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A efetivação das políticas públicas frente aos haitianos no Município de Cacoal (RO)

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Resumo:


  • O Brasil recebeu haitianos após o terremoto de 2010 no Haiti, com a concessão de Visto Humanitário.

  • A atuação do Estado brasileiro e do município de Cacoal foi precária na prestação dos direitos sociais aos haitianos.

  • Os haitianos em Cacoal não receberam assistência do município, ficando vulneráveis e dependendo de apoio de outras esferas do governo.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Com o terremoto ocorrido no Haiti, em 2010, muitos haitianos tiveram o Brasil como destino de imigração. O poder público, especialmente a Prefeitura de Cacoal, município de Rondônia, precisou agir rápido para atender alguns dos sobreviventes que lá estavam em situações de vulnerabilidade.

Resumo: Este trabalho versa sobre a questão da emigração do Haiti para o Brasil, em decorrência do terremoto ocorrido em janeiro de 2010, naquele país. Diante de todas as dificuldades dos imigrantes em um país diferente do seu, emergem as necessidades de sobrevivência e manutenção da própria vida. Surge então a efetivação das políticas públicas por parte do Estado brasileiro, corroborando com a Constituição de 1988. Nesse ínterim, buscou-se investigar qual a atuação efetiva do Poder Público, especialmente a Prefeitura Municipal de Cacoal, em Rondônia, onde há alguns sobreviventes haitianos em situação de vulnerabilidade, carecendo de assistência social.

Palavras-chave: Haiti - assistência social - efetividade


1. INTRODUÇÃO

Após o evento catastrófico ocorrido no Haiti, em janeiro de 2010, muitos haitianos tiveram como destino a imigração para o Brasil. Ao verificar que o Estado de Rondônia havia recebido inúmeros haitianos emigrantes e fugitivos das mazelas que assolaram aquele país, inclusive alguns residindo no município de Cacoal – RO, buscou-se, neste trabalho, versar sobre o assunto.

Neste sentido, esta pesquisa objetiva desenvolver uma fundamentação teórica em sede de efetivação de políticas públicas, especialmente aquelas desenvolvidas pela Secretaria de Assistência Social e Trabalho Municipal de Cacoal, no Estado de Rondônia – SEMAST aos estrangeiros residentes no município citado anteriormente.

A sociedade contemporânea como um todo, essencialmente a acadêmica, prescinde de informações precisas e efetivas frente aos novos fatos sociais que, hodiernamente, desenrolam-se no plano pragmático, de forma a subsidiar, estudos acadêmicos mais profundos que possibilitem a aplicação e cobrança de políticas públicas, previstas na Constituição (CRFB/88), por parte do Poder Público e também da sociedade como um todo. O Estado é responsável, juntamente com a sociedade em geral, pela promoção e efetivação de políticas públicas, conforme dispõe o art. 5º e 6º, ambos caput da CRFB/88, em sede de verificação dos direitos fundamentais sociais à população estrangeira presente no país.

Diante da necessidade de investigação acadêmica e contribuição à sociedade em geral, faz-se imprescindível esta pesquisa. Para isso, após um breve histórico sobre o Haiti e a apresentação da ocorrência catastrófica em janeiro de 2010, e, ainda, a questão da emigração para o Brasil, constatou-se a emissão de Visto Humanitário concedidos aos estrangeiros entrevistados. Sob o enfoque do Direito Internacional Público, especialmente o Sistema ONU (Organização das Nações Unidas) e a Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), analisou-se a responsabilidade do Estado quanto às garantias essenciais ao ser humano, insertas naqueles documentos e a Constituição Federal do Brasil de 1988, nos artigos 5º e 6º.

Verificou-se na Lei Orgânica do município de Cacoal/RO as competências, atribuições e responsabilidades deste município frente à Secretaria Municipal de Ação Social e Trabalho. Por meio de entrevistas pessoais, constataram-se as experiências e histórias de vida dos haitianos sobreviventes, moradores de Cacoal/RO, bem como a verificação de possível prestação de auxílio por parte daquela secretaria. Contou-se, também, com entrevista junto à SEMAST – Cacoal/RO, para fins de esclarecimentos relevantes à pesquisa. Ambas as entrevistas, gravadas em mídia áudio visual e devidamente autorizadas, foram relatadas neste artigo.

Procurou-se então, a fim de dar uma resposta para essa problemática, diligenciar junto à Secretaria Municipal de Ação Social e Trabalho do município de Cacoal/RO se há, ou não, a prestação efetiva dos direitos sociais elencados no artigo 6º, caput, da Constituição Federal da República do Brasil de 1988, por parte desse município aos haitianos residentes em Cacoal, oriundos do incidente ocorrido em janeiro de 2010 no Haiti, e, em especial aos haitianos entrevistados. Utilizou-se do método bibliográfico, pesquisas de campo por meio de entrevistas, coleta de dados, principalmente no método qualitativo para a execução e o bom êxito desta pesquisa.


2. BREVE HISTÓRICO SOBRE O HAITI – CONTEXTO HISTÓRICO-POLÍTICO

De conformidade com as informações obtidas no sítio eletrônico do Exército Brasileiro (EB), o qual atualmente mantém tropas em apoio à Missão de Paz no Haiti, a ilha fora descoberta por Cristóvão Colombo em 1492, já na primeira viagem à América, e ele a intitulou de Hispaniola. Os espanhóis ocuparam a parte Oriental da ilha, e no fim do Século XVI, quase toda a população nativa dos índios arauaques havia desaparecido, escravizada ou morta pelos conquistadores.

Ainda de acordo com o sítio eletrônico do EB, em 1697 a Espanha cedeu à França a parte oeste da ilha, e, posteriormente, no ano de 1777 traçaram a fronteira pelo Tratado de Aranjuez que ainda é válido atualmente. Em 1791, os haitianos se revoltaram contra o preconceito dos “homens livres”, e começaram por exigir equilíbrio de direitos. Logo os escravos abandonaram as fazendas e instalaram um caos no país. (EXÉRCITO BRASILEIRO, 20??).

O meio milhão de escravos negros, que labutavam nas plantagens e nos engenhos, era dominado por trinta mil brancos, incluindo os proprietários e seus auxiliares (feitores, técnicos, vigilante etc.). Além dos negros e brancos, havia um segmento de poucos milhares de mulatos, já livres, mas submetidos a extorsões e agressões dos brancos escravocratas. Apesar de tal desvantagem, vários mulatos espertos e ambiciosos conseguiam aproveitar as oportunidades de negócios e enriquecer.

O tratamento dado pelos escravistas aos seus servidores era terrivelmente cruel. A par do trabalho, que esgotava rapidamente as energias, pesavam sobre os escravos a alimentação escassa, a moradia sórdida e a inexistência de assistência médica. A labuta diária se processava durante longas jornadas, sob acionamento freqüente do açoite dos feitores. Qualquer expressão recalcitrante era logo duramente castigada. Os mais indisciplinados sofriam o castigo de serem enterrados de pé, apenas com a cabeça de fora. Assim imobilizados, acabavam mortos depois de sofrer a horrível tortura de ter o rosto lentamente devorado pelos insetos e abutres. (GORENDER, 2004).

Os franceses aboliram a escravatura, e em 1794 o ex-escravo Touissant Louverture assumiu o poder. No ano de 1801, o país se tornou província autônoma da França e teve sua Constituição promulgada. Napoleão Bonaparte em 1802 venceu as tropas de Touissant Louverture, que após a derrota se entregou. Mas somente 1804 o país foi declarado independente, e nomeado Haiti. O país é a primeira república negra do mundo, fundada por antigos escravos. (EXÉRCITO BRASILEIRO, 20??)

Após conquistar a independência, o Haiti continuou a sofrer de instabilidade política e de fortes conflitos socioculturais e econômicos internos: mudanças de modelos de regime (império, reino, república), de representantes do governo, além de golpes de Estado e conflitos civis. Essa situação, em grande parte, ocorreu em consequência da ingerência das grandes potências – França, Inglaterra, Estados Unidos e Alemanha – que ora apoiavam com fornecimento de armas o governo haitiano, ora os aspirantes ao poder, quando convinha a seus interesses imperiais. (CHARLES, 1975 apud SILVA, 2014, p.15).

“Da segunda metade do Século XIX ao começo do Século XX, 20 governantes sucederam-se no poder.” (EXÉRCITO BRASILEIRO, 20??), onde se instaurou uma ditadura conhecida pela corrupção, que debilitou a economia que já estava fragilizada. Conflitos armados passaram a se tornar rotina no país.

Em 2004 o Brasil recebeu o convite das Organizações das Nações Unidas – ONU para a Missão das Nações Unidas para a Estabilização no Haiti, MINUSTAH (ITAMARATY, 2016). Nesta época, o Haiti estava marcado pela violência e instabilidade política decorrente da renúncia de Jean-Bertrand Aristide, que teve a vitória eleitoral de 2001 refutada pela oposição. Em fevereiro de 2016, o presidente do senado haitiano, Jocelerme Privert, assumiu a presidência da república do país.

O idioma oficial é o Francês e o Crioulo, e a capital é Porto Príncipe. A religião predominante é a católica, mas a população também pratica o vodu. (EXÉRCITO BRASILEIRO, 20??) Quase 60% dos 10,5 milhões de haitianos vivem abaixo da linha da pobreza (2,44 dólares por dia) e 24% na extrema pobreza (1,24 dólar por dia). (ZH NOTICIAS, 2015). O país possui altos índices de mortalidade infantil, desnutrição e contágio pela Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (acquired immunodeficiency syndrome) AIDS. (VESTIBULAR UOL, 2010)

2.1. OCORRÊNCIA CATASTRÓFICA EM JANEIRO DE 2010

O Exército Brasileiro divulgou oficialmente que a República do Haiti situa-se na Hispaniola ou Ilha de São Domingos, uma das maiores ilhas do Caribe, e faz fronteira com a República Dominicana, em uma região de alta instabilidade geológica, tendo, portanto uma alta propensão a terremotos. É um país da América Central, sua extensão territorial é de 27.750 km2, possui mais de 10 milhões de habitantes e o índice de desenvolvimento humano é de 0,456 (dados do ano de 2012).

A história do país, segundo a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação, é caracterizada por diversos terremotos que assolam aquela região. Cada vez que ocorrem, agravam ainda mais as condições humanitárias existentes. Em 12 de janeiro de 2010, o Haiti foi atingido por um terremoto de duração de 35 segundos e com magnitude de 7.3 na Escala Richter (FAO, 2010). Afetando principalmente a região de sua capital, Porto Príncipe, abalou completamente as estruturas política, econômica e social do Haiti.

De acordo com a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), além das condições adversas relacionadas ao fato do Haiti estar em uma zona sísmica ativa, alguns fatores atuam ampliando os impactos de cada terremoto. Entre os principais contribuintes, está a fraqueza institucional que decorre do desenvolvimento rural e planejamento urbano, com altas concentrações populacionais em algumas regiões. Somam-se a isso fatores sociais como a pobreza, instabilidade política e fragilidade do Estado haitiano, que atuam como agravantes dos efeitos dos desastres e dificultam sua superação, dito alhures (FAO, 2010).

A Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação assevera que essa vulnerabilidade no país, dada suas condições de pobreza e precariedade de infraestrutura, resultou em um alto nível de destruição, deixando aproximadamente 316 mil mortos, mais de 105 mil edificações destruídas, 208 mil danificadas e, em média, 1,3 milhões de pessoas vivendo em abrigos temporários (ONU, 2010n). O terremoto destruiu e/ou deixou extremamente danificadas as estruturas de várias construções governamentais, como o Palácio Nacional, o Parlamento e a sede da Missão das Nações Unidas para a Estabilização no Haiti, a MINUSTAH. (ONU, 2010n).

Além do abalo na infra-estrutura, o terremoto causou alguns desmoronamentos, tsunamis de pequena escala e alterações geomorfológicas (ONU, 2010a). Após a ocorrência do terremoto em 2010, uma avaliação ambiental pós-crise foi efetuada, identificando os principais impactos gerados no meio ambiente.

De acordo com as análises da FAO, as principais medidas a serem implementadas eram: governança ambiental e gestão de recursos; controle de poluição e manejo dos resíduos; manejo dos recursos e espaços, como energia, áreas de proteção ambiental e biodiversidade; e gestão de redução de riscos de desastres.

Soma-se a esses fatores, a dificuldade para se realizar a entrega de assistência humanitária recebida de várias partes do mundo, devido à inexistência, inicialmente, de um plano nacional de resposta a desastres naturais (ONU, 2010a).

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Os impactos desproporcionais dos terremotos evidenciam a vulnerabilidade do Haiti. O país possui o maior índice de vulnerabilidade a ciclones entre todos os pequenos Estados insulares (FAO, 2010). Também possui uma tendência sucessiva de desastres: ao todo já foram registrados 56, dos quais 20 grandes catástrofes ocorreram apenas no século XX e quatro apenas na última década.

2.2. IMIGRAÇÃO PARA O BRASIL E A ENTRADA PELO ESTADO DO ACRE

Inevitavelmente, a catástrofe sísmica ocorrida em 2010, fez com que milhares de haitianos ficassem desabrigados, e desde então, a população tenta se reerguer do ocorrido. Tempos depois, enquanto uns continuaram a viver em abrigos temporários concedidos pelo governo, cujas condições de vida eram extremamente precária, com fulcro nas informações obtidas por meio da entrevista com os haitianos sobreviventes e residentes em Cacoal, Rondônia, Brasil – afora aqueles que passaram a dormir nas ruas, em barracos improvisados ou em casa de parentes – outros, migraram para outros países, evento este já muito comum aos haitianos, os quais acumulam experiências históricas de deslocamento internacional, sejam por motivos políticos, sociais, econômicos ou como neste caso, desastres naturais.

SILVA (2012), sobre os possíveis motivos para imigração ao Brasil na época, explica que fatores como a atuação do Brasil na MINUSTAH (Missão das Nações Unidas para Estabilização do Haiti), o qual através da atuação de seu exército desde 2004 comanda as forças de paz naquele país; a prosperidade econômica brasileira – que no ano de 2010 ocupava a 6ª posição no ranking dos maiores PIB’s mundiais – sobretudo devido à retração das economias europeias; o aumento de restrições referentes à entrada de migrantes nos países centrais; e o discurso favorável feita pela diplomacia brasileira ante o cenário internacional, o qual se posicionou como protetor ativo dos direitos humanos e incentivador da assistência dos demais países na reconstrução do Haiti, podem ter sido grandes facilitadores nas escolhas dos haitianos para a vinda ao Brasil.

Uma das principais portas de entrada ao território brasileiro é através do Estado do Acre. Para chegar até o Estado do Acre, de acordo com a revista VEJA (2014), geralmente saíam de Porto Príncipe, capital do Haiti onde embarcavam em ônibus até Santo Domingo, na República Dominicana, país vizinho localizado na mesma ilha. De lá viajavam de avião até o Panamá. Da cidade do Panamá, seguiam de avião ou de ônibus para Quito, no Equador. Por terra, iam até a cidade fronteiriça peruana de Tumbes até chegar a Iñapari, cidade que faz fronteira com Assis Brasil, no Acre. Ao entrar no Brasil (via Acre), os imigrantes haitianos seguiam para as cidades de Brasileia e Epitaciolândia, onde realizam o registro na Polícia Federal.

Em Brasileia, os refugiados haitianos foram acolhidos em um alojamento improvisado, que comportava 400 pessoas, porém o número de pessoas acolhidas ultrapassava a quantidade, chegando a mais de 1200. Por falta de estrutura e mais tarde com a desativação do mesmo, foram transferidos para a capital Rio Branco para outro abrigo também improvisado (G1, 2014). A quantidade de haitianos que entraram ilegalmente no país era muito grande, juntamente com a constante ameaça de deportação por tal situação, muitos tiveram suas entradas ao país facilitadas por “coiotes”. Diante de todo esse cenário, o Brasil concedeu Visto Humanitário àqueles haitianos sobreviventes do terremoto no Haiti, em janeiro de 2010.

2.3. VISTO HUMANITÁRIO CONCEDIDO PELA UNIÃO

Ao chegarem ao Brasil, os imigrantes haitianos solicitaram refúgio. Porém o CONARE (Comitê Nacional para Refugiados) entendeu que não havia motivos para tal solicitação, uma vez que o refúgio implica que a pessoa seja vítima de perseguição em seu país, o que não era o caso daqueles. Então, enviou a situação para o CNIg (Conselho Nacional de Imigração), o qual através da Resolução Normativa 97 de 2012 criou o visto de concessão de permanência no país por razões humanitárias, com vistas à formalizá-los. Este visto teria validade de cinco anos e para obtê-lo seria necessária a apresentação de passaporte e negativa de antecedentes criminais. Cada visto poderia incluir os familiares do beneficiário (SENADO, 201?).

O visto humanitário é disciplinado pela resolução normativa supracitada, e é previsto na Lei nº 6.815/80. A princípio vigoraria por dois anos, podendo ser prorrogada, sendo assim feito por quatro anos consecutivos. A primeira, em 2013, foi feita pela Resolução Normativa nº 106; a segunda através da RN nº 113 em 2015; a terceira prorrogação feita ordinariamente no ano de 2015 pela RN nº 117; a última, neste ano, 2016, pela RN nº 123 a qual vigorará até no ano de 2017. Todas as resoluções foram publicadas no Diário Oficial da União e até setembro deste ano, cerca de 80 mil imigrantes haitianos foram formalizados com a concessão do visto humanitário, ou estão em processo de residência permanente no país (BRASIL, 2016).


3. DIREITOS HUMANOS FUNDAMENTAIS E O PRINCÍPIO DA RECIPROCIDADE

É inegável que os direitos essenciais do homem, embasados na finalidade de reconhecer a igualdade e a dignidade das pessoas, são conquistas reconhecidas internacionalmente e previstas pela Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, a qual considera ser essencial promover o desenvolvimento de relações amistosas entre as nações. Para tanto, os direitos humanos e as liberdades fundamentais devem ser aplicados a todos independente de raça, cor, gênero, idioma, nacionalidade, podendo ser civis, políticos, econômicos, sociais, culturais e coletivos, os quais abrangem, por exemplo, os direitos como o direito à vida, à igualdade perante a lei e à liberdade de expressão, bem como o direito à saúde, moradia, trabalho, educação e desenvolvimento, dentre outros.

Por esta razão estabelece, em seu item 1, que “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade.” [Grifo nosso]. Nesta perspectiva, entende-se que tais direitos devem ser garantidos àqueles que se abrigam no Brasil, neste caso os haitianos emigrantes, conforme reafirmado na Convenção Americana Sobre Direitos Humanos de 1969:

Reconhecendo que os direitos essenciais do homem não derivam do fato de ser ele nacional de determinado Estado, mas sim do fato de ter como fundamento os atributos da pessoa humana, razão por que justificam uma proteção internacional, de natureza convencional, coadjuvante ou complementar da que oferece o direito interno dos Estados americanos; [grifo do autor].

A mesma Convenção acrescenta o seguinte:

Art.1, 1 Os Estados Partes nesta Convenção comprometem-se a respeitar os direitos e liberdades nela reconhecidos e a garantir seu livre e pleno exercício a toda pessoa que esteja sujeita à sua jurisdição, sem discriminação alguma por motivo de raça, cor, sexo, idioma, religião, opiniões políticas ou de qualquer outra natureza, origem nacional ou social, posição econômica, nascimento ou qualquer outra condição social.

2 Para os efeitos desta Convenção, pessoa é todo ser humano.

Art.2 Se o exercício dos direitos e liberdades mencionados no artigo 1 ainda não estiver garantido por disposições legislativas ou de outra natureza, os Estados Partes comprometem-se a adotar, de acordo com as suas normas constitucionais e com as disposições desta Convenção, as medidas legislativas ou de outra natureza que forem necessárias para tornar efetivos tais direitos e liberdades.

Portanto, cabe ao Estado a efetivação de políticas públicas capazes de garantir os direitos essenciais elencados que garanta acesso à saúde, educação, à cultura, emprego, à documentação e à moradia, ou seja, condições que favoreçam a promoção de qualidade de vida melhor do que aquela deixada e construída no país de origem.

Segundo Norberto Bobbio na obra A Era dos Direitos, Kant (A Paz Perpétua) elaborou dois princípios no que diz respeito ao cidadão estrangeiro em um Estado que não seja o seu Estado: O direito a hospitalidade de um estrangeiro em estando num Estado diverso ao seu e não ser tratado com hostilidade;

O direito de visita abrange todos os homens por fazerem parte da sociedade universal, em virtude do direito comum à posse da superfície da Terra. O ingresso de haitianos no território brasileiro com Visto Humanitário e outros meios, permitidos pelo Governo do Brasil, estão em consonância com os ideais de Kant (2008). Em desenvolvimento dessa ideia, Kant afirmou que deve haver uma relação de reciprocidade entre o Estado estrangeiro e o cidadão da pátria diversa:

Fala-se aqui, como nos artigos anteriores, não de filantropia, mas de direito, e hospitalidade significa aqui o direito de um estrangeiro a não ser tratado com hostilidade em virtude da sua vinda ao território de outro. Este pode rejeitar o estrangeiro, se isso puder ocorrer sem dano seu, mas enquanto o estrangeiro se comportar amistosamente no seu lugar, o outro não o deve confrontar com hostilidade. A reciprocidade citada, consiste então no fato de permitir o Estado o ingresso do cidadão estrangeiro em seus limites e este, o de não se aproveitar dessa concessão transformando-a em conquista. Há nessa relação menção ao Direito do homem ser cidadão não apenas de seu Estado, mas do mundo inteiro. (KANT, p. 20, 2008).

A reciprocidade citada consiste então no fato de permitir o Estado o ingresso do cidadão estrangeiro em seus limites e este, o de não se aproveitar dessa concessão transformando-a em conquista. Há nessa relação menção ao direito do homem ser cidadão não apenas de seu Estado, mas do mundo inteiro.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos (ONU, 1948) passou a atentar para o Direito Internacional tratando os indivíduos como seres singulares e não apenas os Estados como ímpar. Assim sendo, e não podendo destoar destes princípios, cabe ao Estado brasileiro a ampla assistência de seus indivíduos, seja qual for sua origem de nacionalidade.

3.1. OS ARTIGOS 5º E 6º, CAPUT, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL, DE 1988

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(...)

Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.

Mesmo o Brasil recebendo os haitianos migrantes em razão do desastre natural em grande escala ocorrido no Haiti, os quais procuravam preservar aquilo que há de mais importante, a vida, surgem dúvidas quanto à responsabilidade jurídica governamental para com os emigrantes assolados, e a segurança da existência de iguais condições de tratamento no que tange à políticas públicas positivas.

O caput do art. 5° da Constituição Federal do Brasil de 1988 é revelado que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”. Além disso, também, assegura que aos brasileiros natos, naturalizados e aos estrangeiros residentes no país é garantido que seja inviolável o direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade.

Vale salientar que, mesmo a Constituição fazendo referência somente aos estrangeiros residentes no país, os tribunais superiores entendem que tal garantia se estende, ainda, aos estrangeiros não residentes no Brasil e apátridas, considerando que o Estado não pode deixar de proteger direitos inerentes à dignidade humana de qualquer indivíduo. Vide HC 97147/MT, rel. orig. Min. Ellen Gracie, red. p/ acórdão Min. Cezar Peluso, 4.8.2009. (HC- 97147).

Desse modo, tamanha é a responsabilidade estatal em assegurar os meios básicos de vida e manutenção à dignidade humana, não podendo se furtar em promover ações que possibilitem iguais condições de existência e permanência àqueles que residem no país, já que, somente abrindo as portas, não resolveria ou garantiria uma permanência digna em solo brasileiro.

Quanto aos direitos sociais elencados no artigo 6° da Constituição vigente devem ser garantidos e aplicáveis a todos, independentemente se nacional ou não nacional, sendo assegurado, neste caso, aos haitianos, como direito e não caridade estatal.

De acordo com a Organização das Nações Unidas, o direito ao trabalho e as condições de acesso a ele, por exemplo, elucida um direito fundamental social que deve ser discutido e implementado visto que, muitas vezes, por desconhecimento, os trabalhadores estrangeiros são submetidos a condições desumanas laborais, além de receberem salários injustos, ou trabalharem sem receber, tornando-se vítima de mazelas.

O direito ao trabalho é constitucionalmente garantido a todos, já que a necessidade de sobrevivência justifica a busca por um trabalho e por um salário justo e, nesse sentido, por exemplo, os imigrantes e estrangeiros poderiam não usufruir desta garantia e outras que lhes são garantidas pela Constituição Federal.

Os direitos sociais e humanos devem ser garantidos e aplicáveis em um Estado Democrático de Direito, envolvendo todos os integrantes da população, independente da nacionalidade ou status jurídico (SALADINI, 2011).

3.2. ESTATUTO DO ESTRANGEIRO – LEI Nº 6.815/1980

A situação jurídica dos não nacionais que entram no Brasil é regulada pela Lei n° 6.815 de 19 de agosto de 1980, o chamado Estatuto do Estrangeiro. Por meio desta lei, o governo cria requisitos de permanência e entrada em solo brasileiro de estrangeiros, além de versar sobre seus direitos e obrigações, inclusive alguns pontos do referido estatuto aplicam-se aos haitianos.

O art. 1° do Estatuto do Estrangeiro dispõe que em tempo de paz, qualquer estrangeiro poderá, desde que atendidas às exigências, entrar em território brasileiro, permanecer ou sair, resguardados os interesses nacionais. O art. 1° assevera que “Em tempo de paz, qualquer estrangeiro poderá, satisfeitas as condições desta Lei, entrar e permanecer no Brasil e dele sair, resguardados os interesses nacionais.”.

No entanto, o art. 2° mostra que o referido estatuto foi construído numa época de regime ditatorial, regime de exceção e, sua preocupação, estava majoritariamente ligada a conceitos de segurança nacional os quais, muitas vezes, eram utilizados para justificar condutas reprováveis, veja-se o referido artigo:

Art. 2° Na aplicação desta Lei atender-se-á precipuamente à segurança nacional, à organização institucional, aos interesses políticos, sócio-econômicos e culturais do Brasil, bem assim à defesa do trabalhador nacional.

Neste sentido, percebe-se quão dificultoso é conceituar, atualmente, segurança nacional sob o enfoque democrático e constitucional, já que é um instituto trazido por uma lei insculpida à luz da arbitrariedade. Além disso, o conceito de estrangeiro e imigrante muitas vezes é confundido, acarretando, evidentemente, um embaraço na aplicação de políticas públicas aos haitianos que, hora se acham com status de estrangeiro, hora de imigrante.

O que se percebe, portanto, é a necessidade de se fazer um novo estatuto, à luz da CF/88 que reúna e discipline, num só documento, as situações alusivas tanto aos estrangeiros como situações de imigração, provocadas por eventos adversos como por exemplos, conflitos sociais, entre outros, o qual desembaraçaria algumas questões ligadas aos haitianos que vieram para o Brasil, objeto deste trabalho. A necessidade é emergente em razão da adequação e harmonia entre os dispositivos legais vigentes e a pragmática apresentada na realidade social.

3.3. LEI ORGÂNICA DO MUNICÍPIO DE CACOAL, RONDÔNIA

O município de Cacoal, localizado na porção Centro-Leste do Estado de Rondônia, é a quarta maior cidade do Estado e contém aproximadamente 95 mil habitantes (IBGE, 2014). Além disso, é conhecida pela denominação “Capital do Café”, sendo que a economia gira essencialmente em torno da agropecuária, indústria, comércio e serviços – este último em razão do demasiado número de faculdades que há na cidade, tornando-a um pólo universitário, de acordo com informações constantes no sítio eletrônico da Prefeitura Municipal de Cacoal (PMC), Rondônia, Brasil.

Conforme o site da PMC, Cacoal é habitada por povos oriundos de diversos Estados, como Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Espírito Santo, Minas Gerais, dentre outros, além de indígenas nativos.

Sua Lei Orgânica foi aprovada pela Assembléia Constituinte Municipal em 26 de março de 1990. Corroborando com esta pesquisa, observa-se sua intenção no preâmbulo:

Nós os representantes do povo de Cacoal, seguindo os princípios da Carta Magna, reunidos em Assembléia Municipal Constituinte, tendo como propósito assegurar os ideais de liberdade e justiça, de colaborar com o progresso sócio­ econômico e cultural, de garantir o exercício pleno dos direitos sociais e individuais, como a segurança, o bem­ estar, o desenvolvimento, a igualdade, tidos como valores singulares de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a graça protetora de Deus, o grande arquiteto do universo, a seguinte LEI ORGÂNICA DO MUNICÍPIO DE CACOAL ­ RONDÔNIA. (Grifo nosso).

Neste sentido, clarividente são as competências do município, em comum com a União e o Estado, expressos no art. 9º, em seus incisos, in verbis:

II – Cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência;

(...)

IX - Promover programas de construção de moradia e melhoria da condição a habitacional e saneamento básico;

X ­ Combater as causas da pobreza dos fatores de marginalização, promovendo a integração social dos setores desfavorecidos;

O Artigo 97 dispõe sobre a competência da Assistência Social em Cacoal, Rondônia:

Art. 97. O Município executará na circunscrição territorial, com recursos da seguridade social, previstos em orçamento, consoante normas gerais federais, os programas de ação governamental na área de assistência social.

§ 1º. As entidades beneficentes e de assistência social sediadas no Município poderão integrar os programas referidos no "caput" deste artigo.

§ 2º. A comunidade, por meio de suas organizações representativas, participará na formulação da política e no controle das ações em todos os níveis.

Percebe-se, portanto, que o município é competente e responsável pela promoção, efetivação e execução das políticas públicas voltadas à Assistência Social, devidamente fundadas em sua Lei Orgânica, corroborando com a Constituição Federal de 1988, especialmente quanto à atual situação de vulnerabilidade dos haitianos residentes em Cacoal.

3.4. SECRETARIA MUNICIPAL DE AÇÃO SOCIAL E TRABALHO – SEMAST, CACOAL/RO

Consta no sítio eletrônico da PMC, que a Secretaria Municipal de Ação Social e Trabalho (SEMAST) de Cacoal/RO foi criada em 08 de abril de 1996, através da Lei nº 638/PMC/96, e existe para atender aos anseios da população em condições de vulnerabilidade, inerentes à Assistência Social e Trabalho.

Realizou-se entrevista pessoal com a Secretaria Municipal de Ação Social e Trabalho de Cacoal, RO, ocasião em que foram fornecidas diversas informações acerca da efetivação de políticas públicas por parte do município.

Diversos programas de cunho social são promovidos e executados pela Prefeitura Municipal de Cacoal - RO, por meio da SEMAST. Há algum tempo, a referida secretaria soube da existência de alguns haitianos na cidade, através de uma equipe multidisciplinar de busca ativa. Nessa oportunidade, tiveram ciência de alguns haitianos residindo no centro de Cacoal. Juntamente com a imprensa, realizou-se um acompanhamento de assistência social, pelo qual foram concedidas cestas básicas, orientações psicológicas, encaminhamento para entrevistas de emprego em um frigorífico da cidade, além de outras medidas.

Neste sentido, houve inclusive auxílio por parte da SEMAST a uma estrangeira, oriunda do Perú, que esteve por algum tempo residindo em Cacoal, em situação de vulnerabilidade. A SEMAST promoveu o retorno desta estrangeira até o seio de sua família, no Estado do Acre, com auxílio de passagens e alimentação.

Constatou-se, durante a entrevista, que a SEMAST não possui nenhuma estatística referente aos atendimentos específicos aos estrangeiros atendidos em Cacoal – RO.

Referente à educação, questionou-se à Secretaria Municipal sobre esse tipo de assistência, sendo que foi refutado que o Poder Público aguarda ser acionado, assim como o Judiciário, tendo em vista que não há possibilidade de se descobrir ex officio essas pessoas em situação de vulnerabilidade no município, assim que chegam, devido à dimensão territorial e populacional de Cacoal, e neste caso específico da educação, orientou-se que os haitianos fossem encaminhados à secretaria de educação do município para a regularização da vida escolar.

A Secretaria afirmou ainda que há a possibilidade de contratação de um estrangeiro haitiano para o fomento de cursos e oficinas, com o desiderato de transmitir o conhecimento aos jovens, em forma de interação entre as secretarias do município (SEMAST e SEMED), inclusive em parceria com o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial - SENAI, com o foco nos idiomas estrangeiros conhecidos e dominados pelos haitianos, a exemplo do inglês, espanhol e francês.

Há inclusive, segundo a secretária municipal, diversos projetos neste sentido, envolvendo jovens cacoalenses, bastando apenas que fosse comprovado o conhecimento e fluência dos idiomas estrangeiros pelos haitianos, e aprovação pela câmara dos vereadores de projeto de lei, para legitimação e legalidade do projeto de oficinas de idiomas em Cacoal - RO.

Desta feita, verificou-se que a SEMAST possui atuação ativa no município de Cacoal, e que outrora forneceu assistência social a alguns haitianos, não exatamente às mesmas pessoas envolvidas nesta pesquisa acadêmica. Contudo, há a disponibilização e abertura de fomento para a assistência social a quem dela necessitar.

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Sobre os autores
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FREITAS, Kézia Oliveira ; OLIVEIRA, Thiago Gregório et al. A efetivação das políticas públicas frente aos haitianos no Município de Cacoal (RO). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5557, 18 set. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/68536. Acesso em: 22 dez. 2024.

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