Na última semana (27/07/2018), foram amplamente divulgados pela imprensa[1][2] os valores gastos pelos Presidentes da Câmara e do Senado com viagens forçadas ao exterior, realizadas com o intuito de desobrigá-los a assumir a Presidência da República, fato que os tornaria inelegíveis para se recandidatarem aos cargos que já ocupam.
Segundo apurou o jornal O Estado de S. Paulo, os Presidentes de ambas as Casas gastaram cerca de R$ 250.000,00 de dinheiro público para preservar seus interesses privados de concorrer à reeleição nas Casas do Legislativo Federal. No caso do Deputado Federal Rodrigo Maia, as viagens visam preservar também, além de seu interesse, a condição de elegibilidade de seu pai, o político Cesar Maia[3], atual vereador na cidade do Rio de Janeiro e provável candidato ao Senado.
Toda esta questão jurídica se dá em razão dos comandos legais contidos na Constituição Federal e na Lei Complementar nº 64/90.
É que a Constituição Federal determina, nos §§ 5º e 6º, do art. 14 que quem houver substituído o Presidente da República – ainda que por um dia – caso venha a concorrer ao cargo de Presidente, será considerado como exercente do cargo naquele mandado, motivo pelo qual concorrerá à reeleição.
No mesmo sentido, por considerar como ocupante do cargo de Presidente aquele que o substituiu na cadeira, seria, também, considerado inelegível para concorrer a outros cargos, se a substituição tiver ocorrido seis meses antes do pleito, veja:
Art. 14 (...)
§5º O Presidente da República, os Governadores de Estado e do Distrito Federal, os Prefeitos e quem os houver sucedido, ou substituído no curso dos mandatos poderão ser reeleitos para um único período subseqüente. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 16, de 1997)
§6º Para concorrerem a outros cargos, o Presidente da República, os Governadores de Estado e do Distrito Federal e os Prefeitos devem renunciar aos respectivos mandatos até seis meses antes do pleito.
Por força do §7º do art. 14. da Constituição Federal, também são inelegíveis os parentes consanguíneos até o segundo grau do Presidente da República ou de quem os haja substituído dentro dos seis meses anteriores ao pleito, veja:
§7º São inelegíveis, no território de jurisdição do titular, o cônjuge e os parentes consangüíneos ou afins, até o segundo grau ou por adoção, do Presidente da República, de Governador de Estado ou Território, do Distrito Federal, de Prefeito ou de quem os haja substituído dentro dos seis meses anteriores ao pleito, salvo se já titular de mandato eletivo e candidato à reeleição.
A Lei Complementar nº 64/90, que estabelece casos de inelegibilidade, prazos de cessação e determina outras providências, também reproduz o comando Constitucional contido no §6º do art. 14, veja:
Art. 1º (...)
§1°Para concorrência a outros cargos, o Presidente da República, os Governadores de Estado e do Distrito Federal e os Prefeitos devem renunciar aos respectivos mandatos até 6 (seis) meses antes do pleito.
O objetivo do legislador constituinte, ao prescrever a inelegibilidade daqueles que ocupassem a Presidência da República nos seis meses anteriores ao pleito, foi o de evitar que, em assumindo a Presidência, os agentes pudessem praticar atos tendentes a lhes trazer benefícios políticos/eleitorais, ainda que tais atos fossem legais.
Questiona-se que a regra Constitucional que impõe a inelegibilidade em casos de substituição do Presidente da República em razão de viagens oficiais é desproporcional e existe até uma recente Proposta de Emenda à Constituição que visa alterar esta regra[4].
Entretanto, justo ou injusto, desproporcional ou não, este é comando contido em nossa Lei Maior e deve ser cumprido. É um munus público que pesa sobre aqueles que ocupam o cargo de Presidente da Câmara, Presidente do Senado e Presidente do Supremo Tribunal Federal.
O homem público sabe – ou, pelo menos, deveria saber – que as obrigações decorrentes do cargo público podem lhe trazer, em diversos casos, encargos na esfera de seus interesses privados.
No caso em análise, aquele que ocupa o cargo de Presidente da Câmara, Presidente do Senado ou Presidente do Supremo Tribunal Federal, sabe que, em caso de impedimento do Presidente será chamado ao exercício da Presidência da República; um dever de Estado que está obrigado a cumprir, salvo se estiver impedido, como é o caso de estar ou vir a estar fora do país em missão oficial da Casa que preside.
No entanto, o que não se pode conceber e admitir é que, para preservar o interesse privado de colocar seus nomes como candidatos à reeleição, os Presidentes da Câmara e do Senado forjem viagens oficiais às custas do dinheiro público com o objetivo precípuo de preservação de interesse pessoal para que não sejam alcançados pela inelegibilidade parcial.
Se, ao tomar conhecimento da notícia de viagem oficial do Presidente da República ao exterior, os Presidentes das Casas Legislativas também programam agendas oficiais fora do país com o deliberado ou dissimulado intuito de evitar a inelegibilidade para concorrer às reeleições dos cargos que ocupam, fica claro que pretendem se eximir de cumprir uma obrigação Constitucional para preservar um interesse pessoal; além do mais, o ato de programar uma viagem oficial para o exterior com o interesse primário de poder concorrer à reeleição – ainda que possa existir um real interesse público secundário – afronta o princípio constitucional da moralidade administrativa e causa flagrante dano ao erário.
Mutatis mutandis, quando o Supremo Tribunal Federal impediu[5] a Presidente Dilma Rousseff de nomear como Ministro-Chefe da Casa Civil o ex-presidente Lula, assentou que, não obstante lhe ser assegurado pela Constituição Federal o direito de nomear ministros de Estado, quando o fez, produziu resultado concreto de todo incompatível com a ordem constitucional em vigor, em flagrante desvio de finalidade, ou seja, para conferir foro privilegiado a Lula, o que o Ministro Gilmar Mendes chamou de “ilícito atípico”, que tem “aparência de legalidade”, mas “destoam da razão que a justifica, escapam ao princípio e ao interesse que lhe é subjacente”.
Portanto, o ato dos Presidentes do Senado e da Câmara dos Deputados de programar viagens oficiais, às custas do contribuinte, com o propósito de preservar interesse pessoal em detrimento do interesse público deve ser considerado ilegal por ser incompatível com o sistema Constitucional vigente, ferir o princípio Constitucional da Moralidade Administrativa e utilizar-se de recursos públicos no interesse meramente privado.
[1] Viagens 'forçadas' de presidentes da Câmara e do Senado já custam R$ 250 mil. Disponível em: <https://politica.estadao.com.br/noticias/eleicoes,viagens-forcadas-de-presidentes-da-camara-e-do-senado-ja-custam-r-250-mil,70002417669>. Acesso em: 30/07/2018
[2] De olho na eleições, Maia e Eunício gastam R$ 250 mil em 'viagens forçadas'. Disponível em: <http://ultimosegundo.ig.com.br/politica/2018-07-27/eleicoes-2018-maia-eunicio.html>. Acesso em: 30/07/2018
[3] Entenda por que Maia e Eunício viajam ao exterior sempre que Temer sai do país. . Disponível em: <https://g1.globo.com/politica/noticia/entenda-por-que-maia-e-eunicio-viajam-ao-exterior-sempre-que-temer-sai-do-pais.ghtml>. Acesso em: 30/07/2018
[4] DEM quer alterar regra que torna inelegível quem substituir presidente durante viagem. Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/poder/2018/07/dem-quer-alterar-regra-que-torna-inelegivel-quem-substituir-presidente-durante-viagem.shtml>. Acesso em: 30/07/2018
[5] STF - MC MS: 34070 DF - DISTRITO FEDERAL 0051789-90.2016.1.00.0000, Relator: Min. GILMAR MENDES, Data de Julgamento: 18/03/2016, Data de Publicação: DJe-054 28/03/2016