3.ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA NO ESTADO PÓS-MODERNO E A RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR FALHA DE SUPERVISÃO
O Estado pós-moderno é caracterizado pela não existência da centralidade do Estado, dilui-se o papel do Estado substituindo-se a grande estrutura hierárquica por uma estrutura de rede[48].
Com efeito, o modelo clássico de Estado em que apresenta um Governo central é substituído pelo conceito de governação em que existe uma participação de diversos actores no processo de tomada de decisão. Assim, o poder no Estado pós-moderno é um ``poder difuso´´[49], pois o Estado é pluralista existindo diversas entidades públicas e privadas que participam do processo de gestão pública, assumido o Estado as feições de um Estado descentralizado e fragmentado.
Outrossim, em contraposição ao Estado tradicional que era central e controlador, o Estado central é apenas orientador regulador da actividade das diversas entidades públicas e privadas que exercem actividades de gestão pública.O Estado adopta funções de supervisão por meio da regulação das actividades dos diversos actores no exercício da função administrativa, bem como, por meio da regulação da concorrência.
Ademais, o estado tornou-se protector contra o desmantelamento do Estado social, ou seja, o Estado define as políticas públicas com vista a proteger os cidadãos do fim da solidariedade social, tendo em conta os direitos adquiridos.
No que tange a prestação de serviços públicos pela administração é marcado pela característica da Administração pública adoptar parcerias públicos-privadas em que o Estado tem um papel subsidiário, ou seja, de supervisor e regulador. É um estado descentralizado, guiado por princípios da Nova Gestão Pública (New Public Management).
A prestação de serviços públicos, ou de natureza pública a pessoas jurídicas de direito privado, se realiza de vários modos, como a delegação, por meio das sociedades mistas, e a concesão, ou a permissão quando pessoas jurídicas privadas desempenham as actividades públicas.
A Administração pública transfere grande parte das suas actividades com escopo de garantir a satisfação das necessidades colectivas para as pessoas jurídicas privadas que passam prestar serviços de caráter público. Assim, as pessoas jurídicas privadas passam a desempenhar funções de natureza pública, cabendo ao Estado o exercício da supervisão e fiscalização das actividades desempenhadas por estas entidades.
As entidades concessionárias são um dos ``braços´´ da Administração pública, fazendo parte do termo agente, descrito no artigo 58da Constituição da República de Moçambique, pois o termo agente encontra-se encontra-se em sentido amplo abarcando todas entidades prestadoras de serviço público. No mesmo diapasão, a Lei de Procedimento administrativo, aprovado pela lei 14/2011, de 10 de Agosto estabelece no número 2, do artigo 3, que ``a lei é ainda aplicável aos actos praticados por entidades concessionárias, no exercício de poderes de autoridade´´, ou seja, aplica-se as entidades concessionárias os mesmos preceitos aplicáveis a formação de vontade da administração pública. Neste prisma, nos termos no artigo 13, da lei em referência aplica-se o princípio da responsabilização da Administração Pública pelos danos causados pelos seus agentes, sendo o mesmo dispositivo legal aplicável às entidades concessionárias.
Assim, os danos causados pelas entidades concessionárias, no exercício de poder de autoridade acarretam a responsabilidade do Estado, sujeitando-se a ser chamado para o devido ressarcimento. A esse respeito Rizzardo, ensina que ``os danos que os agentes dessas pessoas jurídicas privadas provocarem a terceiros ficam amparados com a reparação pelo próprio Estado e pelos causadores directos, caso tenham agido com culpa[50].
Ora, por um lado, a responsabilidade do Estado assenta-se na falha de supervisão sobre a actividade das entidades jurídicos privadas que exercem funções públicas, na medida em que o Estado deve a todo momento garantir que a função pública esta sendo exercida dentro dos parâmetros legais e sem causar danos aos particulares. Por outro lado, a responsabilidade do Estado assenta-se no facto de se tratar de funções de natureza pública, sendo de interesse de toda a colectividade, não devendo o dano injusto causado no interesse da colectividade ser suportado por uma pessoa ou por um grupo de pessoas, isto é, é resultado da consagração do Estado de Direito Democrático em que o Estado tal como as demais pessoas jurídicas é sujeito de direitos e de deveres, bem como por força do princípio da igualdade em que todos danos afectam a esfera jurídica dos particulares em função da actuação lesiva de todas entidades, no exercício do poder de autoridade devem ser repartidos por todas os cidadãos.
É neste prisma que o Estado na época pós-moderna deve ser mais eficaz no processo de fiscalização e regulação das actividades das entidades jurídicas privadas no exercício de poderes de autoridade, evitando desta forma que o erário público seja sacrificado em função da incúria das entidades concessionárias.
No entanto, a grande questão de debate é de saber se os particulares poderão demandar directamente as entidades concessionárias ou deve necessariamente demandar o Estado para obter reparação dos danos sofridos. Sobre esta questão nada obsta que o particular opte por demandar directamente a entidade jurídica privada para obter ressarcimento nos termos gerais da responsabilidade civil extracontratual. Porém, se o Estado for demando por falha na supervisão poderá ressarcir integralmente os danos e posteriormente exigir o direito de regresso.
Como se pode depreender, o estado responde solidariamente pelos danos causados pelas pessoas jurídicas privadas no exercício de poderes de autoridades. A responsabilidade civil do estado por falha de supervisão é aferida após um trabalho árduo de hermenêutica jurídica, recorrendo a diversos diplomas legais. Aliado a isso, a responsabilidade civil do estado actualmente ela é subjectiva é necessário que haja um acto ilegal para que o estado possa ser demandado.
Neste prisma, a redacção do artigo 58 da Constituição da República de Moçambique, devia ser mais clara e expressa referindo que O Estado e demais pessoas jurídicas de direito público e de direito privado prestadoras de serviços públicos são responsaveis pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.
Considerações Finais
O conceito de Estado Democrático de Direito se articula com o objeto da nossa pesquisa, pois resulta do entrosamento entre a soberania do Estado e os direitos dos particulares, antes tidos como pertencentes a polos antagônicos. É inegável que a sua construção exprime a limitação e vinculação jurídica do Estado e se encontre umbilicalmente ligado à concretização e proteção dos direitos particulares. Dessa articulação emergem os fundamentos da Responsabilidade Civil do Estado.
A responsabilidade civil do Estado é, portanto, corolário da submissão do Poder Público ao direito, e consequente atribuição de uma esfera de direitos e deveres. Igualmente, constitui uma importante garantia dos cidadãos ante a atividade estatal lesiva aos seus direitos, no geral.
A responsabilidade civil do Estado teve a sua gênese no Direito Privado, mas ganhou novos contornos no Direito Público, onde em face dos privilégios do Poder Público estabeleceu-se uma proteção especial ao cidadão de índole objetiva. Todavia, ainda mantém pontos de contato com a sua origem no Direito Privado, mormente, no que tange ao estabelecimento do nexo causal e a classificação e avaliação dos danos.
O Estado pós-moderno tem características próprias, distintas do estado moderno de poder centralizado, pois é um estado descentralizado e adopta essencialmente as funções de supervisão, uma vez que diversas entidades jurídicos privadas exercem actividades de autoridade pública. No entanto, os danos causados por essas entidades privadas no exercício de poder de autoridade levam que o Estado possa ser demandado por falhas no processo de supervisão, por um lado, e por outro pelo facto daquelas entidades desempenharem funções públicas.
Todavia, o Estado conserva sempre o direito de regresso contra o causador ou os causadores dos danos. Essa conclusão depreende-se do plasmado no artigo 58 da Constituição da República de Moçambique, bem como no número 2, do artigo 3 da Lei de Procedimento Administrativo e em última análise pela consagração do Estado de direito democrático.
Neste prisma, a redacção do nº 2, do artigo 58 da Constituição da República de Moçambique, que estabelece que ``O Estado é responsável pelos danos causados por actos ilegais dos seus agentes, no exercício das suas funções, sem prejuízo do direito de regresso´´, devia ser alterada, para abarcar as situações de responsabilidade por factos lícitos e tornar-se mais clara e expressa referindo que O Estado e demais pessoas jurídicas de direito público e de direito privado prestadoras de serviços públicos são responsaveis pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.
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