2 DO DIREITO FUNDAMENTAL DE GREVE
No Brasil, o direito de greve é contemplado na CRFB de 1988, mais especificamente em seu art. 9º:
É assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender (BRASIL, 1988).
A Lei nº 7.783, de 28 de junho de 1989 (BRASIL, 1989), que versa sobre o exercício do direito de greve, dando-lhe ainda outras disposições, precisamente em seu artigo 2º conceitua tal movimento como suspensão coletiva, temporária e pacífica, total ou parcial, de prestação pessoal de serviços a empregador. A partir do conceito exposto, verifica-se que a greve tem por características: coletividade, duração provisória, pacificidade e podendo abranger os funcionários em sua totalidade ou não.
Em relação à coletividade da greve, é um requisito necessário e previsto na Constituição ao ser mencionado o termo “competindo aos trabalhadores”, ou seja, explicitando que é necessária a manifestação conjunta de interesses.
Acerca do prazo de duração do movimento paredista, é importante ressaltar que não há um prazo máximo, pois, como bem salienta o Supremo Tribunal Federal (STF), a presença nas manifestações em busca de melhores condições de trabalho não caracteriza falta grave, nem sequer faltas injustificadas, sendo estendido este direito aos servidores públicos a teor da Súmula 316 (BRASIL, 2016).
A súmula veio para regular e esclarecer uma controvérsia existente que dizia respeito à greve e ao abandono de emprego, pois, nos termos do artigo, 482, inciso I do Decreto-Lei nº 5452 de 1 de maio de 1943 (BRASIL, 1943), CLT, as faltas injustificadas pelo período consecutivo de 30 (trinta) dias configura abandono de emprego.
Em relação ao período de duração da greve, a lei de greve (BRASIL, 1989) estabelece (artigo 11) que o sindicato dos trabalhadores deverá comunicar com 72 (setenta e duas) horas de antecedência em caso de serviços de natureza essencial, ou em 48 (quarenta e oito) horas de antecedência nas hipóteses de serviços não essenciais. A ausência de comunicação prévia enseja em abusividade do movimento grevista e na sua consequente declaração de ilegalidade.
A greve deve se constituir em suspensão de natureza coletiva, ou seja, não será considerada greve se apenas um funcionário paralisar suas atividades, mesmo que com a finalidade de melhoria das condições de trabalho. Deve ser, também, temporária, e não definitiva, na medida em que, se for por prazo indeterminado, poderá caracterizar abandono de emprego, constituindo justa causa para despedida.
Quanto à paralisação total ou parcial dos grevistas em seus postos de trabalho, esta é uma prerrogativa assegurada por lei aos trabalhadores na busca de paridade de armas nas relações de trabalho, bem como de melhorias nas condições laborais.
Sobre estas características, Mauricio Godinho Delgado propõe:
A figura paredista tem traços característicos destacados. Trata-se essencialmente, do caráter coletivo do movimento; da sustação provisória de atividades laborativas como núcleo desse movimento, embora, às vezes associada a atos positivos concertados; do exercício do direito de coerção, que representa; dos objetivos profissionais ou extraprofissionais a que serve; do enquadramento variável de seu prazo de duração (regra geral, suspensão contratual, podendo, entretanto, convolar-se em interrupção) (DELGADO, 2014, p. 1475).
Deste modo, a greve é um importante instrumento jurídico na luta de classes e forças entre o empregado e empregador, ou seja, hipossuficiente e detentor do poder.
No que tange à classificação e aos tipos de greve existentes, Vólia Bomfim Cassar (2016) pondera que existem doze tipos de greve, quais sejam: a) greve de ocupação ou de habitação; b) yellow-dog-contracts; c) greve de braços caídos ou greve de tartarugas; d) greve branca; e) greve de rodízio ou rotativa; f) greve intermitente; g) greve de padrão ou greve de zelo ou operação padrão; h) greve de solidariedade; i) greve de fome; j) greve geral; K) greve selvagem; l) greve política.
A greve de ocupação ou de habitação ocorre quando os funcionários que aderiram à greve invadem a empresa para impedir a produção ou o desenvolvimento do trabalho dos outros funcionários que se recusaram a aderir ao movimento. Este tipo de greve é considerado abusiva, e para que o empregador possa ter restabelecido o seu domínio sobre a sua propriedade, o STF através da edição da Súmula Vinculante 23 (BRASIL, 2009) firmou a competência da justiça do trabalho para ações possessórias em virtude da ocorrência de movimento paredista, por exemplo, em caso de greve e invasão à empresa, deverá o empregador propor ação de reintegração de posse frente à Justiça do Trabalho.
Para Cassar (2016), o movimento Yellow-dog-contracts ainda não é conhecida no Brasil e ocorre quando o serviço fica suspenso nas empresas que contratam seu quadro de funcionários com salários ou condições inferiores às condições mínimas estabelecidas em contratos coletivos.
A greve de braços caídos ou operação tartaruga é tida por Nascimento (2007) como uma forma de “greve branca”, não declarada e que consiste na redução do trabalho sem que os trabalhadores deixem o serviço, normalmente utilizada nos serviços públicos e para este autor, não é considerada uma espécie real de greve.
Por sua vez, a greve de rodízio é percebida por Mario Pinto (1965) como uma forma de paralisação pouco a pouco, onde dentro da empresa para primeiramente um setor e posteriormente outro, estabelecendo-se paralisações em cadeia, afetando o desenvolvimento do trabalho e a cadeia de produção.
Neste sentido, Mario Pinto (1965) analisa que a greve intermitente é aquela que sofre suspensões e posteriormente retorna, enquanto a greve padrão consiste no excesso de zelo empregado na atividade, de modo a retardar a produção e atrapalhar o desenvolvimento do trabalho.
A greve de solidariedade é a greve que se insere em outra empreendida por outros trabalhadores, devendo haver relação de interesses entre as categorias. Para este tipo de greve, Cassar (2016) pondera pela sua ilegalidade e flagrante abusividade, pois a greve tem de ser deflagrada para benefícios de sua categoria e não da categoria de outros empregados.
A greve de fome é aquela em que os grevistas não se alimentam para chamar a atenção das autoridades. A greve geral é a paralisação de uma ou mais classes de obreiros e com âmbito nacional. Por fim a greve política é dirigida contra o Poder Público em busca de reivindicações não passíveis de negociação coletiva. Neste sentido, Vólia Bomfim Cassar (2016) reconhece a abusividade desta última espécie.
Antes de jurídico, a greve é um fenômeno da sociologia, tendo surgido antes da regulamentação dos direitos trabalhistas. Carlos Alberto Barata Silva (1973) explica que em caráter etimológico a palavra “greve” é derivada do francês grève, que significa “gravetos”. Os trabalhadores franceses do século XVII, infelizes com as condições de trabalho que lhe eram impostas, reuniram-se em praças de Paris, momento em que suspendiam as atividades e juntavam gravetos trazidos pelas enchentes do Rio Sena.
Amauri Mascaro Nascimento (2007) afirma que a greve possui raízes na idade antiga, especificamente no século XII a.C., no que se chamou de “greve das pernas cruzadas”, ocorrida no Egito.
Acerca dos direitos básicos à época em que as greves despontaram, Rinaldo Rapassi (2005), entende que apesar da Revolução Francesa tenha favorecido a igualdade e a liberdade, princípios revolucionários da época ao lado do sentimento de fraternidade, a burguesia européia não se preocupava em assegurar os direitos mínimos que fossem de empregados de qualquer natureza, o que auxiliou ferrenhamente na luta de classes.
Acerca dos objetivos do movimento grevista, Arnaldo Süssekind (2004, p. 473) pondera que estes devem ter claramente cunho relacionado à relação de emprego e devem ter a possibilidade de serem tratados em sede de convenção ou acordo coletivo, laudo arbitral ou sentença normativa de tribunal do trabalho.
No plano internacional, o direito de greve é considerado como condição de garantia fundamental da classe trabalhadora, de acordo com João Humberto Cesario (2011), pois a ementa 363 do Comitê de Liberdade Sindical da Organização Internacional do Trabalho- OIT, assegura que:
EMENTA 363 – O direito de greve dos trabalhadores e suas organizações constitui um dos meios essenciais de que dispõem para promover e defender seus interesses profissionais.
EMENTA 364 – O comitê sempre estimou que o direito de greve é um dos direitos fundamentais dos trabalhadores e de suas organizações, unicamente na medida em que constitui meio de defesa de seus interesses (OIT, 2016).
No Brasil, José Luiz Ferreira Prunes (1988) pondera que as primeiras paralisações de trabalhadores ocorreram no tempo da escravatura, e em 1858 no estado do Rio de Janeiro os tipógrafos que laboravam para o ente estatal aderiram à greve para melhoria salarial e de condições de trabalho.
No início a greve não era tratada nas constituições, tendo aparecido pela primeira vez na Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 10 de novembro de 1937 prevista como um recurso antissocial, ou seja, como um delito:
Art 139 - Para dirimir os conflitos oriundos das relações entre empregadores e empregados, reguladas na legislação social, é instituída a Justiça do Trabalho, que será regulada em lei e à qual não se aplicam as disposições desta Constituição relativas à competência, ao recrutamento e às prerrogativas da Justiça comum.
A greve e o lock-out são declarados recursos anti-sociais nocivos ao trabalho e ao capital e incompatíveis com os superiores interesses da produção nacional (BRASIL, 1937).
Com o passar dos anos e o advento da Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 18 de setembro de 1946, o exercício de greve enfim foi reconhecido como um direito dos trabalhadores, todavia mediante um reclame constitucional: uma lei para regular este direito:
Art. 158 - É reconhecido o direito de greve, cujo exercício a lei regulará (BRASIL, 1946).
Com a Constituição de 1988, o direito de greve foi amplamente debatido e tratado, sendo elevado tal direito ao status de direito fundamental, bem como sua aplicação foi ampliada atingindo os servidores públicos, ultrapassando as barreiras da iniciativa privada. Como efeito da constitucionalização e legalização da greve, estabeleceu que a lei (específica, que posteriormente criou-se a Lei nº 7783/1989) definirá os serviços ou atividades essenciais e disporá sobre o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade, mas sujeitando os abusos cometidos e seus responsáveis às penas da lei.
A Lei nº 7.783/89 que surgiu após a conversão da Medida Provisória nº 59 de 26 de maio de 1989 na atual lei de greve, foi criada para estabelecer os ditames do exercício do direito de greve para os trabalhadores da iniciativa privada, a teor do artigo 9º da CRFB/88.
É importante salientar quanto à aplicabilidade da Lei nº 7783/1989 aos servidores públicos civis que o STF no ano de 2007 decidiu pela aplicabilidade da mencionada lei ao setor público, ante a ausência de legislação específica por omissão do legislador, alterando a jurisprudência da década de 1990, conforme Delgado
O Supremo Tribunal Federal, de todo modo, em 2007, embora não se referindo ao conceito de regra de eficácia contida, porém à omissão legislativa, alterou sua jurisprudência construída nos anos de 1990, determinando a aplicação da Lei n. 7783/89 à área pública, nesta temática, até que seja editada a lei específica que se fala o artigo 37, VII, do Texto Magno (DELGADO, 2014, p. 1490).
Na doutrina pátria a greve dos servidores públicos não é questão pacífica, principalmente entre os visionários de direito público e os do direito privado. Os autores de direito público entendem que o direito a greve fere premissas basilares do direito administrativo, como supremacia do interesse público sobre o privado e continuidade dos serviços públicos. Nesta perspectiva, Süssekind (2004) aduz que a continuidade dos serviços públicos e regularidade são princípios atinentes e essenciais para a prestação do serviço público e para a atividade administrativa.
Na contramão deste pensamento, os doutrinadores do direito privado entendem a greve como um direito constitucionalmente reconhecido e, portanto, plenamente possível, atrelado à dignidade do trabalhador. Nesta linha de raciocínio, Süssekind expõe que
[…] poderá ser a Lei 7.783/89 invocada por analogia nas greves de servidores públicos, naquilo que não for incompatível com a natureza e os objetivos do serviço público (SÜSSEKIND, 2004, p. 468).
Assim, verifica-se que na legislação brasileira, apesar de ausente lei específica quanto ao direito de greve dos servidores públicos, os tribunais superiores têm ventilado matérias de aceitação da deflagração do movimento paredista por estas pessoas, embora na doutrina ainda exista o conflito entre o direito público e o direito privado.