Capa da publicação A linguagem não-verbal como fonte de prova no processo penal
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A utilização da linguagem não-verbal como fundamentação pelo juiz na coleta de prova oral do processo penal

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19/10/2018 às 09:03
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AS PROVAS NO PROCESSO PENAL

O vocábulo prova recebe definições distintas dentro do direito penal, que de forma ampla, Renato Brasileiro de Lima (2018, p. 591) conceituou que “provar significa demonstrar a veracidade de um enunciado sobre um fato tido por ocorrido no mundo real”. Já no sentido estrito, Antônio Magalhães Gomes Filho (1997, p. 41) diferencia:

Na terminologia processual, o termo prova é empregado com variadas significações: indica, de forma mais ampla, o conjunto de atividades realizadas pelo juiz e pelas partes na reconstrução dos fatos que constituem o suporte das pretensões deduzidas e da própria decisão; também pode aludir aos instrumentos pelos quais as informações sobre os fatos são introduzidas no processo (meios de prova); e, ainda, dá o nome ao resultado dessas atividades.

Desse modo, o emprego da palavra irá variar de acordo com o contexto e a significação dada a ela, importando compreender melhor suas definições. Porém, antes de iniciarmos essa exposição, interessa distinguir prova de indício, esses que são confundidos constantemente no linguajar corrente.

Assim, Ferrajoli (2002, p. 106) propõe chamarmos de “prova o fato probatório experimentado no presente, do qual se infere o delito ou outro fato do passado” e de indício “o fato provado do passado, do qual se infere o delito ou outro fato do passado que, por sua vez, tenha o valor de um indício”. Por exemplo, na coleta direta das declarações de uma testemunha ocular, temos uma prova de um fato. Porém quando esse é utilizado em momento posterior, isto é, uma transcrição do mesmo testemunho, temos um indício ou prova indiciária, uma vez que o fato foi provado no passado.

Retomando as significações de prova, temos que a primeira acepção dada por Antônio Magalhães é relativa à atividade, que nas palavras de Sérgio Rebouças (2017, p. 506):

No primeiro caso, a prova é compreendida como a (i) atividade desenvolvida pelas partes no sentido de fornecer elementos destinados a formar a convicção do órgão judiciário acerca da hipótese de acusação e das demais questões empíricas relevantes para a apreciação do mérito da causa (a hipotética relação de direito penal material discutida).

Com base nessa conceituação, temos que “a atividade probatória desenvolve-se no contexto do direito à prova titularizado pela parte” (REBOUÇAS, 2017, p. 507), e  que, “o direito à prova é um direito das partes, cabendo a cada uma delas exercer esse direito, demonstrando os fundamentos dos fatos admitidos quando da inicial acusatória e da defesa preliminar”, como assevera Ronaldo Tanus Madeira (2003, p. XVI).

Nesse sentido, a prova é um exercício, ou melhor, um direito das partes.  Dentro do processo, tanto a acusação quanto a defesa devem procurar comprovar as situações por elas alegadas, caracterizando, então, a essencialidade do processo.

Já em relação à prova como instrumento, ela “abrange os meios de que se valem as partes para demonstração de suas alegações” (REBOUÇAS, P. 507) e, em nosso Código de Processo Penal - CPP, em seu título VIII, encontramos um rol meramente exemplificativo dos meios de prova admitidos, a saber: a) exame de corpo de delito e perícias em geral (capítulo II, art. 158  a 184); b) interrogatório do acusado (capítulo III, art. 185 a 196); c) confissão (capítulo VI, art. 197 a 200); d) declarações do ofendido (capítulo V, art. 201); e) testemunhas (capítulo VI, art. 202 a 225); f) reconhecimento de pessoas e coisas (capítulo VII, art. 226 a 228); f) acareação (capítulo VIII, art. 229 e 230); g) documentos (capítulo IX, art. 231 a 238); h) indícios (capítulo X, art. 239); e por fim, i) busca e apreensão (capítulo XI, art. 240 a 250).

A acepção da prova como resultado “caracteriza-se pela formação da convicção do órgão julgador no curso do processo quanto à existência (ou não) de determinada situação fática. É a convicção sobre os fatos alegados em juízo pelas partes” (LIMA, 2018, p. 592).

Em síntese, Ronaldo Tanus Madeira (2003, p. 01)

Definir algo é dizer em que consiste esse algo que se define, é apontar suas características essenciais. E, não raro, a essência de um objeto não vem divorciada de sua finalidade. Daí que a prova penal pode ser conceituada como o conjunto de fatos produzidos pelas partes, acusação e defesa, e, de ofício, pelo juiz, em um procedimento processual, cuja finalidade é a de estabelecer uma verdade jurisdição, através da descoberta da verdade real, e que possa, com segurança, levar o magistrado a propagar uma decisão final da causa.

Temos então a prova como aquilo que se assemelha a veracidade dos fatos, como aquilo que é real. O processo relaciona-se, então, com todas as significações dada a prova, sendo um exercício das partes, buscando meios de confirmar suas alegações para que, por fim, tenha o juiz constatado a veracidade dos fatos narrados.

Assim, aqui importa adentrar a discussão dos sistemas de avaliação das provas, em que a acepção da prova como resultado fica em evidência, uma vez que se relaciona a gestão da prova e sua valoração com o julgamento realizado pelo juiz.

 Sistema de Avaliação da Prova

Antes de apresentar os sistemas de avaliação de prova, interessa destacar, de forma sintética, os sistemas do processo penal: inquisitório e acusatório.

O sistema inquisitorial, permeado pelo princípio inquisitivo, caracteriza-se, em suma, na concentração das funções de acusar e julgar na pessoa do juiz, tendo então sua imparcialidade completamente prejudicada. Nas palavras de Nestor Távora e Rosmar Rodrigues Alencar (2016, p. 56):

O princípio inquisitivo é caracterizado pela inexistência de contraditório e de ampla defesa, com concentração das funções de acusar, defender e julgar em uma figura única (juiz). O procedimento é escrito e sigiloso, com o início da persecução, produção da prova e prolação de decisão pelo magistrado.

Nesse modelo, a busca pela realidade dos fatos configurava-se em verdadeira obsessão, devendo descobri-la a qualquer custo, o que importava a aceitação da tortura como meio de obtenção da confissão do acusado, esse que seria o único a conhecer por completo a verdade dos fatos:

Corolários dessas exigências eram o segredo, face ao perigo de propagação das condutas heréticas ou contestadoras do poder real, bem como o caráter praticamente ilimitado da pesquisa da verdade, que consistia em verdadeira obsessão do inquisidor; daí ser natural, nessa perspectiva, a utilização do saber do próprio acusado como fonte de informação; se culpado, o acusado tem certamente um conhecimento preciso da realidade e a confissão, se obtida, constitui a melhor forma de alcançar a verdade real: "in criminali causa certum est confessum esse damnandum secundum omnes"; assim, acabava por transformar-se toda a atividade probatória em uma desenfreada busca da confissão, inclusive com a admissão do recurso à tortura. (GOMES FILHO, 1997, p. 21)

No sistema processual inquisitório, o acusado é tido como um mero expectador do processo, no qual o “juiz procede de ofício à procura, à colheita e à avaliação das provas, produzindo um julgamento após uma instrução escrita e secreta, na qual são excluídos ou limitados o contraditório e os direitos da defesa” (FERRAJOLI, 2002, p. 452).

Em oposição, no modelo acusatório, temos como principal característica a separação entre juiz e as partes, além da existência de diversos princípios garantidores de direitos, como os do contraditório, da ampla defesa e da publicidade. Nesse sistema, temos no juiz um sujeito passivo, que mantém sua imparcialidade durante todo o debate paritário entre acusação e defesa e que, por fim, decide conforme a sua livre convicção. Nesse sentido, Sérgio Rebouças (2017, p. 54):

No processo penal de tipo acusatório, com a separação das funções processuais em sujeitos distintos, sobreleva a nota de imparcialidade do julgador, o que impõe que o órgão jurisdicional se encontre institucionalmente em posição de equidistância em relação às partes em conflito.

Além do mais, ainda podemos citar a existência de um sistema misto ou acusatório formal, composto “por uma instrução preliminar, secreta e escrita, a cargo do juiz, com poderes inquisitivos, no intuito da colheita de provas, e por uma fase contraditória (judicial) em que se dá o julgamento, admitindo-se o exercício da ampla defesa e de todos os direitos dela decorrentes” (TÁVORA e ALENCAR, 2016, p. 58).

Como visto, o modelo acusatório tem relação direta com a livre convicção judicial, essa que pode se dá de maneira completamente desatarefada ou com necessária motivação. Ainda existe também um sistema de provas com valor pré-estabelecido. Assim, importa apresentar essas classificações possíveis para melhor compreender qual o aplicado no ordenamento brasileiro e o porquê.

Sistema da Íntima Convicção

Nesse sistema, temos que o juiz é liberto na valoração da prova, podendo decidir livremente e sem a necessidade de motivar, ou seja, apresentar a causa de sua decisão. Explana Renato Brasileiro (2018, p. 625):

De acordo com o sistema da íntima convicção, também conhecido como sistema da certeza moral do juiz ou da livre convicção, o juiz é livre para valorar provas, inclusive aquelas que não se encontram nos autos, não sendo obrigado a fundamentar seu convencimento. Esse sistema permite que o magistrado avalie a prova com ampla liberdade, decidindo ao final do processo de modo a aplicar o direito objetivo de acordo com sua livre convicção (secunda conscientia), não estando obrigado a fundamentar sua conclusão.

A liberdade do juiz é incondicional. Dessa forma, o julgador pode utilizar elementos que não se encontram dentro do processo para construir seu convencimento, como por exemplo, aqueles não submetidos ao contraditório. O juiz possui independência absoluta para estabelecer sua decisão, o que acaba acarretando na arbitrariedade do mesmo.

Sistema da Prova Legal

Diferentemente do que se pensa, esse sistema é comum nas culturas que adotam o modelo inquisitório, pois “apenas na tradição inquisitória é que se firmou a figura do juiz técnico, obrigando a motivar suas decisões” (REBOUÇAS, 2017, p. 513). Ele surgiu exatamente para contrapor e mitigar o excesso de poderes conferidos ao juiz no sistema da intima convicção.

Nesse sistema, a própria lei atribui um valor a cada prova, estruturando sua hierarquia e assim “aniquilando praticamente a margem de liberdade apreciativa do magistrado” (TÁVORA e ALENCAR, 2016, p.649). O legislador tarifa o valor das provas, cabendo ao juiz apenas a realização do cômputo delas. 

Exatamente por isso que a confissão era tão almejada pelos sistemas inquisitoriais, uma vez que, ao possuir um valor inestimável em comparação ao resto das provas, seria dado como prova essencial e de evidente destaque na busca da verdade. Assim, deriva desse sistema “o conceito da confissão como rainha das provas, sendo que nenhuma outra prova seria capaz de infirmá-la” (LIMA, 2018, p. 626).

Assim, contextualiza e introduz o próximo sistema, Antonio Magalhães Gomes Filho (1997, p. 32):

O reconhecimento do valor garantístico do sistema das provas legais, sem que se ignorassem os absurdos a que poderia conduzir, levou então a doutrina à elaboração do que se denominou teoria das provas legais negativas, que em última análise, postulava limitações ao livre convencimento, quando se tratasse de condenar. Desse modo, ao contrário do que sucedia em relação às provas legais tradicionais, ou positivas, em que determinados elementos autorizavam o reconhecimento da culpabilidade, mesmo contra o convencimento moral do juiz, segundo essa nova concepção, o juiz só estaria autorizado a condenar se, além de convencido, estivesse amparado por um mínimo de prova, de acordo com as estipulações do legislador.

A partir dos extremismos dos sistemas apresentados, tanto no da íntima convicção com o excesso da liberdade conferido ao juiz, como no bloqueio completo de apreciação das provas pelo magistrado no da verdade legal, surgiu um terceiro sistema visando conciliar os anteriores, buscando realizar uma harmonização de suas qualidades. Assim, nesse sistema intermediário, o juiz possuí autonomia na formação de seu julgamento, porém não de forma desenfreada.

Sistema do Livre Convencimento Motivado

Também chamado de persuasão racional, nesse modelo existe a liberdade do juiz na valoração das provas, podendo deliberar com base no que melhor lhe convencer e, por fim, decidir motivadamente, isto é, de maneira justificada. Nesse sentido, Nestor Távora e Rosmar Rodrigues Alencar (2016, p. 650):

A liberdade do julgador lhe permite avaliar o conjunto probatório em sua magnitude e extrair da prova a sua essência, transcendendo ao formalismo castrador do sistema da certeza legal. Não existe hierarquia entre as provas, cabendo ao juiz imprimir na decisão o grau de importância das provas produzidas.

Assim, esse sistema veio para livrar a instrução probatório de radicalismos, possibilitando que não aja arbitrariedades por parte do magistrado, como também não impossibilite ao mesmo a análise de cada caso concreto. Desse modo, Antonio Magalhães Gomes Filho (1997, p. 161) diferencia e elucida:

Nas provas legais, a função do julgador diante das provas era de mera constatação de sua existência e, em seguida, de dedução de seu valor para a decisão, segundo os parâmetros anteriormente fixados pelo legislador; ao contrário, na íntima convicção e no livre convencimento, a tarefa de apreciar as provas investe o agente de amplos poderes de crítica e seleção do material probatório, para dele extrair o seu julgamento sobre os fatos.

Certamente, temos que o sistema adotado em nosso ordenamento acolhe a liberdade de convencimento do juiz, porém com a necessidade de motivação, como consagrado na Constituição Federal de 1988, em seu art. 93, inciso IX, in verbis:

Art. 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios:

(...)

IX – todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação; (grifo nosso)

Em coaduno, o Código de Processo Penal, em seu art. 155:

Art. 155.  O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas.

Importa aqui diferenciar, de maneira simplificada, prova de elementos informativos. A prova é, em regra, produzida durante o curso do processo, com a realização do contraditório. Diferentemente, os elementos de informação são colhidos durante o inquérito policial e “auxiliam na formação da opinio delicti do órgão de acusação” (LIMA, 2018, p.592).

Manifesta então a necessidade do contraditório na produção da prova, ou pelo menos a posterior contestação dessa pela parte contrária, temos então que “a motivação nasce, juntamente, do direito à prova, ao contraditório, sem o que fica impossível ao juiz valorá-la” (MADEIRA, 2003, p. XVII). Assim, delimita-se a liberdade do magistrado e, concomitantemente, possibilita as partes o protagonismo no processo.

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Em mesmo sentido, Ronaldo Tanus complementa (2003, p. 21):

A exigência constitucional inserida no art. 93, IX, de que todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão fundamentados sob pena de nulidade, impede que uma sentença possa nascer de um subjetivismo puro, sem referenciais que poderiam ser interpretadas como capricho pessoal e arbitrário.

Inequívoco que a escolha pelo sistema processual penal acusatório e a implementação do sistema de livre convencimento motivado encontra-se compatível com o Estado democrático de direito. Não poderia ser de maneira diversa, uma vez que o Estado que preza pelos direitos humanos e pelas garantias fundamentais não poderia ter seu judiciário engessado pelo legislador e nem agindo em completo despotismo.

No Estado democrático de direito, em que a liberdade individual é reconhecida como premissa fundamental para a justa organização da sociedade, é evidente que as decisões penais, que incidem exatamente sobre o status libertatis do cidadão, só podem ser legitimadas por um saber resultante de procedimentos que permitam esclarecer os fatos sob a dupla ótica da sociedade e do indivíduo: é preciso que as hipóteses acusatórias sejam verificadas, pois sem a existência de provas concludentes não se poderá superar a presunção de inocência do acusado; mas é igualmente necessário que essas mesmas provas sejam produzidas com a participação e o controle da defesa e, ainda, que possa haver contraprova. (GOMES FILHO, 1997, p. 55)

Assim, posto que a República Federativa do Brasil constitui-se em um Estado Democrático de Direito, como o disposto no art. 1º da Constituição Federal, compatibiliza-se com a escolha pelo sistema do livre convencimento motivado do juiz pelo ordenamento em questão, pois assim atende aos direitos fundamentais elencados em sua estrutura.

Em exceção à regra, temos o Tribunal do Júri, no qual o sistema adotado é o da íntima convicção, não necessitando os jurados motivarem suas decisões. Acontece que, essa escolha se faz justificável, uma vez que o plenário do Júri é composto por civis, sem exigência de formação acadêmica especifica e com a característica de transitoriedade.

A consciência do juiz togado, diferente do juiz de fato, no Tribunal Popular do Júri, não pode fazer uma valoração diante de si mesma, de sua concepção social e humana de justiça, mas a sua decisão deve decorrer da correlação entre consciência e prova, livre convencimento e inserção no âmago ou conteúdo das provas produzidas. (MADEIRA, 2003, p. 21)

Além do mais, também importa destacar que possuímos alguns resquícios do sistema de prova tarifada, nos artigos 158 e 155, parágrafo único, do CPP, que estabelece algumas restrições à liberdade judicial.

Com vista do exposto, os mecanismos probatórios “visam à formação e à justificação do convencimento judicial” e “somente a concreta apreciação da prova, verificável pela motivação da sentença, assegura a efetividade do direito à prova” (GOMES FILHO, 1997, p. 89), assim condicionando a liberdade do juiz ao aparato probatório legal.

Desse modo, conclui-se que a fundamentação é indispensável, pois “com a progressiva tendência de constitucionalização das garantias processuais”, cumpre “tanto funções processuais – como, v.g., a referente às impugnações –, como extraprocessuais ou políticas, relacionadas ao controle popular sobre a atuação dos órgãos estatais” (GOMES FILHO, 1997, p. 163).

Isto posto, temos então que o “livre convencimento é sobretudo convicção fundamentada”, devendo ser um “convencimento transparente, justificado perante as partes e a sociedade”, como sustentado por Antonio Magalhães Gomes Filho (1997, p. 163), esse que preleciona também acerca da motivação:

É por meio dela que será possível distinguir a decisão arbitrária, fruto exclusivo do poder, daquela amparadas pela prova capaz de superar a presunção de inocência do acusado, ou seja, resultante de um saber; só através da indicação da decisão será viável constatar a existência de um nexo entre o convencimento e as provas produzidas. (1997, p. 164)

Aqui, importa realizar breve questionamento invólucro a discussão precípua desse trabalho, uma vez que essa motivação, indispensável a validade das decisões, encontra guarita na linguagem escrita, isto é, linguagem verbal possível de escrituração.

Desse modo, como poderia o juiz, limitado a essa prática, utilizar-se da leitura de aspectos não verbais para motivação de suas decisões? Isso tornaria a sentença nula? Será possível o amparo de técnicas confiáveis que possam embasar tal prática sem se dar margem a discricionariedade desmedida da autoridade judicial? Esses são apenas alguns dos questionamentos que permeiam a discussão, porém serão melhores abordados em capítulo ulterior.

Dando continuidade à temática das “provas” no processo penal, abordaremos então as provas orais em espécie, essas que são as diretamente relacionadas com o tema proposto nesta elaboração acadêmica.

 As Espécies de Provas Orais

A prova, como já ponderado em momento anterior, possuí como uma de suas acepções a de instrumento para a comprovação das alegações formuladas pelas partes processuais. Assim, seriam os meios disponíveis, tanto a defesa como a acusação, durante o processo, para validar suas afirmações.

No Código de Processo Penal, diversos são os artifícios possíveis para comprovação dos fatos alegados, porém, apresenta o texto legal apenas um rol exemplificativo, havendo a viabilidade de outras serem utilizadas, desde que respeitada a vedação às provas ilícitas e ilegítimas. Nessa perspectiva, temos que, “ao lado de um verdadeiro direito à incorporação de provas” pôde-se também falar “em um direito à exclusão das provas que não atendam aos requisitos da legalidade” (GOMES FILHO, 1997, p. 40).

Desse modo, dentre as espécies probatórias elencadas, destacaremos as de cunho oral, uma vez que essas possuem ligação direta com a linguagem não-verbal, pois se referem a relação entre seres humanos (juiz e ofendido; juiz e acusado; juiz e testemunha) e, consequentemente, com evidente participação da subjetividade, o que se difere, por exemplo, de provas documentais e exame periciais, que tem como principal característica a objetividade.

Portanto, iremos abordar as seguintes provas em espécie: a) declarações do ofendido; b) prova testemunhal; e, c) interrogatório do acusado. Também iremos transpassar a confissão e a acareação, porém em caráter supletivo. A sequência de análise seguirá a estabelecida na instrução probatória, com exceção as duas últimas, uma vez que a primeira pode se dar em qualquer momento e a segunda, em regra, dar-se antes do interrogatório, porém realocado para melhor discorrer, pois não é foco desse trabalho.

Importa também informar a abordagem principiológica examinada em cada uma das espécies, em separado, nas quais alguns princípios possuem maior preponderância. Apresentada essa metodologia, prosseguimos com o estudo das provas em espécie.

Declarações do Ofendido

O ofendido é a vítima da infração, isto é, aquele que tem o bem jurídico lesado. Assim, temos um envolvimento direto e inerente desse com a situação apurada no processo, o que o difere de uma testemunha e, consequentemente, desencadeia prerrogativas próprias.

Visto que o ofendido é um espectador do fato em averiguação, mas suas declarações não são enquadradas como prova testemunhal, evidencia-se que sua versão dos fatos possui natureza probatória, porém não se sujeitando ao compromisso com a verdade e, muito mesmo, podendo responder como autor do crime de falso testemunho.

As declarações prestadas são de valor probante relativo frente ao sistema do livre convencimento motivado do juiz adotado em nosso ordenamento, porém em circunstâncias específicas, elas ganham um maior destaque. Em exposição, Renato Brasileiro (2018, p. 702):

Em virtude do sistema da livre persuasão racional do juiz, tem-se que o valor probatório das declarações do ofendido é relativo. Logicamente, nos crimes cometidos às ocultas, a palavra da vítima ganha um pouco mais de importância, mas daí não se pode concluir que seu valor seria absoluto. É o que acontece, por exemplo, em crimes contra a dignidade sexual, geralmente cometidos em locais ermos, sem testemunhas presenciais, etc., hipótese em que as declarações da vítima se revestem de especial relevância.

A parte que trata desse meio de prova no Código de Processo Penal é breve e recebeu nova abordagem com a lei nº 11.690 de 9 de junho de 2008, essa que elencou prerrogativas ao ofendido que antes não se faziam presentes. Assim, com essa nova roupagem legal, a vítima passou a receber maior atenção por parte do Estado, adquirindo também maior protagonismo na relação processual. Desse modo, nos dizeres de Nestor Távora e Rosmar Alencar (2016, p. 707):

A Lei nº 11.690/08 deu novo tratamento à figura do ofendido, tentando resgatar décadas de esquecimento para com a vítima, que deve ser tratada não apenas como mais um meio de prova, e sim como pessoa que merece proteção e amparo do Estado, não só quanto às pretensões materiais e resguardo individual, mas também para que não seja atingida pelos efeitos diretos e indiretos do processo, como a exposição à mídia, traumas psicológicos, risco a integridade física, dentre outros.

Por fim, ressalta-se a necessidade de que suas declarações devam ser dar “sob o crivo do contraditório, sob pena de violação ao preceito do art. 5º, inciso LV, da Constituição Federal” (LIMA, 2018, p. 701), uma vez que todas as provas devem cumprir com tal exigência.

Prova Testemunhal

Diferentemente do ofendido, a testemunha é considerada “pessoa desinteressada que declara em juízo o que sabe sobre os fatos, em face das percepções colhidas sensorialmente” (TÁVORA e ALENCAR, 2016, p. 708). Aquele que presta testemunho é, presumidamente, imparcial e alheio ao conflito apurado no processo, o que acarreta na necessidade de comprometimento com a verdade.

Além do mais, importa destacar que o CPP elenca exceções à necessidade de compromisso com a imparcialidade e a verdade em seu art. 208, tendo então que esse “é uma obrigação imposta, em regra, às testemunhas, e não elemento inerente ao próprio conceito” (REBOUÇAS, 2017, p. 600). Nesse sentido, interessante diferenciação realiza o autor Sérgio Rebouças (2017, p. 600):

Distinguimos, assim, as testemunhas compromissadas das testemunhas não compromissadas. A entender-se, porém, como parte da doutrina, que o compromisso integra a essência do conceito em foco, deve ser particularizada a figura do informante, como categoria diversa da testemunha. Informante, assim, é a testemunha que não presta compromisso.

Conforme a doutrina, a prova testemunhal é composta por algumas características: judicialidade, oralidade, objetividade, retrospectividade e individualidade.

A judicialidade configura-se com a imprescindibilidade de produção em juízo, isto é, o depoimento deve ser prestado perante o magistrado. Nessa perspectiva, Renato Brasileiro (2018, p. 702) complementa:

Logo, ainda que determinada pessoa tenha sido ouvida em fase investigatória, seja n o curso de um inquérito policial, seja durante um procedimento investigatório criminal presidido pelo Ministério Público, seu depoimento deverá ser reproduzido em juízo, a fim de se fazer observar os princípios do contraditório e da ampla defesa.

Claro que tal característica é de evidente necessidade, uma vez que já apresentamos anteriormente a diferenciação entre provas e elementos informativos, sendo aquelas indispensavelmente produzidas com o exercício do contraditório para que sejam válidas e possíveis de utilização pelo magistrado como motivação de suas decisões.

 Já em relação à oralidade, temos a prevalência da palavra verbalmente professada. Assim, o “depoimento deve ser prestado oralmente, não sendo permitido à testemunha trazê-lo por escrito” (LIMA, 2018, p. 703), entretanto, pode a testemunha realizar breve consulta em apontamentos como elucida o art. 204 do CPP, como também o código apresenta exceções, por exemplo, no caso de mudos e surdos-mudos (art. 223, parágrafo único, combinado com o art. 192, ambos do CPP).

A objetividade refere-se à necessidade de a testemunha relatar os fatos que teve ciência por suas percepções sensoriais, sem emitir juízo de valor, ou seja, sem exprimir opinião pessoal. Dessarte, Renato Brasileiro de Lima (2018, p. 703) excetua:

Logicamente, em determinadas situações, sua opinião será indissociável de sua narrativa. É o que acontece, por exemplo, em um crime de homicídio culposo na direção de veículo automotor, quando a testemunha relata a suposta velocidade em que se encontrava o veículo dirigido pelo acusado. Nesse caso, não há como afastar sua apreciação subjetiva.

Outro aspecto da prova testemunhal é a retrospectividade, uma vez que a testemunha irá narrar sobre fatos pretéritos de que tenha conhecimento. E, por fim, temos a individualidade, essa que se caracteriza pela inquisição das testemunhas em separado, evitando-se que umas tenham contato com as informações prestadas pelas outras, garantindo a incomunicabilidade entre elas.

Renato Brasileiro de Lima (2018) descreve como deveres das testemunhas o de depor, de comparecimento, de prestar compromisso de dizer a verdade e o de comunicar mudança de residência.

No que se refere ao dever de depor, temos que “toda pessoa poderá ser testemunha” e, em regra, “não poderá eximir-se da obrigação de depor” conforme disposto nos arts. 202 e 206 do CPP, respectivamente. Algumas exceções são apresentadas no próprio art. 206, nos qual elenca pessoas que não são obrigadas a prestar depoimento, assim podendo realizar a recusa, ipsis litteris:

Art. 206.  A testemunha não poderá eximir-se da obrigação de depor. Poderão, entretanto, recusar-se a fazê-lo o ascendente ou descendente, o afim em linha reta, o cônjuge, ainda que desquitado, o irmão e o pai, a mãe, ou o filho adotivo do acusado, salvo quando não for possível, por outro modo, obter-se ou integrar-se a prova do fato e de suas circunstâncias.

O dispositivo anteriormente citado “tem como objetivo precípuo preservar a harmonia familiar, evitando que pessoas ligadas por laços de parentesco ou conjugais sejam obrigadas a depor em detrimento de seus entes próximos” (LIMA, 2018, p.704). Outra exceção indicada na legislação seria a das pessoas proibidas de depor, conforme o art. 207 do CPP:

Art. 207.  São proibidas de depor as pessoas que, em razão de função, ministério, ofício ou profissão, devam guardar segredo, salvo se, desobrigadas pela parte interessada, quiserem dar o seu testemunho.

Acerca do dever de comparecimento, “se a testemunha foi regularmente intimada, tem o dever de comparecer em juízo para prestar seu depoimento no local, dia e hora designados” (LIMA, 2018, p. 705). Além do mais, caso não compareça e nem justifique sua ausência, poderá ser conduzida coercitivamente (art. 218, CPP), multada, responsabilizada pelo crime de desobediência e, ainda, pode ser condenada ao pagamento das custas da diligência para trazê-la (art. 219 c/c art. 458, ambos do CPP).

Sobre o dever de comunicar mudança de residência, esse possui amparo no art. 224 do CPP e estabelece que “as testemunhas comunicarão ao juiz, dentro de um ano, qualquer mudança de residência, sujeitando-se, pela simples omissão, às penas do não-comparecimento”.

Por fim, a testemunha também tem como dever o de dizer o que sabe, como evidenciado no art. 203 do CPP, nestas palavras:

 Art. 203.  A testemunha fará, sob palavra de honra, a promessa de dizer a verdade do que souber e lhe for perguntado, devendo declarar seu nome, sua idade, seu estado e sua residência, sua profissão, lugar onde exerce sua atividade, se é parente, e em que grau, de alguma das partes, ou quais suas relações com qualquer delas, e relatar o que souber, explicando sempre as razões de sua ciência ou as circunstâncias pelas quais possa avaliar-se de sua credibilidade.

Acontece que o compromisso legal a que se submente a testemunha não decorre desse dispositivo e sim em decorrência do art. 342 do Código Penal que tipifica o crime de falso testemunho. Nesse sentido, Renato Brasileiro (2018, p. 708):

De todo modo, é bom que se diga que o compromisso legal de dizer a verdade não decorre do ato de a testemunha prestar compromisso legal, previsto no art. 203 do CPP, cuja natureza é meramente processual e o valor jurídico é o de mera exortação, mas decorre do tipo penal do falso testemunho (art. 342 CP).

Sobre tal tipificação, indaga-se a possibilidade de uma testemunha ter sua conduta enquadrada a partir de uma contradição entre linguagem verbal e não-verbal. Assim, em capítulo posterior, o assunto será retomado, mas vale ao leitor iniciar a reflexão a respeito do assunto com a apresentação de algumas informações gerais acerca do delito.

Falso Testemunho

O crime de falso testemunho ou falsa perícia é tipificado no art. 342 do Código Penal – CP e pretende através desse “resguardar o prestígio da Justiça” (CUNHA, 2018, p. 942). Assim, temos a seguinte redação:

Art. 342. Fazer afirmação falsa, ou negar ou calar a verdade como testemunha, perito, contador, tradutor ou intérprete em processo judicial, ou administrativo, inquérito policial, ou em juízo arbitral:

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.

§ 1º As penas aumentam-se de um sexto a um terço, se o crime é praticado mediante suborno ou se cometido com o fim de obter prova destinada a produzir efeito em processo penal, ou em processo civil em que for parte entidade da administração pública direta ou indireta.

§ 2° O fato deixa de ser punível se, antes da sentença no processo em que ocorreu o ilícito, o agente se retrata ou declara a verdade.

Tal proteção ao processo, em particular o judicial, tem por finalidade evitar que o magistrado seja induzido ao erro por informações incorretas ou, ainda, pela omissão de fatos relevantes para a solução dos conflitos perante a justiça. Nessa perspectiva, Rogério Sanches Cunha (2018, p. 942):

Nessa conjuntura, exatamente porque nas provas pericial e testemunhal encontra a sentença, em regra, o histórico dos fatos (base à decisão), necessário se fazia que o Direito cercasse a perícia e o testemunho com todas as garantias possíveis, impedindo pareceres e depoimentos levianos e mendazes, campo fértil para provocar o erro judicial.

Segundo a doutrina, esse delito é tido como de mão própria, isto é, “só podendo ser praticado por quem, reunindo qualidades especiais, esteja em condições de realizar imediata e corporalmente a conduta típica dentro de um processo judicial ou administrativo, inquérito policial ou em juízo arbitral” (CUNHA, 2018, p. 943).

Temos que o legislador elencou 3 (três) ações admissíveis para que o crime possa ser consumado: fazer afirmação falsa, ou negar ou calar com a verdade. O crime de falso testemunho é, então, um crime de ação múltipla em que não apenas a conduta comissiva é punível, mas também a omissiva.

Aqui importa entender o que seria a verdade exigida no tipo penal. Segundo Rogério Sanches (2018, p. 945) “nada mais é do que a perfeita correspondência entre a realidade e sua expressão”. Desse modo, temos a exigência de os relatos prestados em juízo estarem em conformidade com a realidade, ou seja, que os fatos narrados pelas testemunhas correspondam, em sua integridade, com os que tiveram ciência por seus sentidos.

Acontece que a simples existência de discrepância não pode tipificar a conduta da testemunha, exigindo a presença do dolo, ou melhor, da consciência de que as informações prestadas não correspondem às que teve conhecimento. Explicita Rogério Sanches (2018, p. 945):

Nesse diapasão, a falta com a verdade pode decorrer, de um lado, de um defeito de percepção; de outro, da própria intenção de enganar. No primeiro caso, demonstrado que a afirmação falsa decorreu de erro ou ignorância, estará afastada a voluntariedade da ação. No segundo, porém – e aqui já se passa ao exame do elemento psíquico –, evidenciado que o agente era conhecedor da existência de um fato que posteriormente omitiu ou deturpou, ou da inexistência daquilo que forjou, o dolo aparece configurado com nitidez (RT 440/371, 498/293, 581/311).

Continua o autor com a exposição (2018, p. 945):

A falsidade, portanto, não se extrai da comparação do depoimento da testemunha e a realidade dos fatos (teoria objetiva), mas sim do contraste do depoimento e a ciência da testemunha (teoria subjetiva). Assim sendo, perfeitamente possível o falso testemunho sobre fato verdadeiro, como no caso do agente que detalha minuciosamente episódios verdadeiros (ocorridos) que jamais presenciou.

Vemos então que as informações prestadas pela testemunha podem discrepar, porém isso não significa, necessariamente, que aquela se encontra de má-fé. Questões como o tempo e, consequentemente, a memória, podem afetar diretamente os relatos.

Nítida que essa exigência de veracidade visa a obtenção da verdade real, princípio consagrado no processo penal desde outrora, porém recebendo nova significação nos dias atuais.

O Princípio da Verdade Real

No início da exposição acerca dos sistemas de avaliação da prova, ao diferenciar o sistema inquisitório do acusatório, descreveu-se brevemente que, no primeiro, existia uma busca da verdade real a todo custo, justificando e legitimando violações de direitos por parte do Estado, como por exemplo, a prática de tortura para obtenção da confissão.

A crença de que a verdade podia ser alcançada pelo Estado tornou a sua perseguição o fim precípuo do processo criminal. Diante disso, em nome da verdade, tudo era válido, restando justificados abusos e arbitrariedades por parte das autoridades responsáveis pela persecução penal, bem como a ampla iniciativa probatória concedida ao juiz, o que acabava por comprometer sua imparcialidade. (LIMA, 2018, p. 68)

Certamente tal princípio foi reformulado, recebendo uma nomenclatura diferente, a de busca da verdade, retirando-se o adjetivo “real” ou “material”. A expressão verdade ainda nos traz uma ideia de valor absoluto, contudo, encontra-se pacificado o entendimento pela impossibilidade de reconstrução completa dos fatos, que nos dizeres de Renato Brasileiro (2018, p. 68):

No âmbito processual penal, hodiernamente, admite-se que é impossível que se atinja uma verdade absoluta. A prova produzida em juízo, por mais robusta e contundente que seja, é incapaz de dar ao magistrado um juízo de certeza absoluta. O que vai haver é uma aproximação, maior ou menor, da certeza dos fatos. Há de se buscar, por conseguinte, a maior exatidão possível na reconstrução do fato controverso, mas jamais com a pretensão de que se possa atingir uma verdade real, mas sim uma aproximação da realidade, que tenda a refletir ao máximo a verdade.

Dessa forma, temos que “a verdade absoluta, coincidente com os fatos ocorridos, é um ideal, porém inatingível” (LIMA, 2018, p. 68) e que, mesmo sendo uma utopia processual, essa verdade deve continuar norteado o processo, pois é apenas através dela que se promove outro ideal do direito: o de concretização da justiça.

Tendo a atividade processual esse objetivo de reconstrução de fatos, encontra-se nessa um considerável desafio ao magistrado, como apresenta Antonio Magalhães Gomes filho (1997, p. 44):

Uma primeira e essencial dificuldade que se coloca ao juiz, na busca de um conhecimento verdadeiro a respeito dos fatos que serão levados em conta na decisão, é representada pela impossibilidade de observação direta dos mesmos; ao contrário do que ocorre nas ciências experimentais, em que o pesquisar pode ter um contato direto com fenômenos que se repetem na natureza, ou conta com o recurso de reproduzi-los em laboratórios, a atividade de investigação judicial se dirige a acontecimentos passados, cuja reconstituição somente pode ser alcançada a partir de meios indiretos; aliás, mesmo na hipótese pouco provável de ter assistido a algum desses eventos, estaria o juiz impedido de valer-se de seus conhecimentos pessoais, pois seria testemunha e não juiz.

Assim, o juiz jamais irá possuir a certeza dos fatos, porém, para que determine a condenação do acusado, aquele deve ter a convicção de que esse configurou como autor desses mesmos fatos. Diante disso, vemos uma diferenciação da busca da verdade real, princípio do processo e de alcance fictício, daquela certeza necessária ao julgador para que intitule o acusado como culpado.

Explica então Cândido Rangel Dinamarco (1993, p. 318):

A verdade e a certeza são dois conceitos absolutos e, por isso, jamais se tem a segurança de atingir a primeira e jamais se consegue a segunda, em qualquer processo (a ‘segurança jurídica’, como resultado do processo, não se confunde com a suposta certeza, ou ‘segurança’, com base na qual o juiz proferiria os seus julgamentos). O máximo que se pode obter é um grau muito elevado de probabilidade, seja quanto ao conteúdo das normas, seja quanto aos fatos, seja quanto à subsunção destes nas categorias adequadas.

Isto posto, evidente que, durante o processo, diversas narrativas são tidas como possíveis, e assim, consequentemente, diversas podem ser as conclusões findadas pelo juiz. Dessa maneira, a sentença proferida pelo magistrado acolhe uma dessas narrativas, elegendo a que lhe convence da veracidade ou, em caso de dúvida, deverá absolver o réu (princípio in dubio pro reo).

Dessa forma, fica evidente que todas as provas orais possuem o atributo de remodelar o rumo das narrativas processuais, uma vez que uma mesma história pode ser relatada e interpretada de diferentes perspectivas.

No jogo processual, para além da regulamentação da partida, a atuação dos sujeitos na construção da prova e da sentença consubstancia aspectos fundamentais como o tempo, a memória, o movimento, a fixidez, a criatividade, a subjetividade, os quais o Direito, isoladamente, sequer consegue identificar. A dissonância entre as idéias que norteiam a teoria e prática jurídica ante os estudos realizados em outros campos do saber evidência a insustentabilidade da verdade como meta da atividade instrutória, o que possibilitaria pensar a sentença penal não como "o" relato, mas como "um" relato. (PLETSCH, 2007, p. 15).

Por fim, temos que a prova testemunhal “consubstancia a instrução oral por excelência”, porém sendo também “dos mais frágeis e falíveis, por estar sujeito a manipulações, interesses e equívocos, o que reclama particular cuidado na apreciação (valoração) judicial” (REBOUÇAS, 2017, p. 601).

Nessa lógica, fica perceptível que não se pode acatar os testemunhos como narrativas verossímeis por completo, uma vez que esses podem ser persuadidos por diversos fatores, como em todas as provas orais.

Interrogatório do Acusado

Da mesma forma que o ofendido não presta o compromisso com a verdade, por estar envolvido diretamente com situação apurada em juízo, o acusado também não precisa cumprir tal exigência. Com isso, temos que as informações prestadas pelo acusado não precisam estar em congruência com a veracidade dos fatos.

Não poderia o ordenamento dispor de maneira diversa, uma vez que o réu pode eximir-se da produção de prova, pois não pode ser obrigado a produzir prova contra si mesmo, não havendo então motivo para a vedação às declarações que melhor lhe convier.

Logo, o interrogatório, além de ser tido como um meio de prova processual, também se caracteriza como meio de defesa, assim explicitado nas palavras de Ronaldo Tanus Madeira (2003, p. 73):

O interrogatório é o momento processual em que o juiz ouve a versão do acusado sobre os fatos a ele imputados e narrados na denúncia. Estando situado em nosso Código de Processo Penal no Capítulo sobre a prova, é considerado sob dois aspectos, meio de prova e meio de defesa, pois é a oportunidade que o réu tem de contestar ou negar os fatos a ele atribuídos e configuradores da tipicidade penal.

Assim, quando o acusado decide manifestar-se no interrogatório, oferece ao magistrado outro ponto de vista da narrativa construída no processo, podendo coincidir com os demais panoramas apresentados ou lançar um completamente diverso.  Nos dizeres do autor Sérgio Rebouças (2017, p. 636):

Nesse contexto, o interrogatório traduz a oportunidade processual de exercício, pelo acusado, de sua autodefesa perante o órgão judiciário, o que inclui, portanto, o direito de presença e o de audiência perante o juiz. Interrogatório, assim, é o ato judicial pelo qual se ouve o acusado a respeito de uma hipótese acusatória e, portanto, de uma imputação de crime contra ele formulada.

Apresenta-se então o acusado rodeado de diversas garantias, essas que refletem diretamente no momento do seu interrogatório pois, uma vez violadas, acarretam a nulidade absoluta do processo.

Princípio da Ampla Defesa

A ampla defesa é um princípio-garantia do acusado. Ela é composta pela defesa técnica e a autodefesa, sendo a primeira indisponível e representada por seu defensor (público ou privado), e a segunda relaciona-se com o direito de audiência e o de direito a presença, que nas palavras de Ada Grinover, Antônio Scarance Fernandes e Antônio Magalhães Gomes Filho (2006, p. 88):

Com relação à autodefesa, cumpre salientar que se compõe ela de dois aspectos, a serem escrupulosamente observados: o direito de audiência e o direito de presença. O primeiro traduz-se na possibilidade de o acusado influir sobre a formação do convencimento do juiz mediante o interrogatório. O segundo manifesta-se pela oportunidade de tomar ele posição, a todo momento, perante as alegações e as provas produzidas, pela imediação com o juiz, a razão e as provas.

Esse princípio possui amparo no ordenamento brasileiro no art. 5º, inciso LV, da Carta Magna. Por conseguinte, acaba por acarretar diversos outros direitos ao réu, como, v.g., o de possível ajuizamento de revisão criminal quando nova prova comprove sua inocência, essa revelada após o trânsito em julgado da decisão condenatória.

Como outro desdobramento dessa garantia constitucional, temos o de verificação, pelo magistrado, da eficiência da defesa. Assim, constatado a inaptidão do defensor, deve o juiz desconstituir o advogado nomeado pelo acusado, fazendo-o eleger um outro ou nomeando um dativo caso não o faça.

A ampla defesa também possibilita a admissão de provas ilícitas em juízo, de forma excepcional, caso essas sejam obtidas em favor do acusado e que promovam sua inocência. Assim, tanto o desentranhamento das provas tidas como ilegais como também a aceitação dessas em favor do acusado, demonstram a existência do necessário sopesamento de valores pelo juiz, que segundo Antonio Magalhães Gomes Filho (1997, p. 106):

Mas, por outro lado, são semelhantes considerações a respeito da ponderação de interesses que autorizam a admissão da prova ilícita pro reo: no confronto entre uma proibição de prova, ainda que ditada pelo interesse de proteção a um direito fundamental, e o direito à prova da inocência parece claro que deva este último prevalecer, não só porque a liberdade e a dignidade da pessoa humana constituem valores insuperáveis, na ótica da sociedade democrática, mas também porque ao próprio Estado não pode interessar a punição do inocente, o que poderia significar a impunidade do verdadeiro culpado; (...)

Resta evidente que o princípio em tela tem por fundamento a necessidade de um devido processo legal, viabilizando o acesso à justiça e a concretização dessa no desfecho judicial. Desse modo, não pode o processo permitir que recaia sobre o acusado o ônus da comprovação, pelo contrário, a esse possibilita-se o direito de não produção de provas incriminadoras contra si.     

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Sobre a autora
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DELFINO, Ana Luisa Rocha. A utilização da linguagem não-verbal como fundamentação pelo juiz na coleta de prova oral do processo penal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5588, 19 out. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/68313. Acesso em: 20 abr. 2024.

Mais informações

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Coordenação do Curso de Graduação em Direito da Universidade Federal do Ceará, em cumprimento à exigência para obtenção do grau de Bacharel em Direito. Data de apresentação: 06/06/2018.

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