O legislador brasileiro optou, com acerto, ao alterar, atualizar e consolidar, recentemente, a legislação sobre direitos autorais, por manter a centralização da arrecadação e distribuição dos direitos relativos à execução pública de obras musicais, lítero-musicais e de fonogramas sob a responsabilidade de um único escritório central, cuja organização, direção e administração competeria às associações de titulares de direitos de autor, hoje em número de dez (ABRAMUS, AMAR, ANACIM, ASSIM, SABEM, SADEMBRA, SBACEM, SICAM, SOCIMPRO e UBC).
Segundo dispositivos da Lei nº 9610, de 19 de fevereiro de 1998, o escritório central não terá finalidade lucrativa (art. 99, § 1º), atuará em juízo e fora dele em seu próprio nome como substituto processual dos titulares de direitos de autor (art. 99, § 2º) e poderá ter suas contas fiscalizadas anualmente por auditor designado por sindicato ou associação profissional que congregue não menos de um terço dos filiados de uma associação de titulares de direitos autorais (art. 100).
Já existindo no Brasil, atuando há mais de duas décadas, uma associação com esse perfil, nada mais lógico que as sociedades de titulares de direitos de autor preferissem-na, encampando-a com a mesma denominação: Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (ECAD). Seria irracional que se renunciasse à experiência acumulada pelo ECAD ao longo de mais de vinte anos de atividades, sob a égide do diploma legal anterior (Lei nº 5988/73). Implicaria prejuízos irreparáveis aos lídimos interesses dos titulares de direitos autorais, se as sociedades a que estão filiados resolvessem, irracionalmente, abandonar uma estrutura montada, cuja atuação, se não alcança plenamente os objetivos esperados por eles, sem dúvida não é por sua culpa exclusiva. Por outro lado, posto que a Lei nº 9610/98 não tenha recepcionado taxativamente o ECAD, não impediu que o novo escritório central adotasse o mesmo nome do anterior.
Essa escolha não mereceu, porém, o voto unânime das dez associações de titulares de direitos de autor. O documento constitutivo do escritório central foi levado ao oficial do Registro Civil das Pessoas Jurídicas, no Rio de Janeiro, apenas com as assinaturas dos representantes da ABRAMUS, AMAR, SOCIMPRO e UBC. As demais se omitiram e quatro destas (ANACIM, ASSIM, SABEM e SADEMBRA) pretendem organizar outro escritório de arrecadação, denominado Central Nacional de Direitos de Execução (CNDE). Daí nasceu um impasse, que conflita com a disposição da lei, cuja clareza é meridiana, quando estabelece a obrigatoriedade do sistema de arrecadação centralizada, a cargo de um único escritório.
A situação vexatória demonstra, claramente, que as associações de titulares de direitos de autor não convivem harmoniosamente. Há muitos interesses em jogo, naturalmente por causa das potencialidades imensuráveis de arrecadação de direitos autorais no Brasil, decorrentes da execução pública de obras musicais. Por isso seus representantes se digladiam pelo poder. Contudo essas disputas internas entre as associações criam mais dificuldades à atuação de um escritório central que tem a atribuição legal de arrecadar e distribuir os proventos pecuniários a que fazem jus os titulares desses direitos.
A discussão sobre a validade do critério de aprovação do documento constitutivo do novo escritório central por apenas quatro das dez associações existentes deve pôr-se em evidência. Questiona-se a qualidade do voto, porque a lei não estipulou que um colegiado deliberasse por votos econômicos, mas ao explicitar que as associações manterão um único escritório central para a arrecadação e distribuição, em comum, dos direitos relativos à execução pública das obras musicais e lítero-musicais e de fonogramas (Lei nº 9610/98, art. 99, caput) deduz-se que, não havendo a unanimidade de votos para sua constituição, deveria prevalecer a posição da maioria votante. Todavia o critério de cada associação dispor de número de votos econômicos proporcionais ao quantitativo de direitos autorais distribuídos aos seus associados e representados, no ano civil imediatamente anterior, preponderou para que o estatuto fosse aprovado com a abstenção da maioria das associações, pois duas das sociedades signatárias do documento detinham os votos suficientes para sua aprovação. Resta a indagação para se saber se esse critério para aprovação do estatuto foi o mais justo, posto que legalmente não tenha sido estabelecido que a organização do escritório central ocorreria dessa maneira.
Ademais, ficou evidente a quem o lê atentamente que o estatuto do "novo" Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (ECAD), pelas imperfeições lingüísticas e técnicas que apresenta no seu texto, foi redigido de afogadilho. É lastimável que isso tenha acontecido, porque tal descuido depõe contra as próprias sociedades titulares de direitos de autor. Esse não é um documento interno, porque, sendo estatuto do ECAD, estará acessível não só ao público em geral, mas especialmente manusear-lhe-ão usuários de músicas, advogados e magistrados.
Aponto, de passagem, entre algumas, a imperfeição lingüística contida no seu art. 31, quando empregou-se a expressão suprir suas omissões, em lugar de suprimir suas omissões e, como imperfeição técnica, no art. 3º consta como atribuição do ECAD proibir a execução pública de obras musicais, lítero-musicais e de fonogramas, disposição que conflita especialmente com o art. 105 da Lei nº 9610/98. O ECAD não tem poderes para proibir a realização de um evento musical, mesmo que as associações de titulares de direitos de autor assim o queiram, porque essa competência é da autoridade judicial, conforme prescreve a lei. Quando houver a violação aos direitos daqueles a quem representa, poderá requerer, em juízo, a suspensão ou interrupção do uso desautorizado das obras musicais.