Capa da publicação O Estado policial e as fake news
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Estado policial. 2018: o ano fake news

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Por que tanta gente está estudando e debatendo o fascismo no Brasil?

2018 não terminará porque é o ano da mentira. Como Pinóquio, quanto mais avança mais cresce seu legado de engôdos, mentiras, trapaças, solta e prende, estica e puxa. É o próprio ano fake news.

Como parte do fake news, docentes que acusaram o abuso de poder na morte do reitor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) foram intimados pela Polícia Federal. Ao invés de se investigar as causas da morte (suicídio projetado) prefere-se a acusação de prática de calúnia.

O caso do reitor levado ao suicídio, depois de passar pela solitária em prisão de segurança máxima – e sem que respondesse por qualquer ato de desvio ou corrupção –, atirando-se de um shopping em Florianópolis, é o puro emblema.

Situações semelhantes, historicamente falando, foram apelidadas nos manuais de Ciência Política e de Direito Constitucional de Estado Policial. É um tipo especial de fascismo, e se tornou mais conhecido com o advento nazista. Seu “ideal” baseia-se na capacidade de o Poder Público gerir a cultura, as ações e os destinos dos “homens de bem”. Enquanto as forças armadas tradicionais ocupam-se das fronteiras externas, as polícias subalternizadas fecham as lacunas do direito sob a ação de uma “nova” hermenêutica do Império da Lei.

Como se deu isso? Primeiro, interpelando e interpretando a lei contra seu espírito inaugural; depois, outorgando-se “novas” leis. E, assim, padronizando-se seus seguidores e aplicadores cerceiam a democracia real.

Mas, o que isso tem que ver com a morte do reitor de Santa Catarina? Combina em dois motes: 1) saber se a ação policial desfechou o golpe de morte, ao condenar à morte simbólica no calabouço da Polícia Federal; 2) apurar porque os críticos desta ação fatal são agora fustigados pela mesma Polícia Federal sob a acusação de calúnia.

É meio espantoso para quem não dá devida atenção ao que ocorre no país, mas é objeto contínuo de análise para quem investiga o arbítrio crescente no pós-2016. Como dito anteriormente, primeiro se interpreta a lei contra seu espírito; depois os seguidores podem eleger presidente, congressistas e daí mudar o Estado de Direito por completo. É o que diz a história e a nossa realidade prosaica.

Em verdade mesmo, os detratores instigados pela Polícia Federal – após a morte do reitor – nem falaram abertamente sobre o abuso de poder que levou à tragédia completa. Em vídeo de três minutos, professores de Santa Catarina saudaram (com pêsames) os 57 anos da Universidade Federal. Nas imagens, há cartazes e faixas que acusam o abuso de poder atrás dos agora depoentes. Falam em homenagem ao reitor, prestam solidariedade, comovem-se com a perda, requerem dias melhores. Só isso.

No entanto, no ideal do Estado Policial – à frente das faixas ácidas de denúncias –, os policiais federais veem “fortes indícios” de cometimento e de instigação de outros crimes. Devem ser apurados, punidos no rigor da lei. Bom, basta dizer que todo e qualquer advogado, na defesa de seu cliente, que alegar abuso de poder da autoridade – impetrando Habeas Corpus, por exemplo – deveria ser autuado com imediata produção de provas contra si mesmo. Tanto quanto todos os magistrados ou membros do Ministério Público que concordassem com a soltura.

O próprio magistrado que relaxou a prisão do reitor, retirando-o do calabouço da segurança máxima, deveria ser autuado pela Polícia Federal. Pois, o magistrado assim agiu por entender que a prisão era demasiada, indevida. Ordenou prisão domiciliar – mas, inicialmente, sem direito a receber visitas de amigos e de familiares. Segundo depoimentos, este “ver o mundo pela janela”, depois de o ver pelas grades, acirrou a compulsão pela morte.

Em todo caso, a morte trágica do reitor (primeiro simbólica, depois física) reavivou o ensinamento acerca das implicações da “Morte do Direito”. Sem o direito – como caminho da democracia: universalidade, teleologia, perfectibilidade, previsibilidade – não vige o animal político. É o momento em que a Polis (a Política) se desliga, enquanto vida pública, da vida privada. No fundo, não é exatamente que não haja direito, há sim um direito interpelado pelo fascismo. Daí a segregação entre público e privado, ou de domínio total de um “certo” público sobre o privado – até o ponto em que se privam tragicamente as condições de sociabilidade, com o advento da morte como regularidade. No fascismo, a vida é póstuma – o que recai na “pena de morte”.

Em termos semelhantes, este modelo de Estado Policial foi ainda chamado de Estado Ideal ou de Estado Ético. No sentido de que uma “ética superior, total, uniforme, sem réplicas”, viria diretamente do Estado para regular a vida dos pobres mortais. Como máxima invenção da Humanidade, o Estado não poderia falhar. Não falhou mesmo, o reitor da UFSC que o diga.

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Sobre os autores
Marcos Del Roio

Professor. Livre-Docente do Departamento de Ciências Políticas e Econômicas da UNESP/Marília.

Vinício Carrilho Martinez

Pós-Doutor em Ciência Política e em Direito. Coordenador do Curso de Licenciatura em Pedagogia, da UFSCar. Professor Associado II da Universidade Federal de São Carlos – UFSCar. Departamento de Educação- Ded/CECH. Programa de Pós-Graduação em Ciência, Tecnologia e Sociedade/PPGCTS/UFSCar Head of BRaS Research Group – Constitucional Studies and BRaS Academic Committee Member. Advogado (OAB/108390).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DEL ROIO, Marcos ; MARTINEZ, Vinício Carrilho. Estado policial. 2018: o ano fake news. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5509, 1 ago. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/67977. Acesso em: 18 abr. 2024.

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