1. INTRODUÇÃO
Embora já esteja previsto em legislação a reserva de cotas raciais para pessoas da raça negra, este tema ainda é constantemente criticado, carecendo de estudos que visem convencer a população brasileira sobre a necessidade de tal prática, almejando com esta medida incluir os afrodescendentes na nossa sociedade, permitindo que os mesmos possam galgar cargos públicos e vagas nas universidades.
Diversos são os entendimentos sobre a legalidade da Lei 12.990/2014, tendo parte dos doutrinadores se posicionado contra tal legislação, e outro tanto julgado ser conveniente e justa a elaboração desta lei.
Logo, torna-se necessário uma abordagem sobre o tema em comento, haja vista o referido assunto ainda ser controverso e motivo de inúmeros questionamentos, não só pelos estudiosos, mas também por parcela significativa da nossa população.
2. DESENVOLVIMENTO
Nos dias atuais, existe uma grande discussão doutrinária a respeito da legalidade na separação de cotas raciais para determinados grupos étnicos, o que vem causando diversas divergências doutrinárias sobre a legalidade de tal prática.
Inicialmente cabe ressaltar que a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/88), estipula em seu artigo 5º que “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”, sendo assim, muitos entendem que a reserva de cotas raciais fere este preceito constitucional por tratar de forma desigual aqueles que aparentemente são iguais.
Para se debater sobre o possível entendimento das cotas serem uma espécie de privilégios aos negros, deve-se inicialmente levar em conta a segregação imposta a esta raça através dos anos desde o descobrimento do Brasil.
Estudos relatam que a escravidão no Brasil se perpetuou por aproximadamente quatro séculos, privando desta maneira 25 gerações de negros do acesso aos direitos sociais hoje assegurados.
Como se não bastasse este fato, o período pós-abolição veio acompanhado do processo de industrialização, onde ocorreram as visitas de inúmeras expedições científicas e artísticas europeias, as quais ajudaram a divulgar as diversas oportunidades existentes no Brasil, que vieram a desencadear uma enorme imigração em especial de italianos e alemães a fim de trabalharem na lavoura cafeeira e nas indústrias que aqui se instalavam.
Constata-se ainda que muitos destes imigrantes receberam auxílio do governo com o intuito de ocuparem nossas terras, a fim de se evitar possíveis invasões estrangeiras, povoando desta maneira quase toda a totalidade do nosso território.
Em contrapartida, com relação aos negros nunca existiu nenhum tipo de ajuda por parte do Estado brasileiro que visasse incluí-los na sociedade, impossibilitando assim sua inserção no mercado de trabalho, levando muitos a morarem junto com seus familiares em locais insalubres e inóspitos, iniciando deste modo a formação das primeiras favelas em nosso país.
Retornando ao tema central deste artigo, sobre a reserva de cotas para etnias, deve-se atentar para o objetivo final do princípio da igualdade, qual seja permitir que pessoas que tiveram condições diferentes, sejam tratadas de forma diferente, a fim de que assim finalmente se igualem, neste sentido escreve Nery Júnior (1999, p.42) que “Dar tratamento isonômico às partes significa tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na exata medida de suas desigualdades”.
Este tipo de ação afirmativa visa diminuir as desigualdades sociais, permitindo que pessoas que não tiveram acesso a uma educação de qualidade, possa num futuro possibilitar que seus descendentes evoluam, e tenham as mesmas condições dos demais, independentemente da raça.
Desta forma, a criação da Lei 12.990/2014 (Lei de Cotas), a qual estipula em seu artigo 1° que “Ficam reservadas aos negros 20% (vinte por cento) das vagas oferecidas nos concursos públicos para provimento de cargos efetivos e empregos públicos no âmbito da administração pública federal, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista controladas pela União”, almeja aplicar o princípio da isonomia, de acordo com os ensinamentos do professor Nery Júnior, tratando de forma diversa aqueles que tiveram ao longo da história oportunidades desiguais, permitindo assim que pessoas que tiveram poucas oportunidades ao longo da história possam hoje ocupar cargos públicos através de uma seleção entre aqueles que também passaram pelas mesmas privações.
Ressalta-se ainda que o Supremo Tribunal Federal decidiu por unanimidade, em 08 de agosto de 2017, a aprovação da Ação Declaratória de Constitucionalidade n° 41, em defesa da Lei de Cotas, seguindo todos os ministros por unanimidade o voto do relator, ministro Luís Roberto Barroso, que propôs “É constitucional a reserva de 20% das vagas oferecidas nos concursos públicos para provimento de cargos efetivos e empregos públicos no âmbito da administração pública direta e indireta. É legítima a utilização, além da autodeclaração, de critérios subsidiários de heteroidentificação desde que respeitada a dignidade da pessoa humana e garantidos o contraditório e a ampla defesa”.
A Lei 12.990/2014 visa exercer um dever histórico de inclusão social, decorrente da escravidão e do racismo existente ainda que de forma oculta na sociedade brasileira até os dias atuais, neste sentido afirmou o ilustre ministro Barroso que “É uma reparação histórica a pessoas que herdaram o peso e o custo social e o estigma moral, social e econômico que foi a escravidão no Brasil e, uma vez abolida, entregues à própria sorte, sem condições de se integrarem à sociedade”.
Outra questão diz respeito a um Embargo que questionava se a Lei de Cotas deveria ser estendida às Forças Armadas, sendo decidido em 12 de abril de 2018 pelo STF, que a obrigatoriedade da reserva de 20% de vagas para os negros deveria incluir também este órgão sui generis, alegando o ministro Barroso que “não há particularidade inerente às atribuições exercidas nas Forças Armadas que possam justificar, por qualquer razão, um tratamento diferenciado daquele dado por toda a Administração direta e indireta à aplicação de cotas”.
Afirmou ainda o ilustre magistrado que “A aplicação das cotas em concurso público possibilita a construção de uma burocracia representativa, mais atenta aos problemas e particularidades dos diferentes segmentos sociais”.
Sendo assim, observa-se conforme entendimento do nosso STF, que a Lei de Cotas deve ser aplicada a todos os órgãos públicos, sem distinção dos poderes ou categorias aos quais pertençam, almejando assim que todas as raças possam se fazer presentes no funcionalismo público.
3. CONCLUSÃO
Com a criação da Lei 12.990/2014 (Lei de Cotas), constata-se finalmente um esforço dos nossos governantes em diminuir a desigualdade social existente no Brasil entre negros e brancos, por motivo de seu passado histórico, ao buscar facilitar o acesso dos negros aos cargos públicos e universidades.
Coube ao STF, através de seu posicionamento, ao aprovar a Ação Declaratória de Constitucionalidade n° 41, pacificar as divergências existentes sobre a legalidade da citada lei, entendendo nosso Tribunal Excelso que a mesma visa reparar uma discriminação histórica daqueles que após a absolvição da escravatura foram abandonados à própria sorte pelo Estado.
Por fim, pode-se concluir que a reserva de cotas para os afrodescendentes nos concursos públicos e vestibulares visa ressarcir a falta de políticas afirmativas ao longo da história, permitindo atualmente que estes possam alcançar cargos dentro da esfera pública, servindo tal ato como uma forma de inclusão desta raça, buscando assim acabar com a segregação que estes sofreram ao longo dos anos.
BIBLIOGRAFIA:
ESPÍNDOLA, Ruy Samuel. Conceito de princípios constitucionais: elementos teóricos para uma formulação dogmática constitucionalmente adequada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999.
GUIMARÃES, Antonio Sergio Alfredo. Argumentando pela ação afirmativa. IN: Racismo e anti-racismo no Brasil. São Paulo: Editora 34.
JACQUES, Paulino. Da igualdade perante a lei. Rio de Janeiro: Ed. A Noite, 1947.
NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do processo civil na constituição federal. 5. ed. rev. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999.