A crise econômica brasileira aumentou o número de inadimplentes com a Administração Fiscal, ocasionando, por consequência, a ampliação da dívida pública. Como forma emergencial de conter o avanço da crise, o Governo Federal promove programas de recuperação de crédito.
Desta forma, o objeto central do presente trabalho é auferir a legitimidade do ato administrativo que determina a exclusão do contribuinte do parcelamento, quando verificado que o pagamento das antecipações ocorreram em código distinto do solicitado.
O programa de regularidade tributária é um benefício fiscal concedido pela Administração Pública ao contribuinte, para que este promova a extinção dos seus débitos vencidos de forma gradativa, em observância aos princípios da preservação da empresa e da conservação dos interesses públicos.
Via de regra, o gozo do benefício está condicionado à adesão ao programa via sistema eletrônico e ao pagamento mensal das antecipações, que deve ser calculada pelo próprio contribuinte, a partir do valor consolidado dos seus débito há época do pedido do parcelamento, aplicado as reduções concedidas, dividido pelo número de prestações escolhido.
Entretanto, a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional-PGFN tem determinado, no momento da consolidação do débito, a exclusão dos contribuintes do programa de parcelamento, quando identifica algum erro formal no pagamento das antecipações.
A conduta praticada pela Administração Pública padece de ilegalidade, uma vez que o contribuinte efetua durante anos o pagamento mensal sem ser cientificado de qualquer impropriedade na escolha da modalidade ou do código do recolhimento. O que gera o estado de crença de agir em conformidade com as normas que regulam o parcelamento e que os pagamentos estão ocorrendo de forma correta, em completo estado de boa-fé.
O instituto da boa-fé atua como regulador das relações públicas e privadas, nas relações entre a Administração Pública e seus administrados o princípio atua como importante elemento para aferição da legitimidade do ato administrativo. Dentre suas funções primordiais está o de conservar os vínculos firmados, baseado nos subprincípios da confiança, lealdade e verdade, os quais constituem seus elementos materiais.
O erro na adesão ao parcelamento é ocasionado pela complexidade do conjunto normativo do benefício fiscal e do próprio sistema eletrônico do órgão, sem mencionar que a adesão é realizada, exclusivamente, pelo contribuinte, sem qualquer orientação/participação de um agente fiscal.
A falha formal cometida jamais terá o condão de ocasionar a exclusão do parcelamento, dado seu caráter instrumental a obrigação principal, qual seja, o pagamento da parcela. Isso porque a legislação é clara ao estabelecer que a consolidação somente será obstada nos casos em que haja antecipações inadimplentes.
Fato esse não ocorrido nos casos de pagamento efetuado em código errado. Pois tal imprecisão não retira a validade dos pagamentos efetuados, visto que realizado a pessoa pública correta, União Federal.
Assim, é irrelevante o código do recolhimento, uma vez que tais valores, indubitavelmente, adentram aos cofres públicos, ou seja, alcançam à sua finalidade primordial. Como se nota, não há prejuízo para o fisco, o que torna desarrazoada e desproporcional o ato administrativo que determina a rescisão do parcelamento.
Na visão do Ministro Luís Roberto Barroso, os citados princípios são um valioso instrumento de proteção dos direitos fundamentais, ao permitir o controle dos atos administrativos e por funcionar como medida na interpretação de outra norma no caso concreto.
Em outras palavras, os Princípios da Razoabilidade e Proporcionalidade devem ser utilizados como pedra de toque na aplicação de uma norma ao caso concreto, a fim de definir o seu alcance e real finalidade, que não é outra senão a satisfação dos interesses coletivos e defesa das garantias fundamentais.[1]
Por tais razões, é fácil perceber o desequilíbrio entre o equívoco cometido pelo contribuinte, pagamento efetuado no código errado, e o ato administrativo que determina a rescisão do parcelamento. Ainda mais quando a legislação apenas autoriza a rescisão nas hipóteses em que ocorra o atraso de 3 (três) prestações consecutivas ou intercaladas ou ainda no caso de atraso de uma prestação estando as demais pagas.
É imperioso observar que o equívoco é de menor monta, não essencial à relação jurídica estabelecida entre as partes. Logo, nada mais justo e jurídico que o contribuinte prossiga no parcelamento, relativizando a exigência de meio, eis que cumprido o seu fim, o pagamento da prestação ao ente público correto.
Portanto, não há motivo razoável para barrar o parcelamento, ainda mais quando existe a convicta vontade de pagar o débito. Em contrapartida, viola a moral e ao bom senso condicionar a permanência no parcelamento ao pagamento da prestação efetuadas no código errado, quando a mudança para o código correto pode ser realizada por meio do REDARF.
O equívoco ocorrido não infringe nenhuma das regras do programa e a permanência no parcelamento é a única conduta que compatibiliza o direito do contribuinte de quitar os seus débitos com a pretensão do fisco de receber os seus créditos.
O formalismo excessivo não pode se sobrepor à verdade material, que são: a manifestação do contribuinte de parcelar os seus débitos, o pagamento das antecipações e a ausência de prejuízo à Administração Pública.
É preciso perceber que o contribuinte não tem condições financeiras de pagar o débito em única parcela, sendo o parcelamento a única esperança de solver suas dívidas com a Administração Pública e retirar a pesada “cruz” de devedora do fisco federal.
Por fim, é importante notar que ambas as partes se beneficiam com o parcelamento, o Fisco com o aumento na arrecadação tributária e a redução dos litígios, que sobrecarregam a máquina pública. Já o contribuinte conquista sua regularidade fiscal, obtém a suspensão da exigibilidade do débito e, por conseguinte, o direito a certidão positiva com efeito de negativa, tornando novamente apto a contratar com a Administração Pública.
É completamente injusto punir o administrado que se comportou com hombridade durante o programa, observando os requisitos legais para o gozo do benefício fiscal, inclusive, o recolhimento das antecipações. Portanto, não se mostra razoável nem proporcional que, em casos excepcionais como o estudado, o contribuinte seja excluído do parcelamento.
NOTA
[1] Barroso, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo – São Paulo : Editora Saraiva, 2009. Pg. 305