Título: marco civil da internet - neutralidade de rede e liberdade de expressão

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23/07/2018 às 11:06
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O presente artigo tem como objetivo tratar sobre a neutralidade de rede (net neutrality) e a liberdade de expressão, mais especificamente analisando a Lei Federal nº 12.965, de 23 de abril de 2014.

"Se me coubesse decidir se deveríamos ter um governo sem jornais ou jornais sem um governo, eu não hesitaria um momento em preferir a segunda alternativa."

Thomas Jefferson (1743-1826, segundo presidente dos Estados Unidos)

RESUMO: O presente artigo tem como objetivo tratar sobre a neutralidade de rede (net neutrality) e a liberdade de expressão, mais especificamente analisando a Lei Federal nº 12.965, de 23 de abril de 2014, conhecida como Marco Civil da Internet, e que estabelece em seu texto princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da Internet no Brasil. O artigo também trará o posicionamento atual do Poder Judiciário brasileiro em relação à liberdade de expressão quando em conflito com a lei federal 12.965/14.

PALAVRAS-CHAVE:Neutralidade de Rede; Marco Civil da Internet; Liberdade de Expressão; Liberdade de Expressão na Constituição Federal; Posição do Poder Judiciário sobre a questão da liberdade de expressão na Internet.


INTRODUÇÃO

O presente artigo tem como objetivo tratar sobre a neutralidade de rede (net neutrality) e a liberdade de expressão, mais especificamente analisando a Lei Federal nº 12.965, de 23 de abril de 2014[1], conhecida como Marco Civil da Internet, e que estabelece em seu texto princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da Internet no Brasil.

A neutralidade de rede é tratada no inciso IV, do artigo 3º, e no Capítulo III, da Lei Federal nº 12.965/2014, ao passo que a liberdade de expressão é tratada nos artigos 2º, 3º, 8º, 19, do referido diploma legal.

O artigo 9º da Lei Federal nº 12.965/2014 (Marco Civil da Internet) estabelece tratamento isonômico aos fornecedores de acesso à internet (neutralidade de rede) e, como mencionado alhures, há dispositivos próprios tratando sobre a liberdade de expressão.

A questão principal que se coloca é saber se a neutralidade de rede traz uma liberdade de expressão plena para o uso da Internet no Brasil?

Para buscar responder esse questionamento, o presente artigo será dividido nos seguintes tópicos: 1) a neutralidade de rede; 2) o Marco Civil da Internet; 3) liberdade de expressão na Constituição Federal; 4) a neutralidade de rede traz uma liberdade de expressão plena para o uso da Internet no Brasil?; 5) Internet – liberdade de expressão – e a posição do Poder Judiciário; e 6) Conclusão.


A NEUTRALIDADE DE REDE

A sociedade vem evoluindo cada vez mais e a Internet e as novas mídias têm papel fundamental nesses avanços.

O sociólogo espanhol Manuel Castells é um dos pioneiros a estudar os efeitos e reflexos da chamada “Sociedade em Rede”, conceituando-a como:

 “(...) uma estrutura social baseada em redes operadas por tecnologias de comunicação e informação fundamentadas na microeletrônica e em redes digitais de computadores que geram, processam e distribuem informação a partir de conhecimento acumulado nos nós das redes”.[2]

A Internet e as novas mídias diferenciam-se de outros meios de comunicação por suas novas formas de interação e participação, e não mais por um perfil passivo de receber informações (exemplo: TV).

Nas palavras de Jorge Sampaio, ex-Presidente de Portugal, “com a internet e os meios de comunicação em tempo real, é notório, ainda, que vem ocorrendo alguma recomposição de rotinas, solidariedades grupais, práticas culturais e expectativas das gerações mais jovens; e tudo indica que o informacionalismo está a atingir, com efeitos precisos, os sistemas de valores, crenças e representações com os quais nos orientamos e aprendemos a pensar-nos a nós próprios e aos outros”[3].

Feita essa breve introdução, é necessário saber o que é a chamada neutralidade de rede (net neutrality) – fundamental para essa nova sociedade em rede.

O que é a neutralidade de rede?

Conforme nos ensinam os professores Iirneu Francisco Barreto Junior e Daniel César, “a paternidade do conceito da Neutralidade da Rede é devida ao professor Tim Wu, da Universidade de Columbia e teve o Chile como primeiro país a trazer para o seu ordenamento jurídico pátrio tal preocupação com a Neutralidade da Rede no ano de 2010. Em 2012 a Holanda foi o segundo país a inserir em seu ordenamento jurídico, trazendo que os prestadores e provedores estão proibidos de bloquear ou reduzir a velocidade de serviços ou aplicações na Internet, sendo permitidas práticas que minimizem os efeitos de congestionamento de tráfego, preserve a integridade e segurança da rede, restrinjam envio de spam e deem cumprimento a alguma determinação legal”[4].

O professor de Direito de Internet e Mídia na Universidade de Sussex, no Reino Unido, Christopher Marsden, é conhecido por ser um tradicional defensor da neutralidade da rede,  e escreveu em sua obra Net Neutrality: Towards a Co-regulatory Solution que garantia de acesso do usuário à Internet com a Neutralidade de Rede possui dois elementos: um “positivo”, com maior qualidade de serviço, correspondendo a preços maiores, desde que fossem estabelecidos de forma justa e igualitária; e “negativo”, com a prática de degradação intencional do serviço pelo(s) provedor(es) de acesso, com consumidores que tentassem obter vantagem em suas conexões[5]

No ordenamento jurídico pátrio, de acordo com o disposto no artigo 9º, da Lei Federal 12.965/2014 (Marco Civil da Internet), “o responsável pela transmissão, comutação ou roteamento tem o dever de tratar de forma isonômica quaisquer pacotes de dados, sem distinção por conteúdo, origem e destino, serviço, terminal ou aplicação”, ou seja, corolário do princípio da isonomia na transmissão de pacotes de dados sem qualquer tipo de distinção.


O MARCO CIVIL DA INTERNET

A Lei Federal nº 12.965, de 23 de abril de 2014, estabelece princípios, garantias, direitos e deveres par o uso da Internet no Brasil e determina as diretrizes para atuação da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios em relação à matéria (art. 1º).

O artigo 2º, da lei 12.965/2014 traz expressamente que “a disciplina do uso da internet no Brasil tem como fundamento o respeito à liberdade de expressão, bem como: I – o reconhecimento da escala mundial da rede; II – os direitos humanos, o desenvolvimento da personalidade e o exercício da cidadania em meios digitais; III – a pluralidade e a diversidade; IV – a abertura e a colaboração; V – a livre iniciativa, a livre concorrência e a defesa do consumidor; e VI – a finalidade social da rede”.

E como princípios o artigo 3º da lei 12.965/2014 elencou os seguintes:

“I – garantia da liberdade de expressão, comunicação e manifestação de pensamento, nos termos da Constituição Federal;

II – proteção da privacidade;

III – proteção dos dados pessoais, na forma da lei;

IV – preservação e garantia da neutralidade de rede;

V – preservação da estabilidade, segurança e funcionalidade da rede, por meio de medidas técnicas compatíveis com os padrões internacionais e pelo estímulo ao uso de boas práticas;

VI – responsabilização dos agentes de acordo com suas atividades, nos termos da lei;

VII – preservação da natureza participativa da rede;

VIII – liberdade dos modelos de negócios promovidos na internet, desde que não conflitem com os demais princípios estabelecidos nesta Lei.”

Os incisos I e IV são os que nos interessam na análise deste artigo, pois tratam sobre a garantia da liberdade de expressão, comunicação e manifestação de pensamento (inciso I) e preservação e garantia da neutralidade de rede (inciso IV).


LIBERDADE DE EXPRESSÃO NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL

A Constituição Federal de 1988 protege expressamente a liberdade de expressão, a liberdade de informação, de imprensa e a manifestação do pensamento – intelectual, artístico, científico etc.:

“(...) Art. 5º. (...)

IV – é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;

(...)

IX – é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica ou de comunicação, independente de censura ou licença;

(...)

XIV – é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional;”

“(...) Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.

§ 1º Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV.

§ 2ª É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística”.

Como muito bem delineado pelo Ministro Luís Roberto Barroso do Supremo Tribunal Federal, “as liberdades de expressão, informação e imprensa são pressupostos para o funcionamento dos regimes democráticos, que dependem da existência de um mercado de livre circulação de fatos, ideias e opiniões. Existe interesse público no seu exercício, independentemente da qualidade do conteúdo que esteja sendo veiculado. Por essa razão, elas são tratadas como liberdades preferenciais em diferentes partes do mundo, em um bom paradigma a ser seguido”.[6]

E ainda, na mesma decisão, o Ministro Roberto Barroso da Suprema Corte faz menção à decisão do STF na ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) nº 130, que teve a relatoria do Ministro Ayres Britto[7], de onde se extrai:

“(...) Logo, não cabe ao Estado, por qualquer dos seus órgãos, definir previamente o que pode ou o que não pode ser dito por indivíduos e jornalistas”.

E mais, do que se extrai do acórdão da ADPF 130 da Suprema Corte:

“(...) Ou, nas palavras do Ministro Celso de Mello, ‘a censura governamental, emanada de qualquer um dos três Poderes, é a expressão odiosa da face autoritária do poder público’.”

A liberdade de expressão é um princípio basilar do Estado Democrático de Direito. A jurisprudência da Suprema Corte é firme quanto a questão da liberdade de expressão e do pensamento:

“(...) A liberdade de expressão constitui-se em direito fundamental do cidadão, envolvendo o pensamento, a exposição de fatos atuais ou históricos e a crítica” (HC 83125, Relator(a):  Min. MARCO AURÉLIO, Primeira Turma, julgado em 16/09/2003, DJ 07-11-2003 PP-00093 EMENT VOL-02131-03 PP-00552).

Nas palavras do jurista Paulo Gustavo Gonet Branco, “a liberdade de expressão é um dos mais relevantes e preciosos direitos fundamentais, correspondendo a uma das mais antigas reivindicações dos homens de todos os tempos”[8].

E ainda de acordo com o renomado jurista, “a liberdade de expressão, enquanto direito fundamental, tem, sobretudo, um caráter de pretensão a que o Estado não exerça censura”.


LIBERDADE DE EXPRESSÃO - DECLARAÇÃO E CONVENÇÃO DAS QUAIS O BRASIL É SIGNATÁRIO

Registramos ainda que o artigo 13 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, da qual o Brasil é signatário, dispõe expressamente que:

“1. Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento e de expressão. Esse direito compreende a liberdade de buscar, receber e difundir informações e idéias de toda natureza, sem consideração de fronteiras, verbalmente ou por escrito, ou em forma impressa ou artística, ou por qualquer outro processo de sua escolha.

2. O exercício do direito previsto no inciso precedente não pode estar sujeito a censura prévia, mas a responsabilidades ulteriores, que devem ser expressamente fixadas pela lei e ser necessárias para assegurar:

a) o respeito aos direitos ou à reputação das demais pessoas; ou

b) a proteção da segurança nacional, da ordem pública, ou da saúde ou da moral públicas.

3. Não se pode restringir o direito de expressão por vias ou meios indiretos, tais como o abuso de controles oficiais ou particulares de papel de imprensa, de frequências radioelétricas ou de equipamentos e aparelhos usados na difusão de informação, nem por quaisquer outros meios destinados a obstar a comunicação e a circulação de idéias e opiniões.

4. A lei pode submeter os espetáculos públicos a censura prévia, com o objetivo exclusivo de regular o acesso a eles, para proteção moral da infância e da adolescência, sem prejuízo do disposto no inciso 2.

5. A lei deve proibir toda propaganda a favor da guerra, bem como toda apologia ao ódio nacional, racial ou religioso que constitua incitação à discriminação, à hostilidade, ao crime ou à violência”[9].

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E o artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, da qual o Brasil também é signatário:

“Todo o indivíduo tem direito à liberdade de opinião e de expressão, o que implica o direito de não ser inquietado pelas suas opiniões e o de procurar, receber e difundir, sem consideração de fronteiras, informações e idéias por qualquer meio de expressão”[10].


A NEUTRALIDADE DE REDE TRAZ UMA LIBERDADE DE EXPRESSÃO PLENA PARA O USO DA INTERNET NO BRASIL?

Como visto em capítulo anterior, a Lei Federal 12.965/2014 (Marco Civil da Internet) trouxe como fundamento o respeito à liberdade de expressão (art. 2º), e como um de seus princípios a garantia da liberdade de expressão, comunicação e manifestação pensamento, nos termos da Constituição Federal (art. 3º).

Diante do que se analisou até aqui, seria o caso de se questionar se a neutralidade de rede (art. 9º e segs. da Lei Federal 12.965/2014) trouxe uma liberdade de expressão plena para o uso da internet no Brasil?

Como disposto no artigo 3º da lei 12.965/2014, a liberdade de expressão, comunicação e manifestação, nos termos da Constituição Federal: “garantia da liberdade de expressão, comunicação e manifestação de pensamento, nos termos da Constituição Federal”.

A Constituição Federal de 1988 garante expressamente a liberdade de expressão, mas, como ensina a doutrina, há limites previstos na própria Carta Constitucional quando haja colisão com outros princípios e/ou direitos que tenham o mesmo status.

O jurista Paulo Gustavo Gonet Branco nos ensina que “o constituinte brasileiro, no art. 220 da Lei Maior, ao tempo em que proclama que não haverá restrição ao direito de manifestação de pensamento, criação, expressão e informação, dizendo, também, no § 1º, que “nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social”, ressalva que assim o será, “observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV”. Dessa forma, admite a interferência legislativa para proibir om anonimato (IV), para impor o direito de resposta e a indenização por danos morais e patrimoniais e à imagem (V), para preservar a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas (X), para exigir qualificação profissional dos que se dedicam aos meios de comunicação (XIII) e para que se assegure a todos o direito de acesso à informação (XIV). Prevê, também, a restrição legal à publicidade de bebidas alcoólicas, tabaco, medicamentos e terapias (art. 220, § 4º). Impõe, ainda, para a produção e a programação das emissoras de rádio e de televisão, o “respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família”, confiando à lei federal a tarefa de estabelecer meios para a defesa desses valores (art. 220, § 3º, II)”[11].

Pelo que se vê, a Constituição Federal de 1988 ao passo que garante o livre direito à liberdade de expressão, também garante ao indivíduo o direito à preservação da imagem e da honra (CF/88, inciso X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação).

Nessa esteira de pensamento o Supremo Tribunal Federal já decidiu que é necessário o equilíbrio entre os direitos fundamentais, não podendo a liberdade de expressão ser utilizada para a prática de atos ilícitos (HC 82424)[12].

Ou seja, quando há conflito com outros princípios e/ou direitos que tenham o mesmo status da liberdade de expressão, surgem limites, que estão previstos na própria Constituição Federal.

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Sobre o autor
Alexandre Pontieri

Advogado com atuação nos Tribunais Superiores (STF, STJ, TST e TSE), no Congresso Nacional (Câmara dos Deputados e Senado Federal) e, especialmente, no Conselho Nacional de Justiça (CNJ); Consultor da área tributária com foco principalmente no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF); Pós-Graduado em Direito Tributário pelo CPPG – Centro de Pesquisas e Pós-Graduação da UniFMU, em São Paulo; Pós- Graduado em Direito Penal pela ESMP-SP – Escola Superior do Ministério Público do Estado de São Paulo. Aluno Especial do Mestrado em Direito da UNB – Universidade de Brasília.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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