaro são de três ordens distintas, a saber: (1) jurídica: sustenta-se a inconstitucionalidade de eventual emenda sobre a matéria, pois incorreria em ofensa à cláusula pétrea da separação dos poderes; (2) econômica: alega-se que isso aumentará os gastos públicos federais com o pagamento de subsídios e vencimentos, respectivamente, de mais dez ministros e seus assessores; (3) política: há um viés antidemocrático na medida, que, historicamente, teria sido utilizada em governos de exceção, como na Venezuela, sob o comando de Hugo Chávez, e durante o regime militar no Brasil, por meio do Ato Institucional nº 2, de 1965.

Por outro lado, os que defendem a alteração proposta pelo pré-candidato, fincam-se nos seguintes argumentos, todos, até o momento, de natureza política: (1) as recentes decisões do STF, criticadas por muitos segmentos, em especial na seara penal, demonstram que é necessária a ampliação dos quadros de ministros da Corte para sobrepor-se à maioria atual, composta por magistrados indicados pelos ex-presidentes Lula e Dilma; (2) com o número de ministros hoje existentes, muito poder está concentrado nas mãos de poucas pessoas; (3) a mudança permitirá a nomeação para o STF de dez ministros isentos e com o perfil do Juiz Federal Sérgio Moro.

Quanto ao primeiro argumento contrário à mudança, de natureza jurídica, mostra-se pouco provável que a tese de inconstitucionalidade encontre acolhida no STF. Isso porque a Corte já entendeu, na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3.367/DF, que a criação do Conselho Nacional de Justiça, órgão do Poder Judiciário, pela Emenda Constitucional nº 45/2004, não violou o princípio da separação dos poderes, mesmo que a referida proposta de emenda à Constituição tenha sido apresentada por membros do Poder Legislativo, na medida em que, no que diz respeito à composição dos órgãos do Poder Judiciário, este nunca teve independência absoluta, mas somente relativa, pois diversos cargos do Judiciário são preenchidos por meio da atuação de outros poderes. Se o STF considerou que uma emenda constitucional pode, sem ofensa ao princípio da separação dos poderes, criar um órgão (CNJ) e seus respectivos cargos (Conselheiros), dentro da estrutura do Judiciário, que não foram imaginados pelo Constituinte de 1988, não parece plausível que venha a reconhecer a inconstitucionalidade de uma emenda apenas em razão da elevação do número de cargos de componentes de Tribunal já previsto na Constituição Federal original.

O segundo argumento, de ordem econômica, não parece sustentar-se ao ser confrontado com o que se denomina no Direito de princípio da proporcionalidade ou razoabilidade. Os brasileiros, mesmo aqueles não ligados aos assuntos jurídicos, tomaram consciência nos últimos anos do papel do STF como um dos protagonistas no cenário nacional. Foram tantas as decisões importantes tomadas pela Corte nesse período que alteraram, per fas et per nefas, os moldes do ordenamento jurídico pátrio e, direta ou indiretamente, a vida das pessoas, que a objeção econômica apresentada contra a proposta do pré-candidato Bolsonaro parece não ser razoável ou proporcional; em outras palavras, não leva em conta um eventual custo-benefício da medida. Um ministro do STF recebe, atualmente, subsídios líquidos na casa dos trinta e poucos mil reais. Dez ministros novos representariam, assim, em números aproximados, um aumento de gastos na ordem de trezentos mil reais mensais a título de subsídios. Quanto à estrutura de assessores dos novos ministros, penso que a eficiência administrativa sugere que possa haver uma redistribuição de funcionários já existentes dos gabinetes dos atuais ministros para os novos, pois, com mais ministros na Corte, o número de processos distribuídos para cada magistrado atual cairá, e, de forma inversamente proporcional, menor será o número de assessores que cada um necessitará contar, permitindo-se a realocação de parte da assessoria dos ministros para seus novos colegas. Por via reflexa, o tamanho dos espaços físicos dos gabinetes atuais também poderia ser reduzido, já que cada um deles deverá comportar uma equipe menor de funcionários, o que, com os devidos estudos e vontade política, pode evitar gastos desnecessários com a aquisição ou locação de novos prédios.

O terceiro e último argumento que se encontra posto contra a medida sugerida por Bolsonaro tem natureza eminentemente política. De objetivo, cumpre-nos, inicialmente, constatar a veracidade da afirmação de que o Ato Institucional nº 2, de 27 de outubro de 1965, por meio de seu art. 6º, alterou a redação do art. 98 da Constituição Federal de 1946, que passou a prever o número de dezesseis ministros no STF, em vez dos onze ministros anteriores, o que é possível ser verificado no seguinte link: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ait/ait-02-65.htm. Da mesma forma, também é verdadeira a afirmação de que Hugo Chávez realizou a alteração da composição da Suprema Corte de Justiça Venezuelana de 20 para 32 magistrados, fato amplamente divulgado à época pela imprensa por meio de artigos ainda disponíveis para consulta dos interessados na internet. As conclusões, todavia, que podem ser extraídas desses fatos devem passar pelo crivo do eleitor brasileiro, que precisa sopesar se a medida proposta pelo pré-candidato Bolsonaro, no atual contexto histórico e social, pode ser equiparada às duas alternações ocorridas no número de magistrados das cortes supremas em outras circunstâncias e, principalmente, se a mudança proposta pelo pré-candidato trará os benefícios ou malefícios que são anunciados, respectivamente, por aqueles favoráveis e contrários à proposta. E, para esse fim, parece-nos de fundamental importância que o tema, de grande relevância, seja objeto, no devido tempo, de debate nas campanhas, não somente dos futuros candidatos à Presidência da República, como também dos que concorrerão aos cargos do Poder Legislativo, que devem deixar claro de que lado estão neste tema, permitindo que o eleitor venha a fazer sua opção nas urnas, levando em conta mais esse critério para sua opção de voto.

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E será nesse contexto, igualmente, que os argumentos de natureza política daqueles favoráveis à proposta do pré-candidato Bolsonaro deverão ser analisados. Em outras palavras, o eleitor apoiará os candidatos ao Executivo e Legislativo que defendem essa medida de ampliação do número de ministros do STF porque (1) estão descontentes com as recentes decisões da Corte e porque quer que se estabeleça uma nova maioria no STF formada por ministros indicados pelo pré-candidato Bolsonaro? Ou os apoiará porque acha que, realmente, (2) muito poder está concentrado atualmente nas mãos de poucos ministros e que esse poder deve ser diluído entre mais pessoas? Ou, por fim, dará seu voto aos candidatos favoráveis à medida porque quer a nomeação de mais 10 ministros isentos ao STF, com o perfil do Juiz Federal Sérgio Moro? 

Algumas outras perguntas podem e devem ser feitas acerca da questão; e é mais importante, agora, fazê-las do que lhes dar uma resposta, porquanto somente por meio desses questionamentos teremos uma reflexão, debates e conclusões mais amadurecidos e com melhores frutos ao país.

Eis algumas dessas questões com as quais encerro o presente artigo: 

(1) O que seria um candidato isento a ministro do STF? Seria alguém que nunca tenha integrado nenhum partido político ou, de qualquer forma, tenha se manifestado na vida pública em questões políticas a favor de algum grupo ideológico ou partido político? A isenção, se político-ideológica, também deveria ser acompanhada de uma isenção quanto a suas decisões nas questões de Direito Penal: nem favorável ao abolicionismo penal, nem filiado ao Direito Penal do Inimigo? Ou, ainda, a isenção seria quanto a sua visão da economia?   

(2) O que seria exatamente um candidato “com perfil do Juiz Federal Sergio Moro”, ou seja, quais são as características de uma pessoa com esse perfil? Enumeradas essas características, elas atendem aos requisitos do art. 101 da Constituição Federal para os candidatos a ministro do STF? 

(3) qual o critério utilizado para se chegar ao número de 21 ministros da proposta? Há em outras cortes supremas dos países democráticos esse número de magistrados? Quais foram os critérios utilizados por cada país para se chegar ao número de seus ministros? Houve alteração de suas constituições para ajustar, aumentando ou diminuindo, esse número e, se sim, quais foram as razões da alteração? O número de ministros do STF é suficiente para fazer frente à distribuição anual de processos naquela Corte? Alguma corte suprema de outro país tem o mesmo número de processos distribuídos anualmente a ela quanto nosso STF? Se sim, qual o número de ministros dessas supremas cortes para fazer frente a essa distribuição?

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Sobre o autor
Paulo André Bueno de Camargo

Juiz de Direito no Estado de São Paulo

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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