Em 26 de abril de 2018, foi publicada, no Diário Oficial da União, a Lei nº. 13.655, que acrescentou diversos dispositivos ao Decreto Lei n.º 4.657/42, amplamente conhecido como a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB). Essa novidade legislativa estabelece normas de interpretação na criação e na aplicação do Direito Público, fixando regras objetivas para a responsabilização de gestores públicos.
Entende-se que os artigos dessa nova lei visam a introduzir maior segurança jurídica e eficiência à atuação da Administração Pública, impondo aos órgãos de controle a efetiva ponderação e razoabilidade em sua atividade julgadora, a fim de que sejam tomadas decisões mais justas e condizentes com a realidade fática da gestão pública.
Tendo em vista que a lei foi sancionada recentemente, há, ainda, intenso debate acerca dos impactos que os novos dispositivos poderão causar ao ordenamento jurídico.
Nesse cenário, os opositores da norma defendem que a atuação dos auditores seria inviabilizada e que a eficácia do controle seria restringida, em razão das determinações impostas pela nova lei, relativas tanto à condenação dos gestores quanto ao ajuizamento de demandas contra os administradores.
Entretanto, a nova legislação, em verdade, acaba por resguardar o interesse público na atuação dos gestores, buscando tão somente a ponderação das dificuldades práticas de um gestor público quando da fiscalização referente ao cumprimento das regras a eles impostas.
A esse respeito, o artigo 22, inserido pela Lei n.º 13.655/2018, trata do então intitulado “primado da realidade”, o qual determina que deve ser considerada toda a circunstância fática em que o administrador está inserido quando da interpretação de normas sobre gestão pública. Confira-se:
Art. 22. Na interpretação de normas sobre gestão pública, serão considerados os obstáculos e as dificuldades reais do gestor e as exigências das políticas públicas a seu cargo, sem prejuízo dos direitos dos administrados.
Esse dispositivo reflete a necessidade de se levar em conta a real situação em que se encontra o gestor e os motivos pelos quais as supostas irregularidades aconteceram — o que é, muitas vezes, negligenciado nos processos que tramitam nos tribunais de controle e nas ações de improbidade.
Muitos gestores, servidores públicos e, até mesmo, terceiros acabam sendo processados em ação civil de improbidade administrativa ou têm suas contas declaradas irregulares pelos tribunais de contas por descumprimento de determinada regra, sem que houvesse, efetivamente, dolo ou culpa em sua atuação.
Para que se evite condenações de servidores e gestores que, muitas vezes, não estão diretamente envolvidos nos fatos apontados como irregulares, deve-se considerar as reais dificuldades práticas vivenciadas por eles, sobretudo em municípios interioranos e de poucos recursos.
Atualmente, os órgãos de controle entendem, em vários casos, que tais dificuldades já eram conhecidas, e, por esse motivo, os gestores deveriam estar preparados para enfrentá-las. Sob esse argumento, ignoram as circunstâncias em que estão inseridos os gestores e procedem a uma análise superficial da atuação do administrador.
Tal postura adotada pelos órgãos de controle, porém, gera prejuízo aos administrados, porquanto, ainda que em eventual situação determinado serviço seja realizado, o descumprimento de determinada regra provoca a sua paralisação para a investigação pelos Tribunais.
Além do caput, o §3º do mesmo artigo determina que sanções já aplicadas devem ser consideradas na dosimetria das demais sanções referentes à suposta infração:
§ 3º As sanções aplicadas ao agente serão levadas em conta na dosimetria das demais sanções de mesma natureza e relativas ao mesmo fato.
Dessa forma, eventual sanção aplicada a determinado caso gerará um precedente administrativo, de forma a servir de referência para a análise de aplicação de penalidades de todas as demais esferas.
Nesse sentido, nos casos em que não há sanção, ou seja, o gestor for absolvido ou a ação contra ele for julgada improcedente, tal decisão deverá ser considerada nas demais esferas judiciais.
A análise prévia que se impõe aos Tribunais com relação aos obstáculos e às dificuldades reais enfrentados pelo gestor pode, em muitos casos, acarretar na falta de interesse de agir da demanda, por não haver razoabilidade para tanto, de forma a desestimular o ajuizamento de ações judiciais que não possuam respaldo jurídico suficiente.
Portanto, o artigo 22, visando ao atendimento ao interesse público, não objetivou pura e simplesmente tornar a jurisprudência de tais órgãos mais branda, mas impor aos tribunais que considerem as particularidades do caso concreto, e não somente a literalidade das regras.