5 NEGOCIAÇÃO COLETIVA NAS RELAÇÕES DE TRABALHO: ACORDO E CONVENÇÃO COLETIVA
O acordo e convenção coletiva são instrumentos negociais decorrentes das negociações coletivas. O primeiro deles é o negócio jurídico extrajudicial efetuado entre sindicato dos empregados e uma ou mais empresas, no qual se estabelecem condições de trabalho entre as partes (CASSAR, 2017, p. 1268). Está regulamentado no parágrafo primeiro do artigo 611 da CLT (BRASIL, Consolidação das Leis do Trabalho, 2018, p. s/n), que permaneceu após a Reforma Trabalhista, conforme se vê abaixo:
§1º É facultado aos Sindicatos representativos de categorias profissionais celebrar Acordos Coletivos com uma ou mais empresas da correspondente categoria econômica, que estipulem condições de trabalho, aplicáveis no âmbito da empresa ou das acordantes respectivas relações de trabalho.
A Convenção Coletiva, por outro lado, é um negócio jurídico extrajudicial pactuado entre o sindicato dos empregados e o sindicato dos empregadores, onde se regula condições de trabalho para toda a categoria (CASSAR, 2017, p.1268). Henrique Correia (2018, p. 689) de igual modo, aduz que a convenção é um instrumento normativo decorrente da negociação entre sindicatos de empregados e da categoria econômica, que atinge todo o âmbito das respectivas representações.
Seu conceito está previsto no artigo 611 (BRASIL, Consolidação das Leis do Trabalho, 2018, p. s/n) da Consolidação das Leis do Trabalho:
Art. 611. Convenção Coletiva de Trabalho é o acordo de caráter normativo pelo qual dois ou mais sindicatos representativos de categorias econômicas e profissionais estipulam condições de trabalho aplicáveis, no âmbito das respectivas representações, às relações individuais de trabalho.
Nessa esteira, Cassar (2017, p. 1268) aduz que a convenção coletiva cria normas jurídicas autônomas que visam regulamentar situações futuras. De forma abstrata, entende-se que essas normas jurídicas são capazes de produzir lei entre as partes negociantes. Por outro lado, em sentido formal, as convenções são acordos entre os sindicatos, que criam normas jurídicas entre eles.
O que se conclui é que, enquanto no acordo coletivo figuram em seus pólos o sindicato dos empregados de determinada categoria e a respectiva empresa, na convenção, integram o sindicato dos empregados e no outro lado, o sindicato dos empregadores. Este fato acarreta em uma maior amplitude para a convenção coletiva, visto que abarcam todas as empresas e empregados representados por aqueles sindicatos.
Da leitura do relatório do anteprojeto da nova lei (2017, p. 25), pauta-se a necessidade de trazer segurança jurídica ao direito do trabalho, principalmente entre o que foi pactuado entre as partes – empregado e empregador. É o que se vê no trecho do relator do projeto:
É a possibilidade de que a negociação coletiva realizada por entidades representativas de trabalhadores e empregadores possa prevalecer sobre normas legais, em respeito à autonomia coletiva da vontade. De fato, a justificação do projeto menciona que o seu objetivo com tal medida é a de “garantir o alcance da negociação coletiva e dar segurança ao resultado do que foi pactuado entre trabalhadores e empregadores.
De igual forma, é afirmado no relatório que não há mais como negar a liberdade às pessoas, que não se pode mais insistir em teses que defendem que o Estado é quem ordena o que a sociedade deve fazer.
Pois bem, essa inovação trazida pela Reforma Trabalhista passa a permitir que sindicatos de empregados e empresários possam estipular condições de trabalho, mesmo que piores do que o mínimo previsto em lei. Tal mudança é uma afronta à diretriz constitucional da dignidade da pessoa humana, além de corromper a CLT e o princípio da vedação ao retrocesso social.
E é isso o que se denota da redação do novo artigo 611-A da Consolidação das Leis do Trabalho, instituído pós Lei 13.467: “Art. 611-A - A convenção coletiva e o acordo coletivo de trabalho têm prevalência sobre a lei...”
Não obstante o que determina o artigo supramencionado, dispõe ainda o artigo 8º, § 3º da lei que promoveu a Reforma:
§3º No exame de convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho, a Justiça do Trabalho analisará exclusivamente a conformidade dos elementos essenciais do negócio jurídico, respeitado o disposto no artigo 104 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), e balizará sua atuação pelo princípio da intervenção mínima na autonomia da vontade coletiva.
Percebe-se que o legislador buscou dar maior credibilidade aos acordos entre sindicatos do que em relação à lei, vez que acaba limitando a avaliação do Poder Judiciário quanto ao conteúdo dessas convenções. (MANUS, 2017, VLEX)
Portanto, segundo a lei novel, o Juiz do Trabalho ficará restrito a analisar a legitimidade da parte, o objeto e a forma adotada.
O artigo 611-A da CLT (BRASIL, Consolidação das Leis do Trabalho, 2018, p. s/n) prevê que a convenção ou acordo coletivo terão prevalência sobre a lei, quando dispuserem sobre alguns tópicos, o que se faz necessário citar:
I – pacto quanto à jornada de trabalho observados os limites constitucionais;
II – banco de horas anual;
III – intervalo intrajornada, respeitado o limite mínimo de trinta minutos para jornadas superiores a seis horas;
IV – adesão ao Programa Seguro Emprego;
V – plano de cargos, salários, funções compatíveis com a condição pessoal do empregado, bem como identificação dos cargos que se enquadram como funções de confiança;
VI – regulamento empresarial;
VII – representante dos trabalhadores no local de trabalho;
VIII – teletrabalho, regime de sobreaviso, e trabalho intermitente;
IX – remuneração por produtividade, incluídas as gorjetas percebidas pelo empregado, e remuneração por desempenho individual;
X – modalidade de registro de jornada de trabalho;
XI – troca do dia de feriado;
XII – enquadramento do grau de insalubridade;
XIII – prorrogação de jornada em ambientes insalubres, sem licença prévia das autoridades competentes do Ministério do Trabalho;
XIV – prêmios de incentivo em bens ou serviços, eventualmente concedidos em programas de incentivo;
XV- participação nos lucros ou resultados da empresa;
Nitidamente, a inclusão do novo artigo afetará futuras negociações ou acordos coletivos. Da leitura do caput do referido artigo, percebe-se a contrariedade ao princípio da legalidade e da reserva legal. No entanto, da simples leitura dos incisos, é possível concluir que este vem a ferir os trabalhadores em alto nível, de modo a infringir o princípio da dignidade da pessoa humana.
Correia (2018, p. 1650) segue o mesmo entendimento:
Tendo em vista que a Reforma Trabalhista não trouxe nenhum tipo de salvaguarda do trabalhador no art. 611-A da CLT, haveria violação ao princípio da vedação ao retrocesso social diante de ampla negociação coletiva. Não houve, portanto, a garantia do mínimo essencial ao empregado, pois há mudanças que, inclusive, versam sobre segurança e saúde do trabalhador (insalubridade, por exemplo), o que não deve ser admitido, tendo em vista possibilitar uma alteração em prejuízo do trabalhador, reduzindo o núcleo estruturante do Direito do Trabalho.
Trata-se de uma nova legislação que atende aos interesses empresariais; que abdica toda a história de luta e opressão dos trabalhadores em busca de uma vida digna.
Delegar aos sindicatos, que muitas vezes são despreparados, a deliberação sobre graus de insalubridade sem qualquer respeito aos padrões do Ministério do Trabalho e quanto à prorrogação de jornada em ambientes insalubres, sem qualquer autorização do órgão regulador trata-se uma verdadeira agressão aos preceitos constitucionais. É justamente neste juízo que Correia (2018, p. 1649) aduz que, no Brasil, os sindicato dos trabalhadores, muita das vezes, estão submissos ao poder econômico dos empregadores.
Nesse sentido, o Ministério Público do Trabalho se manifestou em nota técnica, afirmando que o novo artigo 611-A da CLT, ofende o propósito da negociação coletiva prevista na Constituição Federal. Ou seja, o novo artigo é contrário ao que prevê a Constituição, pois nesta, o objetivo é que com acordos e convenções coletivas, a classe obreira possa conquistar outros direitos que melhorem sua condição social e do trabalho.
A Organização Internacional do Trabalho – OIT, também se manifestou acerca do artigo 611-A trazido pela Reforma Trabalhista. A manifestação ocorreu no Relatório do Comitê de Peritos da OIT (MIZIARA, OS TRABALHISTAS 2018). Acerca do assunto, foi lembrado a respeito de três Convenções específicas, sendo elas as de nº 98, 151 e 154, que trataram sobre a negociação coletiva.
Quanto a essas convenções, cumpre trazer à baila alguns artigos referentes ao tema.
Na Convenção nº 98 da OIT, o artigo 4º diz o seguinte:
Deverão ser tomadas, se necessário for, medidas apropriadas às condições nacionais para fomentar o promover o pleno desenvolvimento e utilização dos meios de negociação voluntária entre empregadores ou organizações de empregadores e organizações de trabalhadores com o objetivo de regular, por meio de convenções, os termos e condições de emprego.
De outro viés, o artigo 5º da Convenção 154 aduz que “deverão ser adotadas, por parte do Estado, medidas adequadas às condições nacionais no estímulo à negociação coletiva”.
Por este ângulo, ao criticar a introdução do artigo novel, o Comitê advertiu que o verdadeiro objetivo das convenções é o de promover a negociação coletiva com o propósito de trazer termos e condições laborais mais favoráveis aos estabelecidos pela lei.
Resta claro a desobediência do referido artigo 611-A às Convenções da Organização Internacional do Trabalho, aos Princípios do Direito do Trabalho e à própria Constituição Federal.
Quando o legislador brasileiro permite que os termos ajustados por Acordo ou Convenção Coletiva de Trabalho se sobreponham ao que dispõe a Lei, ele simplesmente abandona qualquer teoria sobre o princípio da proteção e da norma mais favorável.
O que se tem é o fato de que o legislador reformista incluiu o artigo 611-B que, diferentemente do artigo 611-A, traz um rol taxativo de matérias que não poderão ser objetos de convenção ou acordo coletivo. Quanto ao exposto, se faz necessário citá-lo:
Art. 611-B. Constituem objeto ilícito de convenção coletiva ou de acordo coletivo de trabalho, exclusivamente, a supressão ou a redução dos seguintes direitos:
Algo que chama atenção neste artigo é o que diz o parágrafo único: “Regras sobre duração do trabalho e intervalos não são consideradas como normas de saúde, higiene e segurança do trabalho para os fins do disposto neste artigo”.
Cassar (2017, p. 601) ao fundamentar o capítulo que trata sobre duração do trabalho diz o seguinte:
As regras de medicina e segurança do trabalho envolvem os períodos de trabalho, os de descanso e as condições de trabalho. São normas imperativas que estabelecem direitos de ordem pública, impedindo as partes de renunciar, transacionar ou dispor de qualquer benesse que a lei tenha concedido ao empregado.
As normas de saúde, higiene e segurança do trabalho buscam atender a necessidade física, psíquica e psicológica do homem. Há um interesse social em proteger a vida do trabalhador, preservando a sua dignidade como pessoa. É injustificável tentar convencer o cidadão, por meio de uma norma legal, de que a redução dos intervalos e o aumento de jornada em nada se relacionam com seu direito de proteção à saúde, higiene e segurança do trabalho.