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Responsabilidade Civil do Estado por falha de supervisão

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29/05/2019 às 14:44
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2.PRESSUPOSTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR FALHA DE SUPERVISÃO

2.1.A conduta lesiva da entidade

A administração pública prossegue o interesse público. Com vista à realização dos seus fins, não raras vezes a Administração pública recorre a entidades jurídico privadas para a persecução de fins públicos. Ora, essas entidades são conferidas poderes públicos por meio da concessão, dentre outras formas.

 No exercício de poderes de autoridade são lhe aplicáveis normas de direito público, conforme resulta do disposto no nº 2, do artigo 3, da Lei de Procedimento Administrativo, aprovado pela lei 14/2011, de 10 de Agosto. Neste contexto, as entidades concessionárias no exercício do poder deautoridade integram o conceito amplo de agentes do Estado. Ora, o Estado deve proceder a supervisão das actividades dessas entidades, na medida em que exercem funções públicas.

Como pessoa jurídica, o Estado manifesta a sua vontade por meio de seus agentes cuja atuação é suscetível de causar danos aos administrados, decorrentes do risco ou da prática de actos comissivos, sejam eles matérias ou actos jurídicos, ou ainda de omissões.

Cumpre ressaltar, que a palavra ``agente´´ aludida tanto no texto constitucional moçambicano (nº 2, do art. 58) e aqui referida, deve ser entendida em sentido amplo, englobando todas as pessoas encarregues de realizar alguma actividade pública, como nos elucida Maria Sylvia Zanella Di Pietro, ao referir que a mesma ``...abrange todas as categorias, de agentes políticos, administrativos ou particulares em colaboração com a Administração, sem interessar o título sob o qual prestam serviço[20]´´.

Os atos perpetrados por estes agentes vinculam e são imputados ao ente jurídico personificado Estado, sendo, esta relação entre vontade e ação do Estado e de seus agentes, uma imputação direta do querer e agir dos agentes ao Estado no âmbito da relação orgânica, pois mesmo que uma determinada atividade tenha sido mal realizada pelo agente, entende-se que assim o Estado quis, ainda que haja querido mal[21].

No entanto, incumbe ao Estado como entidade que concede o exercício de poderes públicos a entidades privadas, fazer a supervisão, havendo falha de supervisão, e por meio dela haja permitido que a actuação da entidade concessionária cause danos aos administrados o estado deve ser chamado a responsabilização pela falha de supervisão.

2.2.O Dano

É doutrina assente, jurisprudência estabelecida e direito consagrado, que o dano constitui um dos pressupostos para existência da responsabilidade civil. Sem a existência de dano, não se pode equacionar o problema da responsabilidade civil, uma vez que não havendo dano, consequentemente, não existirá o que reparar[22].

A simples conduta seja ela ilícita ou inadequada, sem a verificação de um prejuízo ou dano não pode dar azo à responsabilidade civil, tanto na violação de outros direitos, como em casos de violação dos direitos, liberdades e garantias fundamentais, como de forma categórica assevera Jorge Miranda ``não se vê, porém, como possa haver responsabilidade sem prejuízo – e prejuízo subjetivado[23]´´. Dai que a atual Constituição da República de Moçambique, no nº 1, do seu artigo 58, foi incisiva ao referir que ``A todos é reconhecido o direito de exigir, nos termos da lei, indenização pelos prejuízos que forem causados pela violação dos seus direitos fundamentais´´, deixando claro a necessidade de existência de prejuízos para se chamar a colação o instituto da responsabilidade civil do Estado. Nestes termos, só se poderá demandar o Estado quando a sua conduta violadora dos direitos fundamentais tenha causado danos à vítima.

2.2.1.O conceito e características do dano patrimonial e do dano moral indenizável

Jorge Mosset Iturraspe considera o dano como um mal, um contravalor,  que em certa medida se padece com dor, posto que nos diminui e reduz; tira de nós algo que era nosso, do qual tínhamos gozo ou tirávamos proveito, que constituía nossa integridade psíquica ou física, as possibilidades de acréscimo ou novas incorporações[24].

A noção acima apresentada se mostra bastante ampla, incorporando todo e qualquer dano patrimonial ou moral que ocorra dentro da esfera jurídica do particular. Todavia, não é qualquer dano que gera a obrigação do poder público indenizar, como bem adverte Cahali ao referir que, não basta a simples preterição do interesse econômico[25] para nascer à obrigação de indenizar[26]. O dano indenizável deve apresentar determinadas características essenciais, como seja, ser certo, específico, anormal e futuro[27]. Para além das características elencadas, outros autores acrescentam que o dano deve representar à lesão a um direito da vitima[28].

Ora, ao se exigir que o dano ressárcivel tenha a peculiaridade de ser certo, significa que o dano deve ser exato, quer dizer, não um simples dano hipotético, como assinala Santos

...deve haver certeza quanto à própria existência do dano, presente ou futuro, embora seu montante de indenização ainda seja passível de determinação. A incerteza não é indenizável, quando não se tem nenhuma segurança de que vá existir, em alguma medida, não passando de uma mera possibilidade de dano. Por isso, a simples ameaça ou o simples perigo de um dano, não é suficiente para a sua configuração[29].

Nesse passo, o dano pode se repercutir na esfera jurídica do particular de forma imediata ou frustrando expectativas de ganhos ulteriores, denominando-se respectivamente, dano emergente (damnum emergens) e lucros cessantes (lucrum cessans). Fernando Pessoa Jorge aponta que ``o primeiro constitui uma diminuição efetiva do patrimônio, o segundo representa o não aumento deste, ou seja, a frustração de um ganho[30]´´. Na mesma esteira, entende Santos, ao referir que o dano emergente é o que se verifica quando o prejuízo recai sobre um ganho, mola propulsora do empobrecimento, enquanto que quando a perda diz respeito a uma utilidade esperada, ao impedimento de aumento de patrimônio ou frustração de ganhos estaremos em face de lucros cessantes[31].

Com efeito, Cretella Junior sintetiza referindo que ``verifica-se no dano, sempre, o desequilíbrio sofrido pelo sujeito de direito, pessoa física ou jurídica, atingida no patrimônio ou na moral, em consequência da violação da norma jurídica por fato ou ato alheio[32]´´. Subjaz da lição dada pelo autor supracitado, que a lesão aos direitos fundamentais, podem constituir gravames que se repercutem no patrimônio (Danos patrimoniais) da vítima ou podem afetar a esfera extrapatrimonial (danos morais), sendo que os primeiros atingem bens e interesses capazes de serem avaliados em dinheiro, enquanto que os interesses atingidos no segundo caso, não são suscetíveis de avaliação pecuniária[33].

2.3.O Nexo causal

Para que haja responsabilidade civil extracontratual do Estado por lesão aos direitos fundamentais, não basta apenas a ocorrência do dano. A doutrina é unanime em considerar que, é necessário a existência de um liame entre o resultado danoso e a conduta lesiva do Estado, por forma a emergir a responsabilização daquele.

A análise do nexo de causalidade mostra-se pertinente, na medida em que permite demonstrar, por um lado, o fato constitutivo de responsabilidade, e de outro o problema da extensão do dano[34], quer dizer, no primeiro plano estabelece o liame entre o agente responsável pela conduta e o dano verificado, no segundo plano quais os gravames que devem ser suportados pelo agente, autor do fato lesivo. Quando é que, juridicamente, um fato deve ser considerado causa de um determinado evento danoso.

No âmbito da Responsabilidade Civil, várias foram às teorias que tentaram explicar o problema da determinação do nexo de casualidade, destacando-se a teoria da equivalência das condições ou também considerada de teoria da conditio sine quan non, que parte do conceito de casualidade apresentado por John Stuart Mill, sendo introduzida no direito por Von Buri, cujas ideias mestres se resumem no fato de considerar causa de um evento todas as condições, sejam elas positivas ou negativas que concorrem para a ocorrência do dano, isto é, qualquer condição que seja essencial para a verificação do dano (sem a qual o dano não se verificaria), pois todas as condições equivalem-se, o que a torna não aceitável dado os  absurdos que conduziria[35]. 

Neste prisma, Antunes Varela ressalta que, para que haja responsabilidade ``exige-se entre o fato e o dano indenizável um nexo apertado do que a simples coincidência ou sucessão cronológica[36]´´.  

Dadas às limitações da teoria da equivalência das condições, uma nova solução destacou-se, a teoria da causa próxima com forte influência anglo-saxônica, cuja ideia basilar prende-se com o fato de considerar como causa do resultado danoso a circunstância que a precede diretamente, ou seja, a última condição[37]. Para os defensores dessa teoria, a verdadeira e única causa do prejuízo será a que, no conjunto das demais condições, cronologicamente, for à última antes da verificação do dano, tornando indenizável, sob esta ótica, apenas os danos diretos, ficando os indiretos sem reparação.

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Ante as limitações apresentada por esta teoria, a doutrina procurou fora desta teoria à solução para o problema do nexo de casualidade, procurando circunscrever os prejuízos, não a última condição, mas a causa adequada da sua produção. Antunes Varela assevera que ao jurista cabe analisar ``o ponto de vista em que o direito se deve colocar para selecionar, entre as várias condições de certo evento danoso, as que legitimam a imposição, ao respectivo autor, a obrigação de indenizar[38]´´.

Assim, o conceito de causa será dado na perspectiva jurídica, partindo-se da premissa de que a causa de um dano deve representar, no caso concreto, condição necessária ou adequada para produção do dano[39], a chamada teoria da casualidade.

O cerne desta teoria é o fato de considerar que para recair sobre alguém a obrigação de indenizar, não basta que o evento lesivo seja condição (sine qua non) do dano, é necessário que, em geral ou em abstrato, o fato seja uma causa adequada do dano[40]. Ora, o fato deve ser idôneo para causar o dano dentro do curso normal das coisas, dai designar-se causa (objetivamente) adequada do dano[41].

Das diversas variantes da teoria da casualidade adequada, a formulação amplamente preferível pela doutrina é a que considera como causa (adequada) de um dano, aqueles resultados lesivos que constituem uma consequência normal, típica e provável do evento constitutivo de responsabilidade[42]. No mesmo sentido, entende Inocêncio Galvão Telles ao assinalar que

a ação que é condição ou pressuposto de um dano deixa de ser, e só deixa de ser, sua causa, sob o prisma do direito, quando com ela concorra, para a produção do dano, uma circunstância anômala ou extraordinária, sem a qual não haveria um risco, maior do que o comum, de o prejuízo se verificar[43].         

Importa referir que não é necessário que o ofensor possa prever os danos para que o evento lesivo seja considerado causa adequada do dano, o ponto fulcral é que o fato seja causa (objetivamente) adequada da produção do resultado danoso, segundo os fundamentos acima esmiuçados.

Como se pode vislumbrar do acima referido, a imputação é marcada por critérios objetivos, visto o elemento central é que o evento lesivo seja causa (objetivamente) adequada para a produção do resultado na medida em que, sem este elemento, não se estabelece o nexo de causalidade[44].

Em Moçambique a questão do nexo de causalidade vem consagrada no artigo 563º do CC, com a epigrafe nexo de causalidade, estatuindo que ``A obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão´´. Tomando este dispositivo à letra da lei, pode se pensar que o legislador consagrou a teoria da equivalência das condições, pois pode iludir o intérprete a pensar que quem deu azo ao evento lesivo teria de suportar toda uma cadeia de danos que fossem condicionados pela sua conduta.

Contudo, recorrendo ao espírito da lei bem como a uma análise mais atenta do referido preceito legal, é possível reconstituir o pensamento legislativo, encontrando um mínimo de correspondência no texto da lei. Neste contexto, subjaz daquele preceito que o legislador ao empregar o termo ``provavelmente´´, a lei remete a uma questão de probabilidade, o que significa acolher a tese da causalidade adequada, na medida em que a causa adequada é aquela que gravando o risco de produção, o torna mais provável[45].

Por outro lado, a conclusão de que o código Civil acolhe a teoria da causalidade adequada, resulta também dos trabalhos preparatórios, que, releva de modo inequívoco que se quis consagrar naquele preceito a teoria da causalidade adequada, fazendo-se apelo ao prognostico objetivo[46]. Assim, para VARELA, ``o autor do fato só será obrigado a reparar aqueles danos que não se teriam verificado sem esse fato e que, abstraindo deste, seria de prever que não se tivesse produzido[47]´´. É preciso reconhecer que a formulação usada no texto não é muito feliz, o que pode levar a alguns equívocos, como acima se referiu.

           

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Sobre o autor
Aurélio Adelino Bernardo

Pesquisador da área de Direito Público

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BERNARDO, Aurélio Adelino. Responsabilidade Civil do Estado por falha de supervisão. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5810, 29 mai. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/67706. Acesso em: 2 nov. 2024.

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