Procedimento monitório: da supressão do instituto no Código de Processo Civil de 2015

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11/07/2018 às 12:05
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Busca-se compreender a supressão do instituto da ação monitória, bem como o texto do Código de Processo Civil de 2015, através de uma interpretação histórica e do contexto em que se desenvolveu.

Resumo: O presente artigo busca compreender a supressão do instituto da ação monitória, bem como o texto do novo Código de Processo Civil, através de uma interpretação histórica e do conhecimento do contexto em que se desenvolveu o procedimento monitório em atenção à tendência de sumarização do conhecimento da demanda, buscando-se a celeridade do provimento jurisdicional e, por conseguinte, a sua rápida satisfação. Assim, analisa-se à luz da Constituição Federal e, principalmente, do princípio da celeridade e efetividade, a validade (ou não) das modificações realizadas no Código de Processo Civil de 2015, em especial quanto à extinção do procedimento monitório.

Palavras-chave: Ação monitória – Novo CPC – extinção – inadequação.

Sumário: Introdução. 1. Supressão do instituto no novo Código de Processo Civil de 2015: comentários. 2. Conclusão. 3. Referências bibliográficas.


Introdução:

A ação monitória foi instituída pela Lei n. 9.079, de 14 de julho de 1995, que acrescentou ao Código de Processo Civil de 1973, os artigos 1.102-a, 1.102-b e 1.102-c, em atenção à tendência de sumarização do conhecimento da demanda, buscando-se a celeridade do provimento jurisdicional e, por conseguinte, a sua rápida satisfação.

 Possuía como característica fundamental a existência de prova documental escrita, sem força executiva, capaz de tornar a relação obrigacional indubitável, que leva à declaração de um título executivo judicial, capaz de ser executado como qualquer outro título executivo.

Visando adequar o ordenamento processual ao disposto na Constituição Federal, em especial aos princípios reitores, elaborou-se o Código de Processo Civil de 2015, objetivando a busca por uma justiça célere e ao mesmo tempo eficaz, que garanta ao indivíduo a satisfação de seu direito.

Contudo, é de clara percepção que, quando da elaboração, privilegiou-se a celeridade em detrimento da segurança jurídica.

Impende ressaltar que, a Ação Monitória foi extinta do diploma processual Brasileiro, sem que tenha sido criado um instrumento jurídico melhor e mais adequado a entregar o bem jurídico tutelado de forma efetiva e célere, apresentando-se como um retrocesso na evolução processual brasileira, indo de encontro aos ditames constitucionais.

Em suma, no que tange à ação monitória, o Código de Processo Civil de 2015 não mais prevê o instituto, dirigindo-se na contramão do que busca o Estado Democrático de Direito, trazendo sérios prejuízos ao jurisdicionado, que se vê privado de um dos instrumentos mais úteis ao exercício de seu direito, de forma rápida, eficaz e econômica.


1. Supressão do instituto no novo código de processo civil de 2015: comentários

A ordem processual civil brasileira, visando adaptar-se às novas realidades e práticas processuais, pode instituir reformas em seu texto, ou até mesmo, elaborar um novo códex.

Antes de tratar propriamente das alterações é importante ressaltar o momento histórico em que foi construído o novo diploma processual. Daí imperioso lembrar que pouco antes da premente necessidade da nova legislação o Congresso Nacional estava passando por momentos turbulentos, crises e escândalos de corrupção, principalmente em face do Presidente do Senado Federal, à época.

Inicialmente vigorou no Brasil, por mais de 30 anos, o Código de Processo Civil de 1939, sendo substituído por outro, editado em 1973. Este Código de Processo Civil, também chamado de “Código Buzaid”, devido ao fato de ter sido elaborado pelo ilustre jurista Alfredo Buzaid.

Durante o tempo de sua vigência, o código de 1973 foi objeto de inúmeras reformas visando adaptá-lo à ordem constitucional, tendo havido, ao total, 64 alterações em seu texto.

Sabe-se que a Constituição Federal é a ordem máxima do Estado, sendo o fundamento de validade de todo o ordenamento infraconstitucional. Caso alguma lei afronte o disposto na Lei Maior, será declarada inconstitucional e extirpada do ordenamento jurídico.

A Constituição da República de 1988, de ideologia pós-positivista, proveniente da quebra da adoção de um Direito puramente positivo, possui nítido caráter principiológico, valorizando em sobremaneira os princípios constitucionais, verdadeiros vetores do ordenamento, formalizando um novo Direito como ciência fundamentada em princípios jurídicos.

O artigo quinto da Lei Maior prevê:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(...)

LXXVIII a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

Portanto, para se adequar ao disposto na Constituição Federal, o Presidente do Senado, através do ato nº. 379 de 2009 constituiu uma comissão de Juristas com o objetivo de elaborar o Anteprojeto do Novo Código de Processo Civil, adequando-se ao núcleo da Constituição Federal, que, com o advento da Emenda Constitucional 45, editada em 2004, passou a ser a busca por uma justiça célere e ao mesmo tempo eficaz, que garanta ao indivíduo a satisfação de seu direito.

A comissão constituída para elaborar o novo Código de Processo Civil foi formada por renomados juristas, dentre eles Luiz Fux (Presidente da Comissão), Teresa Arruda Alvim Wambier (Relatora da Comissão), Adroaldo Furtado Fabrício, Benedito Cerezzo Pereira Filho, Bruno Dantas, Elpídio Donizetti Nunes, Humberto Theodoro Júnior, Jansen Fialho de Almeida, José Miguel Garcia Medina, José Roberto dos Santos Bedaque, Marcus Vinicius Furtado Coelho e Paulo Cesar Pinheiro Carneiro.

Em 15 de dezembro de 2009, o Presidente da Comissão, o ministro Luiz Fux, apresentou ao Senado o documento preliminar de alteração do Código, que, aprovado pela Comissão, objetivou a criação de instrumentos jurídicos para maior agilidade na prestação jurisdicional e a redução do número de demandas.

Da leitura das palavras acima, percebe-se que o objetivo primordial do Código de Processo Civil de 2015 é compatibilizar a celeridade processual e a duração razoável do processo às demais garantias processuais constitucionais.

A compreensão do processo a partir dos resultados que produz é de suma importância para o operador do direito. Sua utilidade será apurada a partir dos resultados alcançados pelos jurisdicionados, porém, nunca em detrimento dos princípios institutivos do processo.

A ponderação entre princípios constitucionais em conflito, originária do jurista Robert Alexy[2], é um dos instrumentos mais importantes na interpretação e aplicação do direito. Essa técnica baseia-se na carga valorativa dos princípios. 

No caso de colisão entre princípios igualmente constitucionais, busca-se a solução a partir da análise do caso concreto. Almeja-se verificar qual deles possui, para o caso, peso maior.  Por esse viés, não se analisa a dimensão de validade dos princípios. Esses são sempre válidos, sendo afastados pelo sopesamento de interesses exigido no caso concreto.

Como dito, tendente a operar em sintonia com a Constituição Federal, o Código de Processo Civil atual apresenta inúmeras alterações em relação ao Código de Processo Civil anterior.

Dentre essas alterações, a que se apresenta mais relevante para o presente estudo é a extinção da ação monitória, não estando tal instituto incluído no rol dos procedimentos especiais, e nem mesmo, em outro capítulo do Código.

O princípio da segurança jurídica pode ser entendido como a necessidade da adoção, pelo Estado, de comportamentos coerentes, estáveis, não contraditórios, garantindo aos cidadãos a previsibilidade de suas decisões, permitindo aos interessados deduzir, com maior certeza possível, qual será o resultado de uma demanda apreciada pelo Poder Judiciário.

Porém, quando um ato jurídico não atende aos ditames da segurança jurídica, mesmo que visando a celeridade processual, tende a ser ilegal e arbitrário, se afastando das diretrizes instituídas por um Estado Democrático de Direito.

A celeridade processual, com a razoável duração do processo, é nitidamente importante. Todavia, para alcançar a almejada celeridade, não se pode abrir mão da segurança jurídica.

No entanto, com o devido respeito à Comissão, a extinção do procedimento monitório representa um retrocesso processual.

A ação monitória, introduzida pela Lei Federal 9.079 de 1995, proporciona a  solução de diversos litígios que, em regra, não podem ser resolvidos de outro modo por faltar-lhes requisitos essenciais para o ajuizamento da ação, como por exemplo a cobrança de um cheque prescrito.

A ação monitória é, sabidamente, um instituto que possibilita a prestação jurisdicional de modo rápido e eficaz, possibilitando a obtenção de um título judicial exequível, sem que seja necessário esperar a longa duração do processo de conhecimento para a constituição de um título executivo hábil à instauração da fase de execução.

Ao tempo da formação da Comissão de juristas destinada a promover alterações no Código de Processo Civil de 1973, houve uma longa discussão acerca da inserção da ação monitória no ordenamento. Para os que se opuseram à sua inclusão, o instituto não se apresenta vantajoso a ponto de ser reinserido no sistema.

Contudo, para Ada Pellegrini Grinover[3], a ação injuntiva:

“(...) busca, por intermédio de uma cognição sumária, superficial, expedir-se, desde logo, um mandado para o cumprimento da obrigação, na esperança de que não haja oposição a esse mandamento, porque, se houver, através dos embargos, tudo será reconduzido ao procedimento ordinário, abrindo-se o contraditório pleno à cognição profunda do magistrado. O procedimento monitório, portanto, se não houver embargos, é um procedimento de natureza sumária, de cognição sumária, não-exauriente, prevendo um contraditório eventual e diferido.

Trata-se de sentença condenatória mandamental, que é exatamente a ordem judicial monitória após a cognição sumária inaudita altera parte.”

Já Alexandre Freitas Câmara defende a utilidade do instituto, dizendo que a ação monitória teria a natureza jurídica de um mandamento equiparado à sentença condenatória sujeita à condição suspensiva, qual seja, a oposição, ou não, de embargos.[4]

Na verdade, como a sentença monitória possui natureza mandamental, na própria fase de conhecimento haverá a condenação e a expedição do mandamento a praticar um determinado ato.

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Nos dizeres de José Rubens Costa[5], na ação monitória haverá:

“prestação jurisdicional simplificada, de cognição sumária, constituindo-se o título executivo pelo deferimento sem contraditório – inaudita altera parte – da petição inicial” (sic).

Assim, a utilidade do procedimento injuntivo é patente por representar o termo médio entre as fases de conhecimento e execução, possibilitando a antecipação da execução forçada em uma cognição de caráter provisório, sumário.

 Cumpre ressaltar que a celeridade e a economia processual que permite a formação abreviada do título executivo tornam a ação monitória um instrumento indispensável à efetividade do bem jurídico tutelado.

Entretanto, apesar de ter se mostrado um instrumento rápido e barato para a solução do litígio, o novo Código de Processo Civil, conforme já exposto, não mais prevê a ação injuntiva dentre os procedimentos especiais.

Se, de um lado, o objetivo do Novo Código é propiciar a concentração de procedimentos e atos processuais, eliminando a maioria dos incidentes em atenção aos princípios constitucionais processuais, a exclusão da ação monitória do rol dos procedimentos especiais se apresenta contraditória e vai de encontro às disposições aplicáveis ao Estado Democrático de Direito, principalmente quanto aos princípios constitucionais da efetividade e duração razoável do processo.

Contudo, há doutrinadores, e dentre eles inclui-se Eduardo Talamini, que entendem que, apesar do procedimento especial da ação monitória ter sido extinta do ordenamento jurídico pelo Código Civil Brasileiro de 2015, o mesmo projeto propõe a instituição de um mecanismo geral que possibilita uma “monitorização do processo brasileiro”, qual seja, a estabilização da tutela de urgência.[6]

Essa técnica é fruto de atuação da jurista Ada Pellegrini Grinover, oriunda do processo italiano.

Nesse escopo, unifica-se o regime jurídico das medidas antecipatórias e cautelares, com suas peculiaridades. Com isso, eliminam-se discussões acerca da classificação do pedido em cautelar ou satisfativo. 

Por outro lado, o Codex diferencia a tutela de evidência, que se funda no alto grau de verossimilhança das alegações de uma das partes, da tutela de urgência, que se funda no grave perigo de dano irreparável.

Nos casos de tutela de evidência, não há previsão para concessão de forma antecipatória. Já para as tutelas de urgência, há essa previsão.

Neste caso, se houver impugnação por parte do réu, o autor deverá formular um pedido principal, em 30 dias, em regra, ou em outro prazo fixado pelo magistrado, sem a instauração de um novo processo.

Contudo, se o réu não apresentar impugnação à medida urgente antecipatória, o processo preparatório será extinto, mas a medida concedida permanecerá eficaz por tempo indeterminado.

Um exemplo prático é a sustação do protesto.

Caso a sustação não seja impugnada, extingue-se o processo, mas a medida continua em vigor, sem que haja alguma manifestação acerca da inexistência ou inexistência do crédito. O que se tem é a proibição do protesto daquele título.

Para Eduardo Talamini, isso é a monitorização do procedimento, pois há uma inversão da iniciativa do contraditório, pois, estabilizada a tutela urgente, se o réu quiser se furtar dos efeitos da tutela de urgência, terá que promover uma ação de cognição exauriente. Acrescenta que essa inversão é feita com base em cognição sumária do magistrado, baseada na existência de grave perigo de dano irreparável, sem que haja uma discussão acerca do mérito da lide.

Para ele, como essa previsão é disposta na parte geral do processo de conhecimento, é aplicável a qualquer tipo de litígio, deixando de ser um procedimento especial.[7]

Todavia, essa “monitorização do procedimento”, com a devida vênia, apresenta inúmeros problemas, como por exemplo, no caso de citações fictas, que, smj, não haverá a estabilização da medida de urgência caso o réu seja revel. Entende-se nesse caso, que deverá nomear um curador especial ao réu, não formando, automaticamente, o título executivo.

Do mesmo modo, não se estabilizará a medida de urgência acauteladora nas causas que envolvem direitos indisponíveis e deferidas em face da Fazenda Pública, devido à indisponibilidade de seus bens e à supremacia do interesse público sobre o particular.

Ademais, como a medida concedida se fundou em cognição meramente sumária, não produz coisa julgada material, que pode ser entendida como a qualidade conferida à sentença judicial contra a qual não cabem mais recursos, tornando-a imutável e indiscutível.

Feita essas considerações, entendo que essa “monitorização do procedimento comum” não se apresenta como um instrumento apto a substituir o procedimento monitório como antes previsto, haja vista não apresentar a mesma abrangência e efetividade que garanta a entrega do bem jurídico tutelado da forma mais célere e eficaz, conforme exige a Constituição Federal do Brasil.

Deste modo, no que tange à extinção da ação monitória como um procedimento de caráter especial, o Código de Processo Civil atual se dirige na contramão do que busca o Estado Democrático de Direito, dentro de uma visão pós-positivista, de valorização de uma Constituição principiológica, trazendo sérios prejuízos ao jurisdicionado.

Ademais, se afasta da verdadeira função do Estado, que é, através do Judiciário, pacificar os conflitos e proporcionar a tutela dos interesses dos cidadãos, afastando-se da morosidade processual oriunda de excessiva burocracia, que atualmente é causa da insatisfação popular e do descrédito da Justiça.

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Sobre a autora
Elisa Vieira Lopez

Procuradora do Estado de São Paulo. Graduada em Direito pelo Centro Universitário de Belo horizonte (2006). Pós-graduada em Direito Processual Civil pela Escola Superior da Procuradoria Geral do Estado – ESPGE (2013).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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