A recente reforma trabalhista (Lei 13.467/17) tem gerado muita discussão doutrinária sobre o marco temporal da aplicabilidade de suas normas processuais. É que para alguns operadores do Direito a aplicação seria imediata, para outros as normas ritualísticas da reforma somente atingiriam os processos ajuizados após novembro de 2017, quando ultrapassada a vacatio legis.
O debate é relevante, pois em clima de insegurança jurídica surgiram algumas decisões judiciais que conflitavam inclusive com a Carta Magna Brasileira, em especial o disposto no art. 5º, XXXVI que determina: “A Lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”. Questiona-se também que alguns julgamentos afrontaram o princípio trabalhista da proteção ao trabalhador, que se dá, entre outros, por meio da aplicação da norma mais favorável.
A polêmica principal residia nos processos que estavam em curso quando da entrada em vigor da Reforma.
Para elucidar a matéria é necessário analisá-la sob o manto das regras que regem o Direito Intertemporal, ramo da ciência jurídica que analisa a entrada em vigor de uma nova lei e seus efeitos sobre relações jurídicas pretéritas, atuais e vindouras.
O Direito Intertemporal processual faz a análise através de 03 teorias ou sistemas. O sistema da unidade processual que considera o processo como uma unidade jurídica, que só pode ser regulado por uma única lei, a antiga ou a nova, de modo que a antiga teria de se impor, para não ocorrer a retroação da nova, com prejuízo dos atos já praticados até a sua entrada em vigor. O sistema das fases processuais, que distingue fases processuais autônomas, como a postulatória, probatória, decisória, recursal e de execução, cada uma suscetível de ser disciplinada por uma lei diferente. E ainda o sistema de isolamento dos atos processuais que afasta a aplicação da lei nova em relação aos atos já encerrados e seus efeitos, aplicando-se apenas aos atos processuais a serem ainda praticados. Esse último é o sistema amplamente aceito e adotado no Brasil.
Em maio de 2018, a Comissão de Regulamentação da Lei 13.467/2017, presidida pelo Excelentíssimo Ministro Dr. Aloísio Correa da Veiga, do C.TST, explicitou de forma clara e precisa o marco temporal dos principais dispositivos processuais da nova CLT, segundo a visão daquela Corte.
Suas conclusões foram levadas ao Pleno do C.TST (21/06/18), que aprovou a Instrução Normativa 41/2018, onde consta que a vigência das normas processuais é imediata, contudo, não alcança atos iniciados ou consolidados antes da reforma trabalhista (art. 1º).
A instrução normativa não possui poder vinculante, entretanto, demonstra como a última instância trabalhista se posicionará em suas decisões, e de certa forma traz aos operadores do Direito um norte a ser seguido, e uma maior segurança jurídica na aplicação das normas processuais.
Da leitura da citada Instrução Normativa se cogita de uma possível junção dos sistemas da unidade processual e do isolamento dos atos processuais, pois o art. 1º determina que a aplicação das normas processuais previstas na Consolidação das Leis do Trabalho é imediata, contudo, sem atingir situações pretéritas iniciadas ou consolidadas sob a égide da lei revogada e, no mesmo Diploma, verbi gratia, o artigo 12 determina que os artigos 840 e 844, §§ 2º, 3º e 5º da CLT, com as redações dadas pela reforma, não retroagirão, aplicando-se exclusivamente às ações ajuizadas a partir de 11 de novembro de 2017.
Embora a aplicação das normas processuais, regra geral, tenha efeito imediato, no caso da legislação trabalhista há pontos a considerar e ponderar, pois na raiz da legislação laboral, incluindo o direito processual, é nítida a proteção ao hipossuficiente. Nesta toada, a lei obreira jamais poderia retroagir para prejudicar o trabalhador, incluindo suas disposições processuais.
Na própria exposição de motivos da Consolidação das Leis do Trabalho se verifica o intuito de harmonizar a relação do empregado (hipossuficiente) com o empregador (poder econômico), com vistas a diminuir o contraste entre a força do capital e a força do trabalho, portanto a norma reconhece desde o seu nascimento que a balança da relação jurídica tutelada era desequilibrada, e o Estado através do Decreto Lei 5.452/1943 procurou exatamente igualar polos tão desiguais por meio de um tratamento protetivo do trabalhador.
Conclui-se, portanto, que a elaboração da Instrução Normativa 41/2018 não representou um resgate do sistema da unidade processual, nem mesmo parcialmente, mas tão somente foi cercada de prudência hermenêutica, levando em consideração todo o histórico da legislação trabalhista na aplicação da proteção ao trabalhador, não apenas no aspecto do direito material, mas também no direito processual.